BAILUNDO, UM REINO ANCESTRAL NO CORAÇÃO DE ANGOLA

No coração de Angola, um dos mais ancestrais reinos africanos mantém-se como referência espiritual e fonte de conhecimentos antigos, acolhendo quem procura auxílio do soberano ou simples visitantes interessados em aprender mais sobre as tradições locais.

A importância do Bailundo mede-se até pela estrada asfaltada que conduz à Ombala. Foram investidos 104 milhões de dólares (cerca de 88 milhões de euros) na requalificação do espaço e na construção de residências, quatro jangos de trabalho, monumentos e locais onde jazem os ancestrais que fundaram o poder tradicional, além de uma “faculdade” de iniciação às tradições Ovimbundu, um centro médico e escolas.

Ser recebido implica um pedido prévio e o cumprimento de requisitos específicos, como a oferta de um cabrito, de um garrafão de vinho e outras oferendas, sendo também exigido às mulheres o uso de pano africano. Todas as regras são comunicadas com antecedência, mas os procedimentos diferem consoante o tipo de visita.

Quem chega para expor casos pessoais pode tratar dos seus assuntos directamente, enquanto os visitantes de carácter protocolar devem dar reposta a um conjunto de necessidades, numa dimensão simbólica, já que o reino vive de doações.

“Quem vai passar o dia connosco, que não nos deixe de mãos vazias, porque veio também buscar alguma coisa de nós, uma bênção”, explicará mais tarde o rei Tchongolola numa entrevista à Lusa.

Mas todos têm o direito de ser recebidos: os que trazem problemas, os que trazem ofertas, os que trazem queixas ou turistas que queiram conhecer mais sobre as tradições, usos e costumes do Bailundo.

“Aqui não temos cor, recebemos todos”, sintetiza.

No Reino do Bailundo – ou Ombala Yo Mbalandu, na língua Ovimbundu -, os visitantes são recebidos pela corte, sendo conduzidos numa visita guiada pelos locais sagrados, que mostram costumes preservados ao longo de séculos.

Logo à entrada, os visitantes são ungidos com óleo de palma e plantas tradicionais, gesto que simboliza a recepção da bênção.

Os costumes determinam que na Ombala sejam enterrados os reis, separando-se a cabeça (guardiã da sabedoria) do corpo, sendo cada parte depositada em locais distintos e sagrados – Atambo e Akokoto, onde ainda repousam restos mortais de antigos soberanos.

Num percurso ritualizado são também exibidos artefactos e instrumentos de caça, como arcos e flechas, panelas e tigelas, mochilas rudimentares, canhangulos (espingarda artesanal antiga) e os cornos do boi, simbolizando a força dos soberanos.

Explica-se também como funcionavam os castigos na prisão tradicional do Bailundo, onde os acusados eram imobilizados com as pernas presas entre dois pedaços de madeira. Só após o arrependimento poderiam ser libertados, e ainda assim mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro.

No final da visita, a equipa da Lusa foi recebida no jango pelo soberano e pela corte para uma entrevista, onde o dirigente expôs a sua visão sobre o futuro do reino e das autoridades tradicionais.

A corte do Bailundo é composta por 37 sobas e funciona de forma semelhante a um governo, com responsáveis atribuídos a diferentes áreas. Há quem responda pela Ciência, desvendando e desmistificando fenómenos naturais, e quem cuide da Saúde, com conhecimentos de medicina tradicional. Existem ainda guardiões da segurança do soberano, que “lêem o visível e o invisível”, e um soba que controla entradas e saídas do reino, que “não tem porta, mas fecha e abre tradicionalmente”.

Outros membros da corte têm como missão zelar pelo fogo tradicional, assegurar o protocolo e a indumentária, cuidar da economia do reino e dos mausoléus onde repousam os ancestrais. Existe também um secretário-geral, responsável pelo “tribunal constitucional tradicional”, e um procurador-geral.

Os dignitários assistem aos afazeres diários do soberano que trabalha com 640 autoridades tradicionais no Bailundo, 4.613 no Huambo e 16 mil autoridades da região centro de Angola, berço dos Ovimbundu, etnia maioritária em Angola e espalhada pelas províncias do Bié, Benguela, Huambo, Cuanza Sul e Huíla.

A Ombala alberga as famílias da corte e acolhe nas imediações 13 aldeias habitadas por comunidades locais.

“O rei é uma representação espiritual, tradicional, ancestral do seu povo”, explica Tchongolola.

Entre os papéis do soberano destaca a transmissão de ensinamentos às novas gerações, incentivar o trabalho agrícola, aplicar a justiça segundo normas costumeiras e dirimir casos de roubo, feitiçaria, dívidas, infidelidade conjugal ou conflitos de terras. Crimes graves, como homicídios, são encaminhados às autoridades do Estado, pois o poder tradicional já não julga todos os casos como no passado.

O rei salienta que o Estado angolano reconhece as autoridades tradicionais, estando esse reconhecimento plasmado na Constituição, que considera o poder tradicional como o quarto poder e como parceiros do Estado, mas defende que os responsáveis dos reinos se devem também posicionar para serem chamados como parceiros.

O Reino do Bailundo, fundado há cerca de 400 anos, tem atravessado alguns períodos turbulentos. Em Março de 2021, um episódio controverso culminou na destituição do anterior soberano, Ekuikui V, acusado pelos sobas do Huambo de atentar contra a ordem moral e as tradições. Ekuikui V, no trono desde 2012, recusou aceitar a decisão e afirmou que continuaria a ser rei até à morte.

No entanto, Tchongolola Tchongonga, conhecido como Ekuikui VI, da mesma linhagem de Ekuikui II, símbolo da resistência no planalto contra a ocupação portuguesa, acabou mesmo por ser entronizado, após ser eleito pelo conselho de anciãos.

O actual soberano sublinha que a deposição de dirigentes não é novidade e que em caso de mau comportamento o rei é mesmo destituído.

“Houve necessidade de eleições porque a equipa que achou que ele devia ser destituído queria tomar posse e nós, que somos da linhagem, do sangue azul, não admitimos”, contou, acrescentando que se optou pelo voto e que está a dar continuidade aos princípios do reino.

Quanto à influência de partidos políticos, o monarca é categórico, rejeitando interferências de administrações, igrejas e partidos.

“No nosso reino estamos abertos para todos os filhos. Todo o que vem, deve vir como filho e não com uniforme do partido (…) O que nós aconselhamos nas eleições é que façam as coisas com cabeça, tronco e membros para não voltar à história antiga das guerras”, conclui.

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