Um retrato do presidente Dos Santos

Um retrato do presidente Dos Santos - Folha 8

Para bem compreender o que se passa em Angola é indispensável conhecer a trajectória da família presidencial. A esse respeito fiz pesquisas a partir de várias fontes, mas com especial relevo para um apanhado (colagem) de dados e considerações tecidas pelo jornalista Luís Leiria do Esquerda.net.

Por António Setas

O patriarca dessa família chama-se José Eduardo dos Santos e é presidente da República de Angola desde Setembro de 1979 sem nunca ter sido eleito pelo povo. A sua trajectória é exemplar no que diz respeito à sua visão do que é o Estado, ou melhor, do que ´o Principado tal e qual como ele era entendido pelo genial Nicolau Maquiavel´.

O dia crucial da sua vida

Luanda, dia 20 de Setembro de 1979. Alguns dias depois da morte de Agostinho Neto, primeiro presidente não eleito de Angola, no decorrer duma operação ao fígado em Moscovo, José Eduardo dos Santos foi, surpreendentemente, cooptado pelas instâncias superiores do MPLA para presidente da República de Angola.

E é aqui que começa a sua história, ou melhor, esse é o dia em que José Eduardo dos Santos entra pela porta grande para a História.

A sua fulgurante e inesperada ascensão ao topo da hierarquia deve-se a uma sábia decisão para evitar lutas intestinas entre os maiorais do MPLA, tal como refere o jornalista Luís Leiria (LL) na notável sinopse de um artigo seu publicado no website Esquerda.net.

«Chegou ao poder porque era, dos presidenciáveis, o mais fraco. Nos primeiros anos do seu mandato não “mexeu uma palha, mas demonstrou capacidade de adaptação suficiente para sobreviver à queda do Muro de Berlim, abraçar o capitalismo e ainda enriquecer, ele e a sua família (…) Hoje, é o 2º presidente da República há mais tempo no cargo em todo o planeta. Com 36 anos no poder, só perde, por pouco mais de um mês, para Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial.

Nunca foi eleito para o cargo. Seja qual for o ponto de vista pelo qual se olhe para o seu regime, é difícil não ver a marca indelével de uma ditadura. Mas o mundo prefere fingir que não vê. Principalmente desde que este regime está sentado e assente sobre um grande número de poços de petróleo e de minas de diamantes».

Eleições, “business” e guerra

Em 1992 foram realizadas, depois de assinados à pressa e em cima dos joelhos os acordos de Bicesse, as primeiras eleições presidenciais de Angola. JES chegou à frente na primeira volta com 49,57% dos votos, contra 40,6% de Jonas Savimbi (JS) Mas, pela lei eleitoral previamente acordada, para ser eleito o candidato vencedor teria de obter mais de 50% dos votos, o que obrigava à realização de uma segunda volta.

Esta, porém, nunca chegou a ocorrer, o MPLA, posto em face da posição radical, negativa e agressiva do seu rival, Jonas Savimbi, aproveitou a presença em Luanda de parte da liderança da UNITA para desencadear um massacre que trouxe de volta a guerra. Foram mais 10 anos de guerra, até 2002.

José Eduardo dos Santos acabou por ser eleito sem conclusão das eleições e afastou-se, como prometera, do sistema de partido único do modelo socialista e abraçou o capitalismo e a economia de mercado. Em entrevistas concedidas antes das eleições à imprensa, nomeadamente ao semanário Expresso, de 18 de Julho de 1992 e na revista Le Courrier de Março-Abril de 1992 (fonte LL, Esquerda.net), exprimiu claramente o seu sentimento: «(…) o sistema de gestão da economia socialista não era capaz de dar resposta aos numerosos problemas com que se defrontava a sociedade (…) mas não era essa a conclusão a que se tinha chegado naquela altura, em que se pensava que o socialismo era uma alternativa ao capitalismo».

Esta viragem ideológica muito profunda fora oficializada em 1991 no III Congresso Extraordinário do MPLA, quando o partido retirou do seu nome a expressão “Partido do Trabalho” e o termo “Popular” da designação do país, ao mesmo tempo que a Assembleia do Povo passou a chamar-se Assembleia Nacional, “mudanças simbólicas para uma alteração mais profunda, a da implantação de uma oligarquia capitalista opulenta, retirando lucros pessoais dos proveitos da exploração do petróleo, gás e diamantes, os ramos que respondem pela quase totalidade das receitas do país (LL)».

Como já referido, JES chegou ao poder nas eleições gerais não completamente realizadas em Setembro de 1992 depois dos acordos de Bicesse. Praticamente ao mesmo tempo que se realizavam as eleições, os dirigentes do MPLA criaram formalmente o conglomerado de negócios do partido, a GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras. A GEFI-S.A., como referenciado pelo jornalista Rafael Marques no seu estudo “MPLA – Sociedade Anónima”, “tem uma carteira de negócios que inclui a participação em 64 empresas com operações no domínio da hotelaria, indústria, banca, pescas, comunicação social, construção, imobiliária. A sociedade serve para alienar, de forma obscura, património do Estado a favor da GEFI, para benefício financeiro e patrimonial do MPLA”. O estudo conclui que esta transferência de património, segundo os estatutos dessa sociedade, “deve ser entendida no contexto institucional de divisão dos recursos do Estado”, o que não é mentira mas camufla o essencial, ou seja, o que não foi dito nem escrito, pois essa divisão destinava-se a ser feita “exclusivamente entre certas figuras, famílias da elite dominante e seus associados nacionais e estrangeiros”.

E essa ainda hoje é a realidade angolana, que salta aos olhos dos angolanos como um flash fotográfico. Mas tão intenso que provoca uma espécie de cegueira, descrita e explicada por José Saramago no seu “Ensaio sobre a cegueira”.

Em Angola, parece que ninguém consegue ver os milhões de dólares desviados com assiduidade dos cofres do Estado pelas mais altas patentes do Estado, a começar pela mais alta, seguindo-se-lhe a sua filha mais velha, Isabel dos Santos, que, de acordo com a revista norte-americana Forbes, é senhora duma fortuna em valor líquido que se encontra acima da fasquia de mil milhões de dólares, fazendo da empresária de 40 anos a primeira mulher bilionária africana”.

De facto, a sua fortuna em valor líquido ultrapassa de longe esse valor e, se juntarmos o “sólido”, chegamos a cerca de 3 “bis”, o que faz dela uma heroína do regime de papá, um exemplo a seguir nesta cavalgada para a criação dos abismos da distribuição das riquezas inventado pelo capitalismo selvagem.

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