Jornalista bom é
jornalista morto

O número de jornalistas alvo de detenções arbitrárias, assassínios extrajudiciais e tortura é uma tendência crescente no mundo: só na última década 700 mortes de profissionais de imprensa foram registadas, alertou hoje a organização não-governamental Repórteres sem Fronteiras.

“A pesar dos esforços, muito mais deveria ser feito para acabar com a impunidade e proteger os jornalistas. Ouvimos diariamente novos casos de jornalistas mortos, isso é extremamente preocupante”, afirmou Delphine Halgand, directora da representação daquela Organização Não-Governamental (ONG) em Washington.

Delphine Halgand defendeu hoje, numa sessão na sede das Nações Unidas, que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, indique um representante especial para dedicar-se ao tema de segurança dos jornalistas.

“Somente um representante especial trabalhando junto com o secretário-geral terá a força política e legitimidade para promover a mudança. Ele terá o papel de monitorar o cumprimento e a implementação da obrigação de proteger por parte do Estados-membros”, disse.

A directora da ONG Repórteres sem Fronteiras criticou ainda que apenas metade dos países onde jornalistas foram mortos recentemente respondeu às solicitações da UNESCO acerca das circunstâncias das mortes destes profissionais.

“Irão, Iraque, Mali e Rússia são alguns dos que não responderam ao pedido da UNESCO. Agora é hora de acção e de uma verdadeira mudança”, reclamou.

Nesta segunda-feira, as Nações Unidas marcaram o dia internacional de combate à impunidade de crimes cometidos contra jornalistas com o lançamento do relatório “Tendências mundiais sobre Liberdade de Expressão e Desenvolvimento dos Meios 2015”, em Paris.

Segundo a UNESCO, em média um jornalista é morto por semana no mundo e menos de 6% do total de 593 assassinatos de jornalistas (2006-2013) foram resolvidos.

Entre 2013 e 2014, 178 profissionais de imprensa foram mortos – 87 em 2014. O ano mais mortal foi 2012, quando 123 casos foram registados.

Segundo o director do Centro Knight para Jornalismo nas Américas na Universidade de Austin, no Texas, o brasileiro Rosenthal Alves, e também presidente de uma rede que reúne todas as cátedras de Comunicação mantida pela Unesco, a maioria das mortes é de profissionais homens.

“Dos 178 assassinatos, 92% são jornalistas homens. As regiões mais perigosas para se trabalhar no mundo hoje são o Médio Oriente e a América Latina”.

O mundo árabe teve 64 profissionais de imprensa mortos entre 2013 e 2014. Já na América Latina, foram 51 casos; na Ásia e Pacífico, 30; e em África, 23.

Já a maioria das mortes ocorreram com profissionais de televisão, com 64, seguido dos profissionais da imprensa escrita e fotógrafos (61) e rádio (50).

Seguindo o responsável pela unidade de Estado de direito no escritório executivo do secretário-geral da ONU, Edric Selous, a imprensa tem um papel importante no cumprimento da agenda de desenvolvimento 2030, especialmente na meta 16 de desenvolvimento sustentável, a fim de promover sociedades pacíficas e inclusivas.

“Para alcançar esta meta, é necessário assegurar as liberdades de expressão e de informação para um diálogo livre que engaje a sociedade. Combater a impunidade e garantir a protecção dos profissionais de imprensa é importante no contexto da nova agenda de desenvolvimento”, destacou Selous.

Na opinião da representante permanente da Lituânia na ONU, a embaixadora Raimonda Murmokaité, o assassínio de jornalistas deve ser considerado um crime de guerra.

“A falta de transparência, em que 95% dos casos saem impunes, é um passe livre para matar jornalistas. E demonstra o quão perigosa é esta profissão, muitos pagam o preço pelo direito que temos de ter acesso à informação”.

Segundo Murmokaité, a comunidade internacional precisa reconhecer os profissionais de imprensa como portadores de um importante papel de prevenção contra acções terroristas e atrocidades em massa.

“Muitos atuam em zonas de conflito sem lei e podem ser alvo de terroristas. Apesar de as mulheres serem a minoria, é preciso considerar a dimensão de género na profissão. Elas estão ainda mais vulneráveis”, destacou.

Foto: Imagem do jornalista moçambicano Carlos Cardoso, assassinado em 22 de Novembro de 2000.

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