Uma grande maioria dos angolanos, quer continuar ingénua quanto à natureza perversa do regime, que na Constituição textualiza democracia e na prática exerce a ditadura, proibindo e limitando a liberdade de imprensa e de expressão, bem como o direito de reunião e manifestação.
Por William Tonet
D ar o benefício da dúvida a quem de forma recorrente prende inocentes, forjando provas, mata mulheres zungueiras e vendedores ambulantes, cujo crime é o de “vencerem o desemprego”, com dignidade, vendendo nas ruas para alimentar os filhos e marido desmobilizado, ou ainda assassina opositores e jornalistas, como Ricardo de Melo, Nfulumpinga Landu Victor, Alves Kamulingue, Isaías Cassule, Hilbert Ganga, entre outros, é o mesmo que confundir a árvore com a floresta ou transformar, com um toque de mágica, um ditador a democrata do dia para a noite.
Quando vemos Arão Tempo e Mavungo serem presos sem culpa formada ou, ainda, a mais recente pérola do governador provincial de Luanda exigir aos manifestantes, prova de reconhecimento jurídico, não podemos deixar de nos indignar com tamanha boçalidade de adulteração do Direito.
Em democracia participativa, os manifestantes não são ente-jurídicos titulados, pois a sua acção enquadra-se na moldura das liberdades, não só de movimento, como de reunião e expressão, que não carece de reconhecimento notarial.
Se esta é a interpretação do Direito têm razão todos aqueles que se escondem por detrás dos comités de especialidade, da farda ou da bufaria, para o exercício de funções, criando escolas de “subversividade jurídica” onde a norma não reflecte a juridicidade do direito, mas a partidocracia da ideologia, cujos expoentes se confundem com Hermenegildo Cachimbombo, bastonário da Ordem dos Advogados e Adão Adriano António, Procurador-Geral Adjunto das FAA e da República.
Por esta razão, não tenho dúvidas: não haverá manifestação!
O regime não é democrata! É tirano! É ditatorial! E, mais grave, para o nosso futuro colectivo, considera cidadãos de segunda, “os outros”, todos quanto não prestem cega vassalagem ou idolatrem o “líder vitalício”.
O presidente do MPLA disse uma vez, no pedestal da sua visão “concentracionista” de poder que “a democracia nos foi imposta”. Felizmente, no caso vertente, o “NOS”, na frase, tem o sentido de singular: EU; José Eduardo dos Santos, “a democracia me foi imposta”!.
Ora, quem diz isso, no patamar da autoridade que ostenta, não deixa créditos interrogatórios, em mãos alheias, tão pouco confunde a hermenêutica.
E quando assim é temos de reconhecer a honestidade do político, quanto ao quesito democracia e suas práticas, por o exercício da máquina se identificar muito com as do reinado de Luís XIV, que foi o protótipo do conceito de Absolutismo, comandando sem respeito as limitações impostas pela constituição, definindo-se com a famosa expressão: “EU SOU O ESTADO (L’ETAT C’EST MOI)”.
Com a actual Constituição de Angola, não existe enquadramento melhor, pois esta define o sistema de governo, como sendo parlamentar e lucubrações jurídicas o taxam como presidencialista, numa maré absolutista.
O art.º 109.º da CRA de 2010 é claro. Antes de se ser Presidente da República tem, no quadro do princípio de igualdade, art.º 23.º (“Todos são iguais perante a lei e a constituição”), o cidadão de fazer com que a lista do seu partido, consiga votos bastantes dos eleitores, para ganhar o pleito eleitoral.
Aqui chegados e ainda na interpretação do artigo atrás citado, temos um “cidadão-cabeça de lista” eleito deputado e não presidente, tendo, tal como os demais, o dever e obrigatoriedade de tomar posse na Assembleia Nacional, respeitando a legitimação popular, alavancada no art.º 3 da CRA: “a soberania, una e indivisível, pertence ao povo, que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico”.
Quando o ritual de tomada de posse e renúncia, das funções eleitas pelo povo, na Assembleia Nacional, não são cumpridas, para depois se habilitar “interpares”, a uma eleição simbólica, com os votos ou não, das outras bancadas parlamentares, ao cargo de Presidente da República, nominalmente não eleito, estamos diante de uma inconstitucionalidade, passível de impugnação.
Por mais voltas que se queiram dar, a tomada de posse de Eduardo dos Santos e Manuel Vicente foi ilegal e arbitrária, para além de violar o próprio art.º 114.º da CRA, dando interpretação fusca ao n.º 3 de “a eleição para o cargo de Presidente da República é causa justificativa do adiamento da tomada de posse do assento parlamentar”.
Ora, como pode um órgão não democraticamente eleito: Presidente da República, tomar posse primeiro? Não pode! Mas, infelizmente pode em Angola, mas mais grave, depois viola duplamente o mesmo artigo tendo ciência que Eduardo dos Santos é primeiro deputado e não pode por fazer legal, ser ao mesmo tempo Deputado e Presidente da República, funções que exerce em simultâneo e pondo de parte a separação de poderes, instituto nobre em democracia.
Nesta condição, tal como os membros do Executivo são auxiliares, também Fernando da Piedade Dias dos Santos é mero auxiliar, do verdadeiro Presidente da Assembleia Nacional, no mesmo figuro do regime de partido único, onde o Presidente da República Popular de Angola era também Presidente da Assembleia do Povo.
Mais grave é o incumprimento da Constituição por parte do Presidente do Tribunal Constitucional, ao não fazer cumprir, o n.º 3 do art.º 114.º que diz “a eleição para o cargo de Presidente da República é causa justificativa do adiamento da tomada de posse do assento parlamentar”, que deveria então obrigar o cabeça de lista do MPLA a regressar, mesmo que em clara violação a Constituição e a lei a tomar posse como deputado, seguindo-se a renúncia.
Por todas estas violações, não acredito na capacidade de, nos próximos dias, emergir um sentimento de democracia no Presidente José Eduardo dos Santos para que permita a realização da Manifestação contra as ilegalidades da polícia, do SIC e da Procuradoria- da República, bem como o fim da partidarização dos meios de comunicação social do Estado.