Gostamos (por defeito de fabrico) de manter viva a peregrina ideia gerada e nascida em Angola, de que não se é Jornalista sete horas por dia a uns tantos kwanzas, dólares ou euros por mês, mas sim 24 horas por dia… mesmo estando desempregado.
Por Orlando Castro
Reconhecemos, contudo, que essa é uma máxima cada vez menos utilizada e, até, menosprezada por muitos dos que mais recentemente chegaram a esta profissão e, até, pelos que há muito vagueiam pelas redacções mas que só agora estão (se é que estão) a chegar ao jornalismo.
Angola vive agora, sobretudo em função das anunciadas eleições, uma velha – mas sempre nova – realidade que, contudo, é corrente em diversos países ditos evoluídos. Os jornais (é claro que também as rádios e as televisões) não são um produto feito à medida dos jornalistas e/ou dos consumidores mas, isso sim, dos interesses comerciais, políticos, partidários em jogo.
No caso angolano começam a ser, cada vez mais, um negócio ou, melhor, uma forma de comércio. São apenas mais um produto em que os seus fazedores (na circunstância catalogados de jornalistas) são escolhidos à e por medida pelos donos do poder, seja ele apenas político ou político e económico.
E, como tal, os jornalistas angolanos tendem a ser forçados a obedecer às regras da oferta e da procura. Mais do que informar, mais do que formar, têm de ajudar a vender políticos e generais.
E se em Portugal, por exemplo, os jornalistas são os montadores que, de acordo com o mercado, alinham as peças de um crime, de um comício, de um atentado ou de um buraco na rua, em Angola são comprados, presos ou ameaçados para que possam assinar textos que ajudem a vender o partido do Governo para que este ganhe as próximas eleições.
Angola vive, aliás, a fase em que os jornalistas têm a sobrevivência no fio da navalha que é manipulada por generais políticos ou por políticos generais. Se teimarem em ser Jornalistas acabam nas prisões, no estômago dos jacarés ou chocam contra uma bala de borracha que depois de disparada para o ar se transforma em chumbo.
E porque, naturalmente, todos queremos sobreviver e ter uma vida digna, resta aos que têm preço (mas não têm valor) integrar as linhas de montagem que, como muito bem sabem os generais políticos e os políticos generais, não precisam de jornalistas. Apenas precisam de autómatos. E desde que estes façam tudo o que o dono do poder quer, até poderão ostentar a designação profissional de jornalista.
O triste caso português
Em Portugal, por exemplo, ninguém noticia o desaparecimento, nos últimos anos, de centenas de jornalistas portugueses devido aos ataques de empresários criminosos, de governos corruptos, de estratégias de silenciamento total de todos aqueles que ousam pensar pela própria cabeça.
De facto, o jornalismo em Portugal está em acelerado estado de putrefacção e a caminho da extinção. É que, julgamos, não basta trabalhar numa Redacção para se ser jornalista. Conhecemos, aliás, muitos que quanto mais trabalham nas Redacções mais se afastam do Jornalismo.
Ou seja, basta ter dinheiro para ser dono de um jornal, basta ter um jornal para lá mandar pôr o que muito bem entender, sejam as fotografias da sogra, do rafeiro ou da amante.
Os jornalistas, mais do que informar, mais do que formar, têm de vender. Vender, vender sempre mais. E quem sabe o que fazer para melhor vender não são, na maioria dos casos, os jornalistas.
Se o que vende é divulgar os produtos da empresa «X», são essas as peças que têm de montar, passando por cima do facto de essa empresa eventualmente não pagar os salários aos seus trabalhadores, promover criminosos despedimentos ou apostar no trabalho infantil.
Se o que vende é dar cobertura às ditaduras (sejam as de Bashar al-Assad, José Eduardo dos Santos ou Teodoro Obiang), são essas peças que têm de montar, calibrando-as da forma a parecerem dos melhores exemplos democráticos.
Apesar de serem de Maio de 2009, não nos esquecemos que o Carlos Narciso (um dos mais probos jornalistas de língua portuguesa) dizia que não ia à feira do livro “porque o subsídio de desemprego é manifestamente curto para dar de comer à família e ainda conseguir comprar livros”.
Carlos Narciso, considerado pelo Notícias Lusófonas (opinião que subscrevemos) como “um excelente Jornalista, dos mais conhecidos e respeitados em todo o espaço lusófono”, dizia também que “há uma ideia romantizada do que é jornalismo e, nessa ideia, não entram conferências de imprensa enfadonhas, passar meses e anos a escrever pequenas notícias, a frustração de ver oportunidades passar ao lado, a mediocridade premiada, enfim, o dia-a-dia de muitas redacções”.
Também em Maio de 2009, Alfredo Maia – então presidente do Sindicato dos Jornalistas de Portugal – salientava que ainda que a liberdade de imprensa esteja, “do ponto de vista formal, assegurada”, há “problemas graves” no jornalismo português.
Alfredo Maia referia então (e desde então a situação piorou) que a “ameaça de desemprego” que paira sobre alguns conjuntos de profissionais e a “precariedade”, que atinge “novos e antigos profissionais”, são os principais desafios à “autonomia” da imprensa hoje em dia.
Compreendo que como jornalista assalariado e, portanto, igualmente sujeito à ameaça de desemprego, o Alfredo Maia não possa dizer mais. Fica, contudo, um travo amargo porque de um presidente de um sindicato esperava mais. Muito mais.
Já para Amílcar Correia, a falta de liberdade de expressão passa, no Ocidente, muito mais, por um “tipo de controlo de opinião, que é feito de uma forma muito mais subliminar”.
Segundo Amílcar Correia, esse controlo acontecia (acontece) sob a forma de “condicionamento económico dos órgãos de informação”, pela “pressão de fontes” e anunciantes, que “num cenário de alguma crise nos media”, podem conseguir ter “alguma influência no editorial das respectivas publicações”.
Sobre os eventuais excessos derivados da “falta de sensatez e de bom senso” dos jornalistas, Amílcar Correia entende que “a ausência da liberdade de expressão é sempre pior”, portanto, “é preferível o excesso de liberdade de imprensa à total ausência de liberdade de expressão”.
Aliás, todos sabem que não faltam exemplos de casos onde os jornalistas são “voluntariamente obrigados” a pensar com a barriga.
“Só com jornalistas usando plenamente os seus direitos e garantias existe jornalismo verdadeiramente livre e responsável”, destacava Alfredo Maia, certamente pensando nas centenas de jornalistas que nos últimos anos foram obrigados a ir para o desemprego. Tudo, é claro, a bem de uma nação que instituiu a escravatura como forma de, dizem eles, evitar a falência.