Mais de 700 personalidades históricas e dirigentes da UNITA, incluindo fundadores, generais e deputados, apoiam recandidatura de Adalberto da Costa Júnior num manifesto que o considera um “activo nacional” e símbolo de mudança “que transcende as fronteiras partidárias”.
Por Orlando Castro (*)
A lista de 100 apoiantes da recandidatura do actual líder da UNITA, partilhada numa publicação da deputada Mihaela Webba, inclui dois dos fundadores da UNITA ao lado de Jonas Savimbi — o deputado Ernesto Mulato e o general Samuel Chiwale —, bem como veteranos das FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola) e pesos pesados como os generais Lukamba Gato e Kamalata Numa. Da lista divulgada por Adriano Abel Sapinãla constam já mais de 700 nomes.
Entre os subscritores estão também figuras destacadas da bancada parlamentar do partido do “Galo Negro”, como o líder Liberty Chiaka (director da campanha), as deputadas Mihaela Webba e Navita Ngolo (mandatária da campanha), os deputados Sampaio Mukanda e Joaquim Nafoia, o secretário provincial de Luanda e deputado Adriano Sapinãla (porta-voz da campanha) e o porta-voz do partido, Marcial Dachala.
Da lista não consta o nome de Nelito Ekuikui, que foi secretário provincial da UNITA em Luanda nas eleições de 2022, nas quais o partido, liderado por Adalberto da Costa Júnior, obteve o seu melhor resultado de sempre.
Nelito Ekuikui, jurista e figura em ascensão no partido do “Galo Negro”, foi indicado em 2023 para secretário-geral da JURA (Juventude Unida Revolucionária de Angola), o braço juvenil da UNITA.
No manifesto de apoio, os subscritores sublinham a “convicção de que Angola necessita um novo rumo”, apontando as “profundas desigualdades sociais, económicas e políticas” e afirmando que o país “permanece refém de um sistema que não responde às legítimas aspirações do seu povo”.
Para os signatários, Adalberto da Costa Júnior é “um activo nacional, um símbolo de esperança e de mudança, que transcende as fronteiras partidárias”, cujo percurso político e defesa da democracia e das causas dos angolanos o torna num político “credível para liderar a oposição democrática e concretizar em 2027 a alternância responsável, pacífica e inclusiva que o país clama”.
O manifesto defende ainda que a reeleição de Adalberto da Costa Júnior “não é apenas uma decisão interna; é um imperativo nacional”, que garante uma UNITA “fortalecida e unida”, sendo o actual líder a figura mais bem posicionada para assegurar que “em 2027, a UNITA, como um estuário congregador de vontades, estará preparada para disputar e vencer, com legitimidade e unidade, as eleições gerais”.
A UNITA anunciou esta quarta-feira a abertura do processo de receção e formalização das candidaturas à presidência do partido, que decorre até 22 de Outubro.
Até ao momento, apenas uma intenção foi formalizada — a de Rafael Massanga Savimbi, filho do líder fundador da UNITA, que anunciou a sua pré-candidatura na terça-feira.
Os candidatos deverão solicitar, através de uma carta dirigida à Comissão de Mandatos, um conjunto de documentos necessários para formalizar a candidatura, incluindo a credencial do mandatário, o atestado de militância e a declaração de compromisso de honra, entre outros.
Deverão ainda entregar listas de assinaturas de membros da Comissão Política e de pelo menos 50 militantes em cada uma das províncias. Estes dossiês serão depois encaminhados para a Comissão Eleitoral.
NÃO HÁ CORAGEM SEM RISCOS
Em Outubro de 2021, João Lourenço afirmou esperar que Isaías Samakuva, a quem o MPLA tinha ordenado que voltasse à presidência da UNITA depois de ter afastado Adalberto da Costa Júnior, tivesse “vindo para ficar” (posse como conselheiro da República).
João Lourenço disse-o conscientemente perante alguém que deveria ter tido a coragem “savimbista” de renunciar a este direito, como deveria ter tido a coragem de não aceitar voltar à liderança da UNITA.
Coragem não era propriamente uma qualidade de Samakuva. Hoje os angolanos começam a ter dúvidas se Adalberto da Costa Júnior é um político corajoso.
Em Novembro de 2020, João Lourenço convocou o Isaías Samakuva, em detrimento do Presidente eleito da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, para abordar questões relativas à manifestação reprimida brutalmente pelo seu Executivo. Samakuva aceitou.
No início de 2021, João Lourenço, pela segunda vez, convidou Isaías Samakuva para participar na actividade da primeira-dama Ana Dias Lourenço, em detrimento do Presidente da UNITA Adalberto da Costa Júnior. Samakuva aceitou.
No dia 4 de Abril, João Lourenço convidou Isaías Samakuva, Miraldina Olga Jamba, Ernesto Mulato e José Samuel Chiwale, para participar do suposto almoço da paz, em detrimento de Adalberto da Costa Júnior, Presidente da UNITA. Samakuva aceitou.
Paulo Lukamba Gato raramente se engana. Mas ao comentar o plano estratégico do regime para combater o líder da UNITA, enganou-se. O Mais Velho dele, e também meu, continua a ter razão. De facto, “estamos a dormir e o MPLA está a enganar-nos”.
«O que me deixa tranquilo no entanto, é que no contexto actual já não há partidos políticos armados. Hoje os instrumentos de luta são a argumentação política e a justiça para arbitrar caso haja conflito», afirma Paulo Lukamba Gato.
Afirmação errada, como todos os dias se vê e sente. Muito errada e perigosa. Em Angola existe um partido, o MPLA, fortemente armado. Desde logo, e de forma inequívoca, porque as FAA são um instrumento do Estado e o Estado é do MPLA. Ou, como diz o partido que nos governa desde 1975, o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. Portanto…
Recorde-se o que, por exemplo, escrevemos aqui no Folha 8 em 11 de Janeiro de 2019 sob o título “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”:
«A UNITA, o maior partido da oposição angolana, assegura que as cerimónias fúnebres do seu antigo líder e fundador, Jonas Savimbi, vão acontecer este ano, “mobilizando milhares de angolanos”, mesmo que sem honras de Estado, como já avisou o Governo.
“Queremos entender as declarações do general [ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano] Pedro Sebastião como uma posição em que tomamos boa nota, mas o importante é que prevaleça a vontade de cooperação manifestada pelo senhor Presidente da República”, disse Alcides Sakala, então porta-voz da UNITA.
Em declarações à Lusa, Sakala referiu que Jonas Savimbi, morto em combate, em 2002, “não foi uma pessoa qualquer” e que a cerimónia das suas exéquias “vai mobilizar milhares de angolanos que virão de todos os cantos do país”.
Não foi, de facto, uma pessoa qualquer. Mas, tanto quanto parece, a UNITA de hoje tem medo, continua a ter medo, de exigir que o Estado/MPLA reconheça que Savimbi não só lutou pela independência de Angola como foi signatário (entre outros) do Acordo de Alvor que levou o país à independência, pelo que – conjuntamente com Agostinho Neto e Holden Roberto – deve figurar como um dos três fundadores do país independente.
E se antes foi o tempo dos contratados e escravos ovimbundos ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho (mesmo que mitigado e maquilhado) ao dizer aos dirigentes da UNITA que ou se portam como o Estado/MPLA determina, ou terão de transportar pedras à cabeça para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilarem.”
Talvez (sejamos ingénuos) os dirigentes da UNITA não tenham ouvido o clamor do Povo quando Jonas Savimbi morreu: “Sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!”. Ou seja, morreu o Mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.
É verdade que Savimbi nem sempre tinha razão. Quando dizia “Ise okufa, etombo livala” (prefiro antes a morte, do que a escravatura), estava muito longe de saber que a sua mensagem não faria escola entre os principais dirigentes da UNITA que, hoje, preferem a escravatura de barriga cheia e não trocam a lagosta (que o MPLA lhes dá com fartura) pela mandioca, ou farelo, que mantém milhões de angolanos mais ou menos vivos.
A UNITA chegou a criar, em Maio de 2014, uma comissão para tratar do processo de exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi, que foi sepultado, logo após a morte, no cemitério de Luena, Moxico, e trasladado para o cemitério da família, na aldeia de Lopitanga, município do Andulo, a cerca de 130 quilómetros a norte do Kuito, província do Bié.
“Durante esse período das chuvas [entre Agosto e Maio] fica, de facto, muito difícil acolher um grande número de pessoas, a localidade e a região não têm capacidades para albergar milhares de pessoas nesse espaço, mas consideramos um passo importante esse processo”, indicou Alcides Sakala.
Para o também deputado da UNITA, o programa das exéquias do líder histórico do partido devia ser feito “num ambiente de serenidade de espírito”. Isto é, segundo Alcides Sakala, sem hostilizar o senhor colonial (MPLA), não fosse ele zangar-se e – como dono do país – dar ordens para que tudo ficasse na mesma.
“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”. Não somos nós os autores desta afirmação que, embora dita há muitos anos, mantém toda a actualidade. Quem a disse foi Jonas Savimbi.
Desde 2002 o Galo Negro deixou de voar. O visgo do MPLA mantém-no colado às bissapas. Os angolanos de segunda, que não os seus dirigentes, estão a apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais.
Com a chegada à Presidência (sem a obrigatória autorização do MPLA) de Adalberto da Costa Júnior, a UNITA resolveu o problema do visgo. Calculou-se então que o Galo iria voar. Ledo engano. O MPLA/Estado tinha-lhe cortado as asas.
De uma forma geral a memória dos angolanos, neste caso, é curta. Como aqui foi escrito várias vezes, todos sabíamos que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregaria de o fazer. E assim aconteceu.
Apesar de todas as enormes aldrabices do MPLA, as eleições acabaram sempre por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas a sua execução, elaboradas por alguns dos “generais” da UNITA.
As hecatombes eleitorais, sociais e políticas mostram que a UNITA não estava, como continua a não estar, preparada para ser governo e quer apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos. Se assim não fosse, Isaías Samakuva teria mostrado que quem mandava na UNITA não era o MPLA. Mas é. Se assim não é, Adalberto da Costa Júnior já teria mostrado que quem manda na UNITA não é o MPLA…
O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, ainda não vê na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato e Samuel Chiwale.
Terá sido para ver a UNITA a comer e calar, a ser submissa, a ser forte com os fracos e fraquinha com os fortes, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saber como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.
Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.
Não creio que Homens como Adalberto da Costa Júnior, Paulo Lukamba Gato, Kamalata Numa e muitos, muitos, outros, tenham deitado a toalha da luta política ao tapete. Também não creio que aceitem trair um povo que neles acreditou e que à UNITA deu o que tinha e o que não tinha.
E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão.