O regime de Eduardo dos Santos certamente que quer, agora mais do que nunca, que a portuguesa TVI envie em “reportagem” a Angola o seu maior especialista em branqueamentos, Victor Bandarra. Depois da lição de jornalismo que a SIC deu com a reportagem “Angola um país rico com 20 milhões de pobres“, o MPLA não pode perder tempo. Veja como Estêvão Alberto explica o inexplicável.
Por Orlando Castro
Embora Victor Bandarra tenha falhado – por falta de empenho do regime de sua majestade o rei de Angola – o Prémio Pulitzer, talvez tenha chegado a altura de o compensar. Num dos seus trabalhos de propaganda, o vendedor da TVI foi ao Huambo descobrir a pólvora, dando tempo de antena às verdades oficiais já que, como se viu, não conseguiu ouvir um só testemunho do lado dos seguidores de Kalupeteca, dos partidos da oposição, ou das organizações não-governamentais, da Igreja Católica, da Amnistia Internacional, da União Europeia ou das Nações Unidas.
Segundo o especialista em lixívia e seus sucedâneos da TVI, a ter havido um massacre no Monte Sumi na Caála (Huambo), as vítimas foram apenas e só os elementos da Polícia que foram mortos por esses terroristas dos Kalupetecas.
Do ponto de vista da propaganda, reconheça-se que foi um brilhante trabalho. Do ponto de vista do jornalismo foi pura e simplesmente uma, mais uma, sabujice… certamente bem remunerada.
Regressemos ao empenho do regime para que Victor Bandarra regresse ao nosso país. De facto, quem melhor do que ele para provar ao mundo que, ao contrário do que mostrou e demonstrou a SIC, afinal em Angola os pobres são apenas meia dúzia de cidadãos?
Quem melhor do que Victor Bandarra para provar ao mundo que, por exemplo, os jovens activistas foram mesmo apanhados com o dedo no gatilho quando se preparavam para uma actividade criminosa, consubstanciada em – citemos o despacho do Ministério Público do regime – “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”?
Nesse flagrante delito, descobrirá certamente o sipaio Victor Bandarra, os jovens tinham em seu poder diverso material bélico, altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar as ditaduras.
Mas haverá mais. Com a perspicácia lixiviosa que se lhe reconhece, o mundo ficaria a saber que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos.
Dirá Victor Bandarra que os jovens estavam no seu quartel-general, por sinal uma residência em Luanda, numa reunião dos seus estrategas militares que planeavam o golpe a partir da leitura do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a libertação”, do norte-americano Gene Sharp.
Acrescentará com todo o rigor que, no quintal, debaixo de uma mangueira, o exército mobilizado por esses jovens (talvez uns milhões de guerrilheiros) afinava os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos.
Acredita a equipa de Eduardo dos Santos que, paralelamente, Victor Bandarra demonstrará que as vigílias feitas em homenagem aos activistas então detidos sempre foram apoiadas pelo regime, e que – inclusive – representantes do Presidente se juntaram a elas em actos de sincera solidariedade.
Provará ainda que as igrejas nunca foram invadidas por elementos da Polícia que, contudo, estiveram junto aos templos para garantir a segurança dos participantes contra os arruaceiros. Contará para isso com testemunhos imparciais da Polícia, bem como com os depoimentos dos primos da tia da empregada que conhece o pai da vizinha de Luaty Beirão.
Além disso, como profissional feito à medida da TVI, Victor Bandarra ainda terá tempo para dar uma ajudinha ao Ministério Público do regime, provando que a seita “A luz do mundo”, inclusive o seu líder, praticou crimes de homicídio, no caso que em Abril terminou em confrontos mortais de ambos os lados com a polícia, no Huambo.
Bandarra documentará que em causa estão as provas de que os homens com idades entre os 18 e os 54 anos, na qual José Julino Kalupeteka é o principal visado, são autores do crime de homicídio qualificado consumado, crime de homicídio qualificado frustrado e ainda crimes de desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo e por último, mas não menos relevante, pelo crime de rebelião e tentativa de golpe de Estado.
Lavar mais branco? TVI com certeza!
Recordemos que, afinal, lavar mais branco compensa. O canal generalista, criado de raiz pela portuguesa TVI para Angola e Moçambique é prova disso.
Segundo a própria TVI, “é a primeira vez que uma televisão portuguesa constrói, de raiz, um canal generalista, feito propositadamente para um operador de um mercado que não o português”.
E acrescenta na altura do lançamento: “Na grelha da TVI África estarão conteúdos exclusivos e a melhor oferta premium da TVI. Reality shows como “A Quinta”, novelas com emissão simultânea em Portugal, como “Santa Bárbara”, grandes formatos de entretenimento e informação são apostas do novo canal”.
Em Portugal, e não é um exclusivo da TVI, tudo serve para lavar a imagem do regime de José Eduardo dos Santos, um presidente que está no poder há 37 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito. Mas há alguns que têm lixívia perfumada, o que sempre dá um ar mais agradável à porcaria. Claramente a TVI é a que mais se destaca.
E numa das fotos de promoção desta lavandaria lá estava José Alberto Carvalho. E estava bem. Citemos o Jornal de Angola a propósito: “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”.
Certamente, como é seu apanágio, a TVI vai contar com o apoio de alguns dos maiores especialistas angolanos, quase se diria mundiais, como José Ribeiro, Artur Queiroz, Victor Carvalho, João Pinto, Luvualu de Carvalho ou Estêvão Alberto. Sim, que nesta fase do campeonato os sipaios portugueses não se atreverão a cuspir no prato do chefe do posto.
Em Outubro de 2013, o Pravda de Luanda (“Jornal de Angola”, segundo o MPLA), órgão de referência para os candidatos da TVI ao Prémio Pulitzer, com Victor Bandarra à cabeça, e para os sabujos que lhe dão cobertura, atacou forte e feio a TVI, acusando os seus jornalistas de serem analfabetos, virando todas as baterias para José Alberto Carvalho (então director de informação) e Judite Sousa (directora-adjunta], tratando-a como a “segunda dama de Seara”.
Foi remédio santo. Os dois ficaram domesticados. Os dois e todos os outros. Sentam, saltam e rebolam sempre que qualquer sipaio de Luanda lhes dá indicação para isso. Alguns fazem tudo isso sem sequer precisar de receber ordens. Tal é a habituação.
Nesse texto sobre a “fuga dos escriturários”, o nosso Pravda (que não se inibiu, antes pelo contrário, de contratar Victor Bandarra para palestrar em Luanda sobre – imaginem! – jornalismo) é dito que a “TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como ‘a voz oficial do regime angolano’”. Mostrando ser um paradigma do que de mais nobre, puro e honorável existe no jornalismo moderno, o jornal de José Ribeiro e companhia, escreveu que “a TVI é a voz oficial da dona Rosita (Rosa Cullell, administradora delegada da Media Capital, dona da TVI) dos espanhóis” ou, em alternativa, “voz do conde Pais do Amaral, então presidente do Conselho de Administração da Media Capital“.
Mas há mais. “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”; “o canal de televisão é a voz oficial da segunda dama de Seara, inesperadamente apeada de primeira-dama de Sintra”.
Com este cenário, com a reacção do órgão oficial do regime, o que é o mesmo que dizer regime, sendo o nosso país um mercado apetitoso pelo dinheiro marginal que tem, pelos caixotes diplomáticos cheios de dólares que aterram em Lisboa, pelos avultados investimentos que faz nas lavandarias portuguesas, a TVI do – citemos o Jornal de Angola – “escriturário” José Alberto Carvalho e da “ex-primeira-dama de Sintra”, tinha de fazer alguma coisa, engrossando a sabujice lusa.
E fez. Para além de avulsas “reportagens” sobre o que mais interessava ao regime vender ao exterior, avançaram com a dita TVI África. Dessa forma ficam sanadas as divergências entre os “escriturários” de Queluz de Baixo e os donos de Angola.
No referido artigo do “Jornal de Angola” sobre a TVI e em que coloca José Alberto Carvalho e Judite de Sousa ao nível da escumalha, diz-se que “Pedro da Paixão Franco, o príncipe dos jornalistas angolanos, dizia que era muito difícil fazer progredir o jornalismo da época, porque da “metrópole” chegavam carradas de analfabetos que mal passavam o Equador eram logo transformados em jornalistas.”
E como é que a TVI respondeu a esses insultos? Pondo-se de cócoras e “dando o cu e três tostões” aos que a achincalharam sem apelo nem agravo.
“E em Portugal surgiu um fenómeno notável e que merecia um estudo profundo. Depois do 25 de Abril de 1974 o analfabetismo foi sendo banido, de uma forma galopante. Até há pouco, ninguém conhecia o segredo de tão simpático sucesso. Só agora se compreende o que aconteceu. Os analfabetos foram todos a correr para o jornalismo. E como eles dão nas vistas!”, escrevia o “Jornal de Angola” a propósito da TVI.
“Um dia destes, a TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como “a voz oficial do regime angolano”. Os analfabetos têm o seu quê de inimputáveis. Mas fica mal a profissionais do mesmo ofício entrarem por terrenos tão pantanosos. O Jornal de Angola é a voz dos seus leitores. E dos jornalistas que livremente escrevem nas suas páginas. Nada mais do que isso. Aqui não há vozes do dono nem propagandistas. Há jornalistas honrados que todos os dias tentam dar o melhor que podem e sabem para fazer chegar aos leitores os acontecimentos do dia”, dizia o articulista do Pravda numa enciclopédica e, como agora se constata, bem sucedida lição de jornalismo endereçada aos profissionais da TVI.
A cedência da TVI perante estes emblemáticos ataques envergonharia todos os seus jornalistas e deveria levar à demissão de alguns. Isto se é que a TVI tem jornalistas. Se não tem… as nossas desculpas.