Soube que alguns dos alegados elementos de um indicado e carnavalesco “governo de salvação nacional” pelo chamados “revus”, mesmo sem terem tido conhecimento de eventual notificação para deporem perante o Tribunal de Luanda, terão sido publicamente ameaçados com medidas de coacção antecedidas de anúncio público de seus nomes, em supostos termos da Constituição e da Lei.
Por Marcolino Moco
Tudo isso, aparentemente, para justificar o arrastamento do sofrimento a que têm sido sujeitos cidadãos que apenas tentavam exercer, pacificamente, os seus direitos previstos na Constituição e na legislação internacional adoptada pelo Estado angolano, como parte dos seus direitos humanos fundamentais.
É caso para se olhar com pena para estes confrades do Direito, encarregados de ameaçar elementos da sociedade supostamente fracos, quando, como juízes, não conseguem resistir a impulsos estranhos à Lei, à qual unicamente devem obediência, com a mesma a protege-los de interferências externas, como e deve ser num estado democrático e de direito.
Os meritíssimos juízes não foram capazes de se opor aos “lobos” que prenderam ilegalmente os 15, de forma pública e notória. Aceitaram alegremente o pretexto da alegada indicação de um risível “governo de salvação nacional” cujo humorista, também nosso confrade, o Dr. Albano Pedro, “confessou” e explicou publicamente a razão do seu jocoso exercício; agora atiram-se a outros “cordeirinhos indefesos” e ainda por cima, com golpes de um maquiavelismo tão barato.
Mas, sendo este diversionismo judicial apenas “uma gota no oceano” das arbitrariedades da “nossa Justiça”, nos últimos anos, há que olhar-se (dirijo-me a pessoas humanas, passe o aparente pleonasmo) para a situação em que foram colocados tais cidadãos, com a também ela “atípica” prisão domiciliária, que os coloca numa condição de indigência, a si e suas respectivas famílias, afastados que estão das suas fontes de rendimentos. Sugere-se, em concreto, um acto de solidariedade para com esses cidadãos.
Com a “coragem” com que nos têm estado a limitar os direitos, liberdades e garantias é de todo em todo insensato pensar-se que isso é apenas “com eles”.
Neste texto, de 5 de Fevereiro, apelei para o facto de que continuar a pensar-se que o problema do cerceamento dos nossos direitos, liberdades e garantias em Angola é apenas “com os outros” não é sensato. Nessa altura não sabia que eu próprio entraria em cena, como exemplo dos supostamente fracos, que devem ser abusivamente incomodados por aqueles que não ousam, quando o podem, agir contra o abuso de supostos “donos disso tudo”.
Acabo de saber, pelo jornalista Paulo Sérgio do “jornal o País”, a quem, a seu pedido, concedi uma breve entrevista, que o meu nome apareceu num suposto edital do Jornal de Angola, de que não se precisou o dia, para me apresentar amanhã, no Tribunal de Luanda e depor sobre a minha menção no fantasmagórico “governo de salvação nacional”.
Por enquanto e tendo em conta as parâmetros editoriais desse jornal (O País, de cujos donos todos temos uma vaga ideia), limitei-me a invocar razões físicas e formais para não comparecer no mencionado tribunal, amanhã: é que não me encontro em Luanda e, por outro lado, não aceitaria de nenhum modo o facto de ser “notificado” através de um jornal quando não foram esgotados os meios apropriados de fazê-lo. Na verdade, até à altura em que o jornalista me entrevista, telefonicamente, e, ainda agora, não tenho conhecimento de qualquer notificação pela autoridade competente, tanto na minha residência, em Luanda, como no meu escritório, registado na Ordem dos Advogados.
Porém, tenho razões mais substantivas para nunca comparecer ao referido tribunal para o alegado depoimento, a não ser por coacção física, evitando, se possível, que seja torturado como aconteceu com pessoas que, sendo mais jovens, eram mais resistentes, fisicamente, do que eu.
Estou convencido que até leigos na matéria do Direito, já constataram que este chamamento abusivo e manipulado é uma forma mais, para se arrastar o sofrimento de pessoas que foram detidas ilegalmente, tiveram uma série de dias em prisão preventiva com ilegalidades sucessivas e encontram-se agora em prisão domiciliária “atípica”, como muitas coisas atípicas que têm acontecido no nosso país, alguns anos para cá.
Não estou disposto a participar na “carnavalização da justiça” que temos vivido, sobre tudo quando está em jogo o sofrimento de pessoas, em tempo de paz e democracia para as quais tenho contribuído.
Nas boas faculdades de Direito não aprendemos a sobrevalorizar a justiça formal em relação à substantiva, assim como não aprovamos silogismos em que possamos concluir, por exemplo que, porque a árvore respira, tal como o homem o faz “então a árvore é homem” ou “ … o homem é árvore”.
Na minha opinião, todos aqueles que se encontram na mesma situação que a minha (excepto, provavelmente, o Dr. Alberto Pedro) deviam recusar-se a participar neste arrastamento de um processo que pouco tem de judicial mas mais de injustamente político.