De joelhos perante o dono

O empenho do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, há 38 anos no poder, na resolução dos problemas sociais do povo e o posicionamento de Angola no contexto das nações, foram hoje, terça-feira, enaltecidos, em Luanda. A bajulação continua acelerada e é mesmo patológica segundo parâmetros democráticos. No entanto, quando se fala de uma ditadura, é simplesmente uma questão de sobrevivência.

Por Óscar Cabinda

O elogio, mais um entre uma enciclopédia de outros, foi feito pelo secretário de Estado para os Recursos Materiais e Infra-estruturas do Ministério da Defesa, Salviano de Jesus Serqueira, em representação do titular da pasta, João Lourenço, nas jornadas de homenagem ao 75º aniversário do presidente da República, Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante-em-Chefe da FAA, pai da mulher mais rica de África, o “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos, que se assinala a 28 de Agosto.

Explicou o sipaio que o presidente José Eduardo dos Santos “é um líder que nunca vacilou na defesa e preservação da independência nacional e da identidade territorial, na instauração da democracia multipartidária e no normal funcionamento das instituições democráticas, na construção e reconciliação nacional, merecendo o título de arquitecto da paz”.

Trata-se de uma subserviência canina que, para além de se basear num refastelado monturo de aldrabices, mostra um culto ao chefe que se não ultrapassa pelo menos iguala o que se passa com Kim Jong-un. Sabemos que não é novidade, mas bem poderiam deixar Eduardo dos Santos em paz, já bastando as louvaminhas servis e acéfalas com que foi brindado ao longo de 38 anos.

Na qualidade de Comandante-em-Chefe, disse o autómato que coadjuva João Lourenço, “sempre se preocupou com a organização e a operacionalidade das tropas, com destaque para a disciplina”.

Neste contexto, o secretário de Estado recordou a visão estratégica do Comandante-em-Chefe, na “manutenção e controlo do território nacional, com maior realce nas províncias fronteiriças, onde se destaca a sua acção directa no comando das tropas angolanas, nas sucessivas acções tácticas armadas nas zonas do Cuito Cuanavale”. É obra. Com um pequeno jeito, o sipaio Salviano ainda vai a tempo de dizer que as tropas aliadas que derrotaram Hitler foram comandadas por José Eduardo dos Santos.

Salviano de Jesus Serqueira Lembrou que José Eduardo dos Santos desde jovem dedicou-se a luta de libertação nacional, primeiro em Luanda e depois no exterior.

De facto, justiça seja feita, o “querido líder”, o “escolhido de Deus”, o mais alto representante de Deus na terra, José Eduardo dos Santos, tem outros feitos que importa realçar e, sobretudo, nunca esquecer. No seu reino, em Março de 2016, morreram por dia no Hospital Pediátrico de Luanda mais de 20 crianças. Na morgue não havia espaço para mais corpos. Os que chegavam eram posto em cima dos outros!

É por estas e por outras que o mundo não só se rende como se curva perante uma tal envergadura de estadista. A Coreia do Norte, por exemplo, prepara-se para instituir o dia 28 de Agosto como “Dia Internacional Eduardo dos Santos”. Homenagens similares estão previstas para as maiores democracias do mundo, começando no Zimbabué, passando pela Arábia Saudita, China, Cuba, Irão e Guiné Equatorial e terminando na Síria. Até mesmo o Estado Islâmico deve aderir.

O Financial Times, jornal que é um pigmeu do jornalismo se comparado com o Jornal de Angola, explicou na altura as razões que justificam que Eduardo dos Santos seja o paradigma dos paradigmas da política internacional. Nunca é demais relembrá-las, numa humilde contribuição da nossa parte enaltecer o seu papel na nossa história:

1 – Angola é uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes são uma elite indiferente ao resto da população. É por isso que, como escreveu Ricardo Soares de Oliveira no livro “Magnificent and Beggar Land: Angola Since the Civil War”, o Ocidente adora um cleptocrata.

2 – Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta. Os oligarcas deixam gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto uma em cada seis crianças angolanas morrem antes de terem cinco anos.

3 – Esta pequena, mas poderosa, cleptocracia é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental, sendo os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios do clã Eduardo dos Santos.

4 – Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc..

5 – A clique dirigente consiste largamente numas poucas famílias de raça mista da capital, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo para os educar.

6 – Por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa que não se preocupa com as consequências da sua gestão. Por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada.

7 – Os membros do clã Eduardo dos Santos fazem luxuosas viagens à Europa e passeios entre capitais europeias recorrendo aos seus aviões privados ou iates.

8 – O dinheiro dos governantes e o dinheiro do Estado é a mesma coisa. Todo ele é roubado ao Povo. Mas como o dinheiro não fala, empilham-no nos bancos da Europa (e não só) e gastam-no como lhes dá na real gana: compram quadros, cirurgias plásticas, casas de praia e empresas.

9 – O perfil do cliente de elite angolano, em Portugal por exemplo, que representa mais de 40% do mercado de luxo português, revela que se trata sobretudo de homens, empresários do ramo da construção, ex-generais ou com ligações ao governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex. Do outro lado estão 70% de angolanos. O seu perfil é: pé descalço, barriga vazia, (sobre)vivem nos bairros de lata.

10 – Esses angolanos de primeira não olham a preços. Procuram qualidade e peças com o logo visível. É comum uma loja de luxo facturar, numa só venda, entre 150 e 300 mil euros, pagos por transferência bancária ou cartão de crédito.

11 – Por outro lado, no país dos angolanos de segunda, 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica e uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

12 – Na joalharia de luxo, os angolanos de primeira (todos afectos ao regime) também se destacam, tanto pelo valor dos artigos que compram como pela facilidade com que os pagam. Chaumet, Dior e H. Stern? Sim, pois claro. O preço não é problema. Quanto mais caro melhor. Comprar uma pulseira por 200 mil euros é como comer um pires de tremoços.

13 – Em Angola o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

14 – Refeições? Que tal trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005?

15 – Quanto ao Povo, a ementa dessa subespécie é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem.

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