O mês de Maio, desde 1977, para muitos nacionalistas e jovens que, nos idos de 1960, se embrenharam nos húmus libertários angolanos, é a expressão mais tenebrosa da transposição da ideologia comunista da Europa para Angola-África.
Por William Tonet
Os comunistas ou seus clones, transformaram o pensamento livre ou os intelectuais diferentes em coisas, espécie menor, que devia ser assassinada sem apelo nem agravo, sempre que imaginassem estar o seu poder em causa. “Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira –baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Mas, quando chego a Maio, faço sempre, em reflexão e “in memorium”, uma viagem de regresso ao tempo: 1977, para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou, muitos de nós, às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Mas, neste Maio quero recordar um homem, que jamais me esquecerei, pelo muito mal que me causou, Carlos Jorge ou simplesmente, Cajó, meu canoa (forma como se tratavam os presos do Campo de Concentração de São Nicolau, no tempo colonial), mas, também, o intrépido algoz, que, arbitrariamente, me conduziu, sem processo, sem acusação, sem crime para as fedorentas masmorras da DISA, na Vila Alice e Tourada.
Com Cajó, pois partilhamos juntos a cadeia de São Nicolau, onde me encontrava na companhia de meu pai, mas ele não teve pejo em cometer uma injustiça, levando-me, por causa nenhuma, qual assassino em série, no dia 19 de Junho de 1977, por volta das 16h 45 minutos, saía eu do Bairro Operário, onde acabará de ver minha mãe, para a Vila Alice.
– Sobe! Ouvi uma voz familiar, de forma peremptória, pensando, ingenuamente, ser um convite para uma boleia, mas logo caiu a ilusão, tal era o espumar e os olhos esbugalhados do mandante.
– Porquê e para aonde? Indaguei…
– Estás preso!
Chegou seca a resposta raivosa: – “seus filhos da puta de fraccionistas, querem dar golpe de Estado, mas nós é que vos vamos matar”!
Ainda apelei à solidariedade, ao nosso longo conhecimento e à minha inocência. De nada valeu, pois o meu ex-canoa, tinha-se convertido num verdadeiro assassino da DISA, um homem que sabe a roupa que eu trajava e consegue, como muitos poucos relatar a minha biografia.
Soube, depois que Cajó havia feito o mesmo com uma grande maioria de “canoas” acusados no famigerado golpe de Estado, uma artimanha inventada, por Neto e seus sequazes, para assassinarem uma nata refinada de jovens intelectuais que pensavam pela própria cabeça.
Muitos dos que partilharam o campo de São Nicolau, sabem quem é o Carlos Jorge, desde o Ismael Mateus, ao Dias, ao Bornito de Sousa, ao Baltazar de Sousa, ao Man Cisco e outros, não acreditam, por vezes, no monstro em que ele se transformou em 1977, ao ponto de ter sido ele, quem deu a primeira punhalada para assassinar José Van-Dúnem, que, ironia do destino, o havia, contra muitas resistências, o enquadrado na DISA (polícia política de Neto).
Foi ele, também, quem friamente, assassinou Kiferro, também nosso canoa, no campo de São Nicolau. Matou-o de forma ignóbil, tendo antes pressionado e prendido a irmã, mais velha deste. Diante do sofrimento, uma tia denunciou-o. Imediatamente Cajo foi capturá-lo, capitaneando uma tortura sem precedentes, ao ponto de antes de o assassinar, o ter cegado, queimando-lhe os olhos com charutos havanos, fornecidos pelos mercenários cubanos ao serviço do regime socialista de Neto. No final, insensível foi comunicar essa ignominia, como se de troféu se tratasse a sua irmã mais velha, para que tentassem resgatar o corpo de um intelectual, que estava a trabalhar no Banco Nacional de Angola. Bárbaro. Indescritível essa mente assassina de Cajó.
Mas neste Maio, pese estar acometido de uma enfermidade, 39 anos depois, vejo que eu e Cajó estamos vivos, mas de forma diferente. Ele foi transformado, pelo próprio regime que serviu, foi transformado, ao longo dos anos, num energúmeno desprezível, incompatível com a opção ultra direitista, dos antigos proletários comunistas transformados em vorazes capitalistas.
39 anos depois aguardamos justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também, por não haver um líder em Angola.
Daí termos de ser realistas; está na génese, deste MPLA/JES, não daquele MPLA de esquerda, a injustiça, a cobardia, a intriga, a perseguição, a corrupção, a falta de cultura democrática de tolerância e os assassinatos.
Muito sinceramente é uma história triste e que devíamos seguir o exemplo da África do Sul.
Criar uma comissão de verdade e reconciliação Nacional aonde todos fossem declarar ou ser ouvidos e perdoados e criar um dia de luto nacional a favor de todos malogrado e ser realizado um funeral simbólico aos visados das atrocidades.
Isto a continuar assim mancha a história eo nacionalismo Angolano.