José Eduardo dos Santos enfrentou, isto é como quem diz, críticas por não ter decretado um dia de luto e não ter ido às exéquias de Nelson Mandela. Tudo sem razão. Afinal quem era, ou é, Madiba para que o Presidente angolano (paladino das liberdades e da reconciliação) se sentisse na obrigação de estar presente?
Por Orlando Castro
Sim, num continente onde Eduardo dos Santos é o maior, não fazia sentido a sua presença. Reconheça-se também que mandar o Vice-Presidente foi um acto magnânimo que os sul-africanos nunca esquecerão.
A ausência de Eduardo dos Santos, em boa verdade, não espantou. O seu espírito de reconciliação sempre foi bem visível. A partir do momento em que Nelson Mandela recebeu esse temível terrorista, e inimigo público mundial, que dava pelo nome de Jonas Malheiro Savimbi, foi riscado da lista dos grandes estadistas, que é – obviamente – liderada pelo próprio José Eduardo dos Santos.
Diz-se, sem razão porque ele pertence a uma classe divina que não pode ser julgada pelos simples mortais, que o Presidente José Eduardo dos Santos foi criticado até no seio do seu próprio partido. Nada mais injusto. O MPLA deve-lhe tudo que é e o que será. Deveria, inclusive, reconhecer e louvar o facto de o seu Presidente não se misturar com a escumalha mundial. Excluindo o Presidente e líder supremo da Coreia do Norte, Kim Jong-un, não se vislumbra quem chegue aos calcanhares de Dos Santos.
O mundo sabe, e por inerência também o MPLA, que Nelson Mandela não foi o ícone da luta contra o “apartheid” na África do Sul, nem o paradigma das liberdades e da reconciliação. Esse é um atributo, entre muitos outros, exclusivo de Eduardo dos Santos.
Espantaram-se os observadores que José Eduardo dos Santos nada tivesse dito sobre o legado deixado por Madiba. Santa ignorância. A ter de falar de legado falaria do seu, ou não fosse ele o líder histórico que, para além de um ambicioso programa de reconstrução nacional”, sendo que (citemos o Jornal de Angola) a “sua acção ter conduzido à destruição do regime de “apartheid”, teve “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, e “a sua influência na região do Golfo da Guiné permitiu equilíbrios políticos, tal como permitiu avanços significativos na crise de Madagáscar”.
Na verdade, sejamos francos, Eduardo dos Santos nada tem a aprender com Mandela. O contrário é que teria feito sentido. A reconciliação encetada por Madiba é algo de arcaico que nunca fez sentido. Modernamente, reconciliar significa prender, torturar e assassinar. Significa estar no poder dezenas de anos sem nunca ter sido eleito (ainda hoje não o foi nominalmente), significa ter pelo menos duas espécies de cidadãos, os de primeira (afectos ao regime) e os outros, escravos ao serviço de sua majestade.
Para Eduardo dos Santos existem valores muito mais relevantes. Comparar Nelson Mandela a Eduardo dos Santos é o mesmo que dizer que os rios nascem no mar. Todos, ou quase, sabemos que não é assim. Mas se, um dia, o “escolhido de Deus” assim quiser, um dia isso vai acontecer.
Ao contrário de Mandela, como dirão as páginas da biografia do Presidente, “José Eduardo dos Santos não governa há trinta e tal anos. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos”.
“José Eduardo dos Santos foi o líder militar que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado. José Eduardo dos Santos só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos”, recorda também o Pravda.
Não foi graças a Mandela que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar. Foi, isso sim, graças a José Eduardo dos Santos.