LEI DOS CRIMES DE VANDALISMO É MASOQUISTA, INQUISITORIAL E ANTI-DEMOCRÁTICA

O corvo voa alto e sempre disputa com a águia quem domina os ares. Ele (corvo) usando a força consegue, em pleno voo, atacar a águia. Esta, reagindo em sentido contrário, utiliza a inteligência e sobe mais alto, sufocando o corvo que, fragilizado e sem poder respirar, tomba. Esta é uma das regras que diferentes povos utilizam para combater leis injustas e ditaduras. Diante de tanta boçalidade jurídica e analfabetismo ideológico, pergunto: qual a finalidade e importância da Constituição e das leis, para o MPLA e seu grupo parlamentar?

Por William Tonet

Todo o ser humano, com higiene intelectual sabe estar a Constituição no topo da pirâmide, secundada pelas leis, enquanto instrumentos de um Estado de Direito e Democrático, caboucados em pilares jurídico-constitucionais democráticos. O inverso é ditadura!

Mahatma Gandhi dizia: “Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo”.

A actual Lei dos Crimes contra a vandalização de bens públicos é uma injusta monstruosidade, compaginável, apenas na geografia mental de quem acredita ser a terra plana.

O eminente professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de Campos, Brasil e juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, tem uma citação que “mutatis mutandis” poderia ser no caso desta lei ser adaptada: “Pergunto aos juízes do meu País: o que faríeis perante uma lei que, invocando supostas razões de Estado, instituísse a prostituição? Eu procederia exactamente como vós. Se fosse juiz, recusar-me-ia também, apoiado na Constituição, a colaborar em tão monstruosa iniquidade.”

Penso precisamente da mesma forma. Para o actual regime angolano, a única situação que conta são a institucionalização de uma política de terror e medo, suportado por um conjunto de leis hediondas e truncadas para a manutenção de um poder de pendor ditatorial, que ainda permite, no texto da Constituição, a palavra democracia.

Quando se começou a falar sobre o ante-projecto desta lei, sempre refutei da sua inutilidade, por os crimes previstos, terem já, alojamento, no actual Código Penal. Ora, a confusão de conceitos tem objectivos mórbidos, ante a “jus-partidocracia”, visão de uma minoria, que fraudou a norma jurídica, misturando vários ilícitos (furtar; roubar; vandalizar) e direitos, numa lei, visando restringir, movimentos de uma maioria, que, num dado momento, ouse homenagear as liberdades, recorrendo ao direito de reunião e manifestação, consagrado no art.º 47.º da Constituição de Angola.

O verdadeiro objectivo desta lei é criar mais um pilar, para blindar a manutenção no poder de um regime, que se esconde numa pseudo democracia, através de actos ditatorialmente consagrados, em lei. Isso, sim, é vandalismo parlamentar! É uma lei vândala!

Porquanto, o objecto e alcance da presente lei, proposta pelo Presidente da República e adoptada pela bancada maioritária do MPLA, não é punir, quem cometa actos contrários à lei, mas quem, ingenuamente, acredita, ser Angola um Estado de Direito e Democrático e ouse manifestar-se pacificamente e sem armas, reivindicando direitos ou denunciando violações de direitos fundamentais.

Não é possível acreditar ou é grave admiti-lo, que uma bancada parlamentar de 124 deputados, que se arroga ter os melhores juristas do país, não saiba distinguir e confundir conceitos primários de direito, como; roubar, furtar, vandalizar.

Pese a ténue fronteira, eles se distinguem e, cada um, empresta objecto diferente à norma jurídica e lei punitiva. FURTO: acto subtil de subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, levada sem qualquer tipo de agressão ou hostilidade. Código Penal (CP), artigos 392.º e (no que se esconde na Lei de vandalização) no 397.º (furto de energia, água e outros fluídos).

ROUBO: acto de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Artigos 401.º e 402.º, CP.

VANDALISMO: acto voluntário do agente destruir ou danificar património público ou privado de forma intencional, regra geral, com o propósito de causar ruína, destruição ou comoção. No Código Penal quem dá latitude a este acto criminoso é o art.º 290.º.

Com base nos preceitos discriminados, nos crimes de furto e roubo, o agente age com premeditação e dolo, visando, regra geral, obter uma vantagem financeira, em dinheiro ou espécie com a venda do produto.

Na vandalização isso não ocorre, pois o agente não pretende a obtenção de qualquer lucro, mas a simples destruição patrimonial do bem móvel, por motivação política, contestatária ou revolucionária”.

Daqui se pode inferir, não ter o legislador agido bem, porquanto as leis, num Estado de Direito e Democrático (que infelizmente, Angola ainda não é, no seu “modus operandi”) visam o consolidar de normas jurídicas democráticas.

E a actual Lei de Vandalismo aprovada com votos maioritários do MPLA e abstenção da UNITA é, a todos os títulos, inquisitorial e dantesca, por visar assassinar, direitos fundamentais, como o de reunião, manifestação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

Só assim se entende que a moldura penal adoptada (pelo MPLA), de 25 anos de prisão maior, supere a pirâmide das penas do Código Penal, sendo do ponto de vista jurídico, escandalosa, masoquista ao superar os três maiores crimes penais, em Angola e no mundo: homicídio qualificado; peculato e corrupção.

É uma verdadeira heresia jurídica condenar um agente que tenha praticado um crime (não se lhe contorna), mas que é e pode ser de natureza reparável, como o furto e roubo, com a pena máxima. Na prática supera um homicida que assassina 12 cidadãos e tem uma pena de 25 anos e quem rouba um cabo de alta tensão, capaz de o pagar, tenha a mesma pena.

Mais grave ainda se torna, quando o agente, alega, justificadamente, o cometimento do ilícito por estar desempregado e, sequer ter cometido o crime de latrocínio (roubo com violência seguido de morte da pessoa roubada).

Ademais, roubar uma tampa de esgoto ou um autocarro público, que, reconheça-se, possa vir a prejudicar uma comunidade e o agente justifique, provando além de desemprego, ter família numerosa, a viver em extrema pobreza e que não come há mais de 8 dias, ou ainda outro, que desvie uma conduta de água, por esta passar na sua comunidade, que está carente do precioso líquido. Estes, são crimes de roubo e furto, não podendo ser considerados como actos e crimes de vandalização.

A lei aprovada pela Assembleia Nacional no art.º 5.º diz o seguinte:

      1. Aquele que individual ou colectivamente financiar ou impulsionar actividade de vandalismo de bens públicos ou serviços públicos é punido com pena de prisão de 10 a 15 anos.

      2. Se, no caso previsto do número anterior tratar-se de infra-estruturas ou meios de transportes rodoviários e náuticos públicos a pena é de 20 a 25 anos de prisão.

Mais, o caso do n.º 2 do art.º 5.º da Lei de Crimes de Vandalização, não havia um vazio legal, pois ele está consagrado no art.º 389.º (Destruição de navios, aeronaves ou outros transportes civis), com pena de prisão de 2 a 10 anos, no Código Penal vigente.

É preciso que os legisladores, mesmo que blindadamente partidocratas, tenham princípios republicanos e coloquem o país, em primeiro lugar, entendendo que as leis devem ter carácter geral e abstracto e não visar opositores e jovens activistas, como é o caso de Adolfo Campos, Tanaice Neutro, Gildo das Ruas e Pensador, selvaticamente presos e condenados, por apenas terem pretendido realizar uma manifestação, que sequer se realizou, no 16 de Outubro de 2023, em solidariedade aos moto-taxistas…

Havendo o que configuro não uma CCP (Cadeia de Custódia de Provas), mas uma “CCL” (Cadeia de Custódia de Leis), arguir o vazio legal, criando a actual Lei dos Crimes de Vandalização de Bens Públicos (do MPLA) é, clara e descaradamente, assumir a paternidade de um hino assassino das liberdades de imprensa, expressão e de manifestação.

Ela está na linha da visão neoliberal de haver necessidade de precaver, manifestações contra a escravatura laboral de autóctones angolanos, nos grandes projectos dos especuladores estrangeiros; chineses, fundamentalistas islâmicos, europeus e americanos, apoiados pelo FMI e Banco Mundial.

As manifestações das populações do Namibe, contra a exploração de petróleo, em “off shore”, das Lundas contra a islamização da região e extrema pobreza, de Cabinda e Zaire, contra o derramamento de petróleo no mar, desastre ambiental de extrema gravidade, que destrói a flora marítima e a saúde humana, contestação contra as injustiças, fome, miséria e até as greves, através de elucubrações jurídicas serão enquadradas nesta lei vândala.

É preciso denunciar em todas as instâncias jurídicas nacionais e internacionais esta macabra lei, cujos fins são inconfessos.

Artigos Relacionados

Leave a Comment