A Fundação Sindika Dokolo quer apoiar, no âmbito de um contrato de mecenato, o Fórum do Futuro e o programa de arte pública da Câmara Municipal do Porto (Portugal), num total de 120 mil euros.
D e acordo com a proposta feita pelo pelouro da Cultura da autarquia, que vai a reunião de Executivo na próxima terça-feira, “a Fundação Sindika Dokolo quer dar continuidade à missão sociocultural que tem vindo a desenvolver na cidade do Porto, associando-se ao município na promoção” das duas iniciativas, repartindo-se em 70 mil euros para o Fórum do Futuro e 50 mil para o programa de arte pública.
A Fundação Sindika Dokolo, dirigida pelo coleccionador de arte com o mesmo nome, a quem foi atribuída uma medalha de mérito pela Câmara Municipal do Porto este ano, iniciou a parceria com a autarquia com a exposição “You Love Me, You Love Me Not — Arte contemporânea na coleção Sindika Dokolo”, inaugurada na Galeria Municipal Almeida Garrett em Março.
O contrato proposto, que inclui uma cláusula de confidencialidade, prevê que a Fundação Sindika Dokolo adquira, assim, “o estatuto de mecenas quer na actividade do Fórum do Futuro, quer no Programa de Arte Pública”, sem que haja contrapartidas da parte do município.
O Fórum do Futuro vai ter este ano a segunda edição e é, segundo a descrição da autarquia, “um festival que inscreve o Porto no mapa internacional de divulgação do pensamento contemporâneo e que o transforma, durante uma semana, naquele que poderá ser o principal ponto de encontro e de discussão sobre o Futuro”.
A Câmara Municipal do Porto lançou o programa de arte pública, que tem por objectivo “aumentar ainda mais” a riqueza da arte pública na cidade, “valorizando não só o Centro Histórico do Porto, mas todo o seu território, dotando a cidade de um grande museu de arte contemporânea ao ar livre”.
Em Junho, o vice-presidente da Fundação Sindika Dokolo, Fernando Alvim, disse que pretendiam “levar o Porto para algumas aventuras, nomeadamente no continente africano”, realçando a importância de trabalhos a ocorrer em São Tomé e Príncipe, a presença portuense na Trienal de Arte de Luanda ou a criação de um festival subordinado à temática do “Atlântico”, que ligue, através da música, diversas cidades mundiais.
Fernando Alvim disse ainda que estava encaminhada a extensão da Bienal de Poesia de Luanda no Porto.
Recorde-se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito. Só faltará dar o nome de José Eduardo dos Santos (sogro de Sindika Dokolo) ao Estádio do Futebol Clube do Porto. Aliás, há muita boa gente a sugerir também que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos Santos…
Na altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a medalha de Mérito Grau Ouro ao coleccionador de arte casado com a nossa rainha santa Isabel (dos Santos).
Numa atitude de gato escondido com rabo de fora, a vereadora do PS votou favoravelmente esta proposta mas – repare-se – tem “dúvidas se será suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu património”.
“Existe um regulamento para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláveis benefícios para a cidade. Precisaríamos de mais benefícios para a cidade e para a população para lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista.
Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser genro do presidente no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?
Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto laudatório, bajulador e servil da autarquia.
“Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do mundo da arte”, acrescenta o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto.
A justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos, para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repita-se – a de ir patrocinar a apresentação da exposição “You Love me, You love me not”.
Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo, permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte singular entre a cidade e o mundo”.
Por este andar não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola não é.
Nos negócios, faceta que é muito cara a Rui Moreira, o marido de Isabel dos Santos tem sucesso, mesmo quando as transacções são opacas. Em 2014, a revista Forbes revelou que Isabel dos Santos, através de Sindika Dokolo, em parceria com o Estado angolano, adquirira a joalharia suíça De Grisogono, uma marca conhecida por ter como clientes grandes estrelas mundiais do cinema e da moda, como Sharon Stone e Heidi Klum, num negócio pouco claro, que permitiria a canalização dos diamantes angolanos para aquela joalharia.
Em Novembro de 2013, Rafael Marques, em entrevista à Deutsche Welle, explicou que “este negócio não envolveu um centavo da família presidencial, é em troca de diamantes angolanos”, frisando que “temos aqui um processo em que os diamantes angolanos estão a beneficiar directamente a família presidencial e não os cofres do Estado”.
É caro que, como diz Rafael Marques, “a elite angolana, para saquear o país à vontade, precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a forma que encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola”.
E do ponto de vista da Câmara Municipal do Porto, o importante não são os milhões de angolanos que passam fome mas, isso sim, os poucos membros do clã presidencial que têm milhões e que, com isso, tanto compram joalharias, jornais, medalhas ou… lavandarias.