Angola poderá paralisar por falta de combustível, com a gasolina em destaque. Os tanques estão quase vazios e, nos últimos tempos, apenas se faz uma gestão criteriosa, para evitar que a população se aperceba de mais esta crise, que se junta às demais.
“O s fornecedores estão a condicionar o fornecimento às dívidas que a Sonangol tem e à descredibilização dos últimos tempos, não só com a nomeação da engenheira Isabel dos Santos, como da partidarização da companhia, que tem sido uma autêntica fábrica de corruptos, levando-a de uma companhia de referência para uma banal, comparada às piratas”, disse ao Folha 8, o engenheiro Marcos Patrocínio Cabral Neto.
A situação, se não for rapidamente resolvida, poderá aumentar o nível de desemprego e prejuízos empresariais, uma vez, cerca 60% da produção e serviços depender do combustível, que abastece os geradores.
Assim, a Sonangol, agora dirigida pela princesa herdeira do trono, está a viver um dos seus piores períodos, com a ruptura de combustível, mais concretamente de gasolina.
Luanda ainda não ressente muito porque a empresa tenta evitar a contestação mas desde Setembro que existe diminuição no fornecimento. As províncias têm estado a reduzir gradualmente e há alguns postos que só fornecem 20 litros por viatura. Kwando Kubango, Moxico, Kunene têm sido as mais penalizadas.
As receitas geradas pela Sonangol com a exportação de petróleo caíram em Setembro, mas ainda representaram cerca de 63% do encaixe fiscal com a venda de crude por Angola, totalizando 74.462 milhões de kwanzas (412 milhões de euros). Entre Agosto e Setembro as receitas da Sonangol com a venda de petróleo caíram mais de 4%.
O barril exportado no primeiro semestre do ano chegou a valer apenas 28 dólares, contra os 45 dólares que o Governo previa arrecadar, segundo o Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, que na revisão aprovada na Assembleia Nacional desceu para 41 dólares (média esperada para todo o ano para cada barril exportado).
Em Setembro foram exportados 56.075.475 barris de petróleo, mais 2.168.730 barris face a Agosto, a um preço médio que voltou a descer, para 41,7 dólares, contra os máximos do ano, em Junho, acima dos 46,6 dólares.
O país totalizou assim vendas globais de petróleo de mais de 2,33 mil milhões de dólares (2,1 mil milhões de euros) em Setembro. As receitas fiscais com estas vendas desceram 1,4%, para 118.133 milhões de kwanzas (653 milhões de euros), incluindo nestas o encaixe fiscal da Sonangol.
A Sonangol passou em Junho a ter Isabel dos Santos (filha de José Eduardo dos Santos) como presidente do Conselho de Administração, no âmbito do processo de reestruturação do maior grupo empresarial, num clima de bastante indignação e contestação da sociedade civil, inclusive com uma providência cautelar interposta, por 12 advogados, junto do Tribunal Supremo.
Numa intervenção pública a 22 de Junho, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, disse que, com o então “nível de preços”, a Sonangol “ficou sem condições de garantir os recursos para o OGE”, especificando que “desde Janeiro o Governo deixou de receber receitas da Sonangol porque ela não está em condições de o fazer”, numa aparente alusão aos compromissos da concessionária estatal com o seu próprio endividamento e despesas de funcionamento.
Cada barril de crude produzido em Angola custa actualmente em média 14 dólares, valor que a nova administração da concessionária estatal Sonangol, liderada por Isabel dos Santos, quer reduzir para “oito a dez dólares”.
Produzir petróleo e comprar gasolina
Importa registar que Angola comprou mais de 6,241 milhões de toneladas de produtos refinados em 2015, mas a reduzida capacidade de refinação nacional obrigou a concessionária do regime, Sonangol, a importar cerca de 80% desse total.
De acordo com a versão final do relatório e contas da petrolífera angolana, o consumo de combustíveis por Angola caiu 5% em 2015, na mesma proporção da importação de produtos refinados, essencialmente gasolina e gasóleo, face a 2014.
Contudo, os dados Sonangol referem que o país comercializou directamente no mercado interno 4,864 milhões de toneladas de produtos refinados, enquanto 1,3 milhões de toneladas foram vendidas ao mercado externo.
Para este volume de necessidades, a refinaria de Luanda apenas produziu 1,134 milhões de toneladas de combustíveis, ainda assim um aumento de 11%, tendo em conta a produção de 2014, indica o mesmo relatório.
Construída em 1955, a refinaria de Luanda tem uma capacidade actual de 65.000 barris de petróleo por dia, operando a cerca de 70% da sua capacidade e com custos de produção superior à gasolina e gasóleo importados, segundo um relatório sobre os subsídios do Estado angolano ao preço dos combustíveis, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2014.
No relatório da Sonangol, a empresa do regime recorda que para garantir o aumento da capacidade de refinação interna está em curso o projecto de construção da refinaria do Lobito, com capacidade para processar 200.000 barris de petróleo por dia e conclusão prevista para 2018.
Crude tem um intenso cheiro chinês
Recorde-se a este propósito que um consórcio de empresas angolanas e chinesas reveliu no dia 8 de Julho de 2015 que iria investir 12,4 mil milhões de euros na construção de uma refinaria na província do Bengo.
A refinaria, denominada “Prince de Kinkakala”, instalada no município do Ambriz, terá capacidade de refinação de 400 mil barris de derivados de petróleo por dia, integrando o consórcio a Sonangol, com uma quota de 40%.
Os restantes 60% do capital social do consórcio promotor são detidos pela empresa privada angolana do sector petrolífero GPM Internacional Services e por um grupo de empresas chinesas.
De acordo com informação daquela empresa angolana, a construção da refinaria, avaliada em 1,7 biliões de kwanzas (12,4 mil milhões de euros) arrancou a 28 de Agosto de 2015 e estará pronta em 2017.
As três novas refinarias angolanas envolvem empresas chinesas e a sua construção permitirá eliminar a necessidade de importação de combustíveis refinados.
Negócios em família
Há já vários anos, a importação de combustíveis, nomeadamente gasóleo e gasolina, é praticamente dominada pela Trafigura, uma multinacional suíça. Através da sua subsidiária Puma Energy, que actua em Angola, a Trafigura é sócia do trio presidencial composto pelos generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso do Nascimento e Manuel Vicente, bem como da própria Sonangol.
Recentemente, como escreveu Rafael Marques, a Sonangol tentou obter um financiamento de US $800 milhões junto de um banco sedeado no Egipto, propondo como garantia as suas acções no banco Millennium BCP em Portugal, para pagamento da dívida de US $1 bilião à Trafigura pela importação de combustíveis. O general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que actualmente dirige os negócios da Trafigura em Angola, assim como do trio presidencial, tem sido o grande elemento de pressão para que a Sonangol pague a dívida.
Com a mudança de administração, as negociações finais para a concretização do empréstimo foram transferidas para a gestão de Isabel dos Santos. Das cinco prioridades da petrolífera nacional constam a resolução da dívida à Trafigura [e ao trio presidencial], bem como o pagamento da compra das operações da Cobalt International em Angola, que se tinha associado à empresa Nazaki Oil & Gas, do trio presidencial.
O general Leopoldino Fragoso do Nascimento é o testa-de-ferro dos grandes negócios do presidente José Eduardo dos Santos que não estão em nome da sua filha Isabel.
A Sonangol gasta, mensalmente, entre US $150 e US $170 milhões com a importação de derivados de petróleo, e não tem quaisquer perspectivas de diminuição deste dispêndio a médio ou longo prazo. A situação é tanto mais grave quanto Angola se constitui como o maior produtor africano de petróleo, ao mesmo tempo que se revela incapaz de construir uma refinaria, devido aos interesses privados de alguns dirigentes, que lucram com a importação de combustíveis.
Uma das soluções que a anterior administração da Sonangol tinha ponderado passava pela entrega de petróleo a uma refinaria sul-africana. Essa refinaria ficaria com uma parte do carregamento do petróleo e, em contrapartida, abasteceria o mercado angolano com refinados a um valor mais baixo que os impostos pela Trafigura e os seus associados da presidência da República.
No entanto, esta ideia foi abandonada porque Angola tem compromissos de pagamento do serviço da dívida, com carregamentos de petróleo, até 2026. Não há muito mais. Parte dos carregamentos são destinados à China, onde a Sonangol contraiu dívidas no valor US $15 biliões. No mercado europeu, através de financiamentos agenciados pelo Standard Chartered Bank, a Sonangol soma mais uma dívida que ultrapassa os US $13 biliões. Ou seja, a petrolífera nacional deve mais de US $28 biliões.
Com o golpe à Sonangol, que levou a família presidencial e seus associados externos a controlar directamente a petrolífera, as operações ficam mais facilitadas. Este golpe vem na sequência de um primeiro em que, por indicação do general Leopoldino Fragoso dos Nascimento, o presidente nomeou o inexperiente jovem Valter Filipe para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola.
Assim, o controlo da economia política do país passou para as mãos discretas do general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que passou a ser – efectivamente e à sombra – a segunda figura mais poderosa do país.
Todavia, os graves problemas de tesouraria da Sonangol e a falta de divisas não poderão sustentar os gastos actuais de importação de combustíveis a médio prazo. Caso as rezas do poder para a subida do preço do petróleo não sejam ouvidas em breve, a crise dos combustíveis será outra realidade.