A empresa nacional de diamantes angolana (Endiama) exige ao Estado português e a duas empresas públicas portuguesas uma indemnização de seis mil milhões de dólares, no diferendo que opõe a concessionária angolana à portuguesa SPE.
E m causa, segundo um documento da empresa, está a queixa formalizada este mês pela concessionária da actividade diamantífera em Angola junto do Tribunal Provincial de Luanda, responsabilizando a estatal Sociedade Portuguesa de Empreendimentos (SPE) pela falência técnica e financeira da Sociedade Mineira do Lucapa, exigindo ser ressarcida dos danos.
Fonte oficial da administração da Endiama limitou-se a confirmar que “há um pedido indemnização”, sem avançar com mais pormenores, alegando que o processo está a correr nos tribunais.
Além do Estado português (por tutelar a empresa) e da SPE, também a Parpública (detém 81 por cento do capital social da SPE) é alvo do pedido de indemnização, equivalente a 5,2 mil milhões de euros, alegando a Endiama que não foram mobilizados os investimentos necessários para o projecto daquela exploração diamantífera, nem disponibilizados conhecimentos e tecnologia, a formação de quadros angolanos no âmbito da parceria ou indemnizados os cerca de 1.200 trabalhadores (à data de 2011) da mina.
Na origem deste caso está o litígio anterior que opõe a SPE à Endiama, por esta ter avançado em Novembro de 2011 com o encerramento da exploração diamantífera do Lucapa, alegando incumprimento contratual da empresa portuguesa, que então detinha 49% da sociedade que explora a mina.
Os restantes 51% pertencem à Endiama, que, a 06 de Dezembro de 2011, anunciou a passagem dos direitos de exploração anteriormente atribuídos à SPE à Sociedade Mineira Kassypal, uma unidade da “holding” angolana Grupo António Mosquito.
A SPE avançou para os tribunais, contestando a revogação da licença de exploração que a tornava parceira da Endiama, mas em Setembro do ano passado o ministro da Geologia e Minas de Angola, Francisco Queiroz, mostrou-se convicto da resolução extrajudicial deste conflito.
“O sentimento que tenho neste momento é que isso vai acabar na mesa das negociações”, disse o ministro, em entrevista exclusiva à agência Lusa, em Luanda.
No processo agora movido contra a SPE – que coloca as duas empresas públicas com acções judiciais e pedidos de indemnização sobre a mesma matéria -, a Endiama refere que foi a parte portuguesa que levou à paralisação da Sociedade Mineira de Lucapa, pela falta de investimento, vivendo então (até 2011) greves constantes, operando com equipamentos obsoletos, esgotando as reservas de diamantes e dívidas a rondar os 90 milhões de dólares.
“Processo com o Estado é melhor negociar. Porque o Estado é perene, está aqui para sempre. E os investidores precisam do Estado, não vale a pena criar clivagens, criar conflitos e hostilizar o Estado, onde se tem necessidade de investir”, afirmou, na referida entrevista o ministro Francisco Queiroz.
Recorde-se, entretanto, que a Endiama desvaloriza as críticas feitas ao projectado e ao gasto de 70 milhões de dólares para a construção de um Museu do Diamante em Luanda. A obra foi anunciada pelo presidente do Conselho de Administração da empresa, Carlos Sumbula. E faz bem em desvalorizar. Quem julgam que são os angolanos pobres, mais de 60%, para criticar tão módico investimento?
A construção e montagem do Museu do Diamante é um projecto para executar em três anos e, segundo Carlos Sumbula, inclui a edificação de um prédio envolvente, com sete andares, para rentabilizar o Museu, a instalar no antigo Palácio de Ferro, na baixa de Luanda.
As críticas ao projecto surgiram de sectores ligados à luta pela autonomia das Lundas, que questionam a validade do gasto anunciado, antes preferindo a aplicação da verba na melhoria das condições de vida das populações daquelas duas províncias angolanas, Lunda Norte e Sul.
Isso de investir na melhoria das condições de vida das populações são delírios de quem, apesar de todos estes anos de regime do MPLA, ainda não percebeu que Angola não é um Estado de Direito. A velha teoria de que, como dizia Agostinho Neto, o importante era resolver os problemas do Povo, já não existe. Como também já morreu a tese de que políticos que não vivam para servir não servem para viver.
De acordo com uma fonte da empresa, além de constituir um compromisso da Endiama, o projecto imobiliário a erguer na zona de edificação do futuro museu “providenciará receitas que cobrirão parte dos custos”. “Por outro lado, a Endiama está já comprometida com acções de responsabilidade social na Lunda Sul, na construção em Saurimo (capital provincial) de 4 mil casas”, disse essa mesma fonte, acrescentando que se vai iniciar a negociação com o governo provincial da Luanda Norte a construção, nos municípios do Lucapa e Cuango, de outros projectos de habitação, embora de menor dimensão relativamente ao que está em curso em Saurimo. Como sempre, enquanto não morrer de fome, o Povo vai esperar sentado por esses projectos de habitação.
Aquando do anúncio da construção do Museu do Diamante, Carlos Sumbula salientou que se pretende montar uma instituição que ajude a contar a história da formação dos diamantes dentro dos quimberlitos.
Angola é, actualmente, o quinto maior produtor mundial de diamantes mas, como em muitas outras áreas económicas, as pedras preciosas não têm gerado benefícios para as comunidades locais, nas províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul, que são as principais áreas de extracção de diamantes do país.
Como é do conhecimento geral, mau grado as tentativas de silenciamento, o governo e empresas mineiras que lhes são afectas sujeitam as populações a um permanente cativeiro e exclusão social e económica. As Lundas são, aliás, as regiões onde mais se registam violações sistemáticas de direitos humanos, incluindo crimes de extorsão, roubo, tortura e até assassinato.
Envolvidos nestes crimes, que tem revelado também Rafael Marques, “estão as Forças Armadas Angolanas e empresas privadas de segurança ao serviço das companhias diamantíferas, detidas por vários generais e membros do círculo privilegiado do presidente José Eduardo dos Santos.”
Do ponto de vista internacional, que assenta os seus critérios apenas e só em razões macro-económicas, a esmagadora maioria dos países pactua com o sistema ao legitimar o processo de certificação de diamantes das Lundas que são, de facto, diamantes de sangue.
“Nas Lundas, parte considerável da produção de diamantes é feita por garimpeiros, através da mineração artesanal, nas margens e leitos de rios e em antigas áreas de produção industrial. Apesar dos enormes lucros da indústria diamantífera em Angola (o país produziu mais de mil milhões de dólares de diamantes em 2011), apenas foram atribuídas pouco mais de 400 senhas mineiras que permitem o exercício legal do garimpo. Para além do número irrisório de senhas, em Cafunfo, a principal localidade de garimpo em Angola, não se conhecem publicamente famílias ou indivíduos a quem tenham sido atribuídas senhas”, relatou em tempos o site Maka Angola.
Por isso se reitera a pergunta de Rafael Marques: Como pode tamanho volume de produção ser sustentado por tão insignificante número de garimpeiros autorizados? A resposta a esta pergunta explica a economia da violência que se pratica nas Lundas e da qual beneficiam os intermediários envolvidos e, em última instância, as empresas diamantíferas angolanas.
As áreas diamantíferas das Lundas foram violentamente contestadas durante a guerra civil. Nos anos 90, os diamantes provenientes das Lundas eram uma importante fonte de receitas para o então movimento rebelde da UNITA.
Com o fim da guerra, em 2002, o governo tem distribuído concessões diamantíferas, como espólio da guerra, a empresas privadas pertencentes à alta hierarquia militar e outras individualidades privilegiadas do regime. “As concessionárias são autorizadas a exercer o controlo arbitrário de todas as actividades económicas, incluindo a circulação de pessoas e bens, nas áreas sob seu controlo. Essa prática tem destruído a capacidade de subsistência das comunidades locais, quer pela via do garimpo quer através da agricultura, sem que lhes sejam proporcionadas outras alternativas”, conta Rafael Marques.
Com a prospecção de diamantes em situação ilegal, os garimpeiros ficam à mercê dos soldados das Forças Armadas Angolanas e dos guardas das empresas privadas de segurança ao serviço das companhias diamantíferas. Os garimpeiros ficam também sem qualquer protecção legal, no momento da venda de diamantes, cabendo aos compradores licenciados pelo governo determinar os preços de forma arbitrária.
“A dramática situação das populações locais nas Lundas é tanto mais grave porquanto os crimes ali cometidos implicam algumas das principais figuras militares do país. Vários generais e figuras do círculo presidencial são sócios da empresa mineira angolana Lumanhe. Com a operadora ITM-Mining, registada nas Bermudas, e a Endiama, as três formam o consórcio da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), uma das empresas diamantíferas em cuja área de concessão os crimes relatados têm ocorrido”, lê-se no Maka Angola que, aliás, explica quem são os sócios da Lumanhe: o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República, de quem é muito próximo, bem como três ex-Chefes do Estado-Maior General das FAA.
As manobras obscuras do comércio de diamantes de Angola custaram cerca de 3,5 mil milhões de dólares aos angolanos, segundo um artigo da revista académica World Policy Journal.
A revista expôs as manobras do regime angolano para exportação de diamantes do país, beneficiando a sua elite política e prejudicando o povo angolano em cerca de 3,5 mil milhões de dólares só entre 2001 e 2008. Depois desta data as manobras continuaram, embora com um maior grau de sofisticação.
O caso descobriu-se devido a uma investigação feita pelas autoridades belgas por evasão fiscal das empresas sediadas na Bélgica. Como resultado dessa investigação, a Ómega Diamonds foi multada em 195 milhões de dólares, a maior multa de sempre da história do país.
O regime angolano, através da ASCORP, uma empresa detida maioritariamente pela Endiama, e detida minoritariamente por Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, vende os diamantes abaixo do seu valor comercial em cerca de 30 a 50% a uma outra empresa Tulip FZE, com sede no Dubai, segundo o artigo.
“O que eles basicamente estão a fazer é explorar uma falha fundamental do processo de certificação Kimberley que permite a países não produtores de diamantes também emitir certificados de origem Kimberley”, explica John Gobler, um dos autores do artigo.
Gobler conta os detalhes do esquema: “O que acontece é que eles compram as parcelas, desvalorizam-nas entre 30 a 50% e depois enviam-nas com certificados Kimberley para o Dubai. Lá eles basicamente dividem e reenviam para Antuérpia.”
Essa empresa, por sua vez, muda as parcelas de diamantes e dá-lhes um novo certificado, de origem mista ou desconhecida, retirando Angola como o país de origem e aumenta o seu preço na percentagem desvalorizada de 30-50%.
Assim, as empresas conseguem aproveitar-se do facto do processo Kimberley permitir a países não produtores emitir certificados de origem e exploram o processo de certificação para sobrevalorizar os diamantes, escondendo a sua verdadeira origem, conta John Grobler:
“No fundo, é um processo de papel. São basicamente as mesmas pessoas, é efectivamente uma empresa. Eles desvalorizam a mercadoria que sai de Angola e da República Democrática do Congo e no Dubai reembalam os diamantes. O que acontece é que o lucro é feito no Dubai”, conta.
E neste caso o autor também explica como tudo acontece: “Por exemplo eles venderam um diamante a eles próprios valorizando a 500 dólares por quilate, mas na verdade vale 800 dólares por quilate. Eles importam a 500 dólares ou menos de Angola, no Dubai reembalam e exportam pelo seu valor real. Voltam a mandar para eles próprios mas o lucro é feito no Dubai porque não há imposto no lucro e podem escondê-lo como quiserem.”
A partir do Dubai, os diamantes são exportados para venda em Antuérpia, na Bélgica, no mercado livre, onde são vendidos a um maior preço do que originalmente foram vendidos em Angola.
No entanto os lucros do aumento de preço da venda voltam para o Dubai, onde não se pagam impostos e daí desaparecem. Deste modo, o país árabe serve para se fazer lavagem das pedras preciosas e do dinheiro. Grobler explica: “O Dubai claro que torna tudo muito fácil: se realmente precisar de esconder alguma coisa, eles criam um labirinto de papel a pedido do cliente – tudo o que este tem de fazer é estar disposto a pagar um honorário”.
Esta teia complexa e estas empresas em vários países são detidas pelas mesmas pessoas e concentram-se todas no grupo Omega Diamonds. Segundo John Grobler, todas elas têm as marcas da filha do Presidente angolano, Isabel dos Santos: “Têm as marcas inconfundíveis da família dos Santos em todas estas empresas que estão envolvidas neste mega negócio de diamantes. Na empresa que que foi criada inicialmente, quem eram os directores, como os direitos foram passados a outra empresa baseada em Gibraltar que estava ligada a Isabel dos Santos e por aí em diante.”
O autor vai mais longe e afirma: “Isabel dos Santos está intimamente ligada a esta cadeia de diamantes que saem de Angola e da República Democrática do Congo e são limpos no Dubai, não há dúvidas.”
O esquema terá começado durante a guerra civil, como método de financiar a tecnologia e empresas que ajudaram o MPLA, o partido no poder em Angola, durante o final da guerra civil angolana.
Em resposta às condenações da ONU e da comunidade internacionais pelo uso de diamantes de sangue, foi iniciado o processo Kimberley em 2003 pela maior empresa de diamantes do mundo, a De Beers.
O processo serviu para impedir que os chamados diamantes de sangue, usados por líderes de conflitos armados e guerrilhas, como Angola e Zimbabwe, para se financiarem através do total abuso de direitos humanos, não fossem vendidos comercialmente.
No entanto, o processo tem sido criticado por instituições internacionais, uma vez que a sua definição de diamantes de sangue exclui qualquer uso incorrecto das pedras preciosas por Governos considerados legítimos, mesmo que corruptos.
Assim, os diamantes angolanos são considerados livres de conflito e portanto não sofrem qualquer diferenciação de diamantes extraídos no Canadá ou África do Sul, por exemplo.