PECULATO, TRÁFICO, BRANQUEAMENTO, FRAUDE, CORRUPÇÃO…

O Procurador-Geral da República (PGR) angolano disse hoje que está a ser investigada a existência de “indícios concretos” nas denúncias do activista Rafael Marques contra o ministro de Estado da Coordenação Económica, José de Lima Massano.

Hélder Pitta Gróz afirmou à Lusa: “Bem, há de facto da parte do senhor Rafael Marques um documento que enviou à PGR, mas é necessário vermos que nem sempre os documentos que surgem em forma de denúncia são muito concretos, por vezes são abstractos, e nós é que vamos ter que (…) fazer investigações, mas para isso temos que ter alguns indícios concretos que nos levem mais facilmente a fazermos esse trabalho”.

Sem entrar em detalhes, o magistrado assegurou que a PGR está a realizar as investigações “com um certo sigilo”.

Pitta Gróz falava hoje, em Luanda, no final de uma palestra sobre “O Início da Luta de Libertação Nacional”, promovida pela PGR no âmbito dos 64 anos do (suposto) início da luta armada de libertação nacional, assinalados terça-feira, 4 de Fevereiro.

O activista angolano Rafael Marques pediu, em finais de Janeiro, uma investigação criminal contra o ministro de Estado para a Coordenação Económica de Angola, José Lima Massano, por suspeita de crimes de peculato, tráfico de influências, branqueamento de capitais e fraude fiscal.

Em causa, segundo a denúncia apresentada à Procuradoria-Geral da República, está a alegada sobrefacturação do Museu da Moeda, “uma estrutura simples, com um piso subterrâneo”, que custou 64,5 milhões de dólares (61,4 milhões de euros), seis vezes o valor inicial.

A queixa apresentada pelo activista e director do portal de investigação Maka Angola refere que em apenas dois anos o custo do museu passou de pouco mais de 10 milhões de dólares (9,5 milhões de euros) para 64,5 milhões de dólares.

O contrato para o projecto arquitectónico, assinado em Julho de 2012 por Lima Massano, então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), foi desenvolvido pela FCL.AO-Arquitectos Associados, dos irmãos Alexandre e António Falcão Costa Lopes, que cobraram 460.000 dólares (438,4 mil euros) de honorários, 4,5% do valor estimado da obra (10 milhões e 195 mil dólares), cuja área bruta de construção era inicialmente de 2.615 metros quadrados, lê-se no documento.

O contrato de construção foi adjudicado ao consórcio formado pelas empresas Griner, Somague e Tecnasol, a 11 de Abril de 2013, por um valor de 14,4 milhões de dólares (13,7 milhões de euros) para “escavação, contenção periférica e fundações”, tendo o projecto sido alterado posteriormente, com um aumento da área bruta para 4.350 metros quadrados, o que fez disparar o valor para 28 milhões de dólares (26,7 milhões de euros), e obrigou a reajustar o pagamento à FCL.AO para 940 mil dólares (895,9 mil euros), acrescenta.

A 14 de Abril de 2014, Lima Massano assinou um novo contrato com a Griner e a Somague para a realização da estrutura e acabamentos no valor de 13,6 milhões de dólares (13 milhões de euros) e a 4 de Novembro de 2014 celebrou um contrato para a fase de “arquitectura e acabamentos” no valor de 16,7 milhões de dólares (15,9 milhões de euros), segundo a denúncia.

A MINHA CORRUPÇÃO É MELHOR DO QUE A TUA

O governo de Angola (do MPLA desde 1975) divide historicamente a corrupção em Angola como tendo dois momentos, o primeiro do período colonial português, até 1975 e cujas sementes devem ter sido largadas por cá às toneladas já nos tempos de Diogo Cão, e o pós-independência nacional (em que todos os governos foram do MPLA) até aos dias de hoje, caracterizada por uma corrupção em grande escala, sempre com o epicentro no MPLA.

O então ministro da Justiça do MPLA, Francisco Queiroz, destacou no dia 23 de Novembro de 2020, que a corrupção no período colonial confundia-se com o sistema daquela altura, “baseado numa lógica de corrupção violenta de dominação”. Acresce que, apesar de ser “violenta de dominação”, medrou exponencialmente no seio do partido, o MPLA, a quem o governo português entregou o país, reconhecendo que – afinal – era o mais bem preparado para continuar a dar guarida e incentivar a… corrupção.

Na altura, o então ministro sublinhou que naquela época foram usados meios violentos, meios corruptivos de promessas de melhor civilização, de valores morais mais elevados, de cultura superior. E foi nessa escola, nessa cátedra, que se doutoraram os dirigentes do MPLA, acabando mesmo por se revelarem melhores do que os seus professores.

“Enganaram-nos para fazer a pilhagem dos nossos recursos, de maneira bastante imoral, do ponto de vista histórico e de todos os princípios”, disse Francisco Queiroz, acrescentando que não há dúvidas que foram causados “prejuízos enormes”, como certamente justifica o facto de que o então ministro tenha tirado o Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas, pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, Portugal, com a dissertação “Economia Informal, Perspectiva Jurídico-Económica”.

Comparando os dois momentos, frisou que, “claramente, o período da colonização” foi o que trouxe mais prejuízos, pois “a colonização em si mesmo é um processo de corrupção”.

Patrioticamente, o MPLA reagiu e mostrou aos ex-colonizadores que, afinal, a independência foi o processo de os dirigentes do partido mostrarem que corrupção com corrupção se paga.

O então titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos realçou ainda que foram “500 anos de corrupção activa, de espoliação dos recursos, de quebra dos valores morais, de castração da própria personalidade”. E tem razão. É que, segundo os mesmos doutos especialistas que dizem que o MPLA venceu a Batalha do Cuito Cuanavale, é bem possível que até Diogo Cão fosse já militante do partido. Aliás, se não fosse o MPLA Angola não existiria (por alguma coisa dizem que o “O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”).

“Os prejuízos foram enormes, ainda hoje nós estamos a pagar e vamos pagar por muito tempo os prejuízos causados, para não falarmos já daqueles períodos de sangria humana, através da escravatura”, afirmou o também antigo Ministro da Geologia e Minas, nomeado por Decreto Presidencial nº 200/12 de 1 de Outubro, por aquele presidente que foi um paradigma da honorabilidade e transparência, de seu nome José Eduardo dos Santos.

De acordo com Francisco Manuel Monteiro de Queiroz, mesmo depois da independência, a corrupção continuou, facilitada pelo sistema de desenvolvimento adoptado, baseado na ideologia do comunismo pelo seu patrono José Eduardo dos Santos e na direcção centralizada da economia, que faliu, gerando um estado de pobreza monumental.

Francisco Queiroz sublinhou que o novo ambiente pós-colonial “facilitou muito que aqueles mesmos que antes faziam parte do sistema colonial viessem prolongar a sua presença” e “realizar acções junto das autoridades para terem benefícios económicos ou comerciais para seu interesse próprio”.

“Inicialmente, a corrupção era com televisores, caixas de coca-cola, com pequenas coisas, porque eles viram que era essa a grande fragilidade e depois evoluiu para contratos com o Estado para conseguirem negócios com o Estado”, referiu, não explicando (pudera!) onde andava e o que fez durante décadas para contrariar os esquemas do seu partido.

Segundo o dirigente do MPLA, os próprios agentes do Estado foram alinhando com isso, “atingindo um ponto tal que se perdeu o controlo”. E quem eram esses agentes? Têm nomes? Algum deles nasceu no Bié, em 1951, e chama-se Francisco Manuel Monteiro de Queiroz?

Depois da corrupção em grande escala, indicou, vem a pequena corrupção, “a gasosa, o cabritismo, o esquema (subornos)”, situações que perduram até hoje perante as medidas radicais dos governos do MPLA que continuam a tapar o Sol com uma peneira e… durante a noite.

“A corrupção em Angola acabou por ser sistémica, porque teve essa envolvência institucional” com “muitas figuras conhecidas, e outras nem tanto”, quer do lado dos agentes do Estado quer do lado dos agentes da economia, defendeu Francisco Manuel Monteiro de Queiroz que, apesar de ter entrado para o MPLA em 1974, continua a ser uma “virgem” pura, puritana e incólume a todos esses males.

“Não podemos pensar que a corrupção é só do lado do Estado, não. O agente da corrupção normalmente é um agente privado, é aquele que recorre ao agente público para conseguir vantagens pessoais. Há sempre os corruptores nacionais e internacionais, a nossa corrupção é em grande medida importada”, destacou.

Francisco Queiroz disse que Angola vive uma situação insustentável quanto aos índices de corrupção e seus efeitos na vida social, política, económica e moral e “alguém tinha de ter a coragem de encarar esse monstro e inverter a dinâmica deste cancro social que vem destruindo as células vivas do tecido social”.

Francisco Queiroz apelou à facilitação da comunidade internacional e dos parceiros da cooperação na recuperação de activos do Estado angolano, ilicitamente transferidos para outros países, aspecto que “reclama maior unidade de resposta internacional para o combate à corrupção em Angola”.

O Bureau Político do MPLA, partido no poder em Angla há quase 50 anos e que tem como objectivo estratégico chegar aos 100 de poder ininterrupto, continua a apelar (exigir) a todos os angolanos de primeira (os únicos autorizados a manifestarem-se) a participarem “de forma patriótica” (ou seja, curvados e com trela) nas actividades que possam perpetuar o partido no cadeirão ditatorial.

O Bureau Político do MPLA enaltece as conquistas alcançadas ao longo do percurso histórico de Angola, tudo graças ao MPLA. Reconheça-se que a história do MPLA começa há centenas de anos, já que o Comité Central tem documentos que comprovam que, por exemplo, Diogo Cão já era militante do partido (embora nunca tenha renunciado à nacionalidade portuguesa).

Ao que nos “contam” os intestinais cérebros do partido, sob o comando do militante do MPLA, Diogo Cão, os primeiros guerrilheiros chegaram ao Zaire em 1482. É a partir daqui que se iniciará a conquista pelo MPLA desta região de África, incluindo o território que viria a ser Angola. O primeiro passo foi estabelecer uma aliança com o Reino do Congo, que dominava toda a região. A sul deste reino existiam dois outros, o do Reino de Ndongo e o de Reino da Matamba, os quais não tardam a fundir-se, para dar origem ao Reino de Angola.

Assim, a Angola de hoje é o resultado do espírito de bravura e determinação dos heróis da liberdade e dos esforços abnegados na defesa da soberania e da unidade nacional.

“A estabilidade social e política são bens inalienáveis arduamente conquistados com suor, sangue e lágrimas consentidos pelos melhores filhos da nossa amada pátria”, sublinha o MPLA na convicção de que todos nós somos matumbos.

Decorridos quase 50 anos da histórica data que devolveu a dignidade e o orgulho nacional aos angolanos, que foram roubados pelos avoengos portugueses, realça o MPLA que “Angola regista progressos assinaláveis no exercício da cidadania e preservação da estabilidade política e social, da unidade e reconciliação nacional, da paz e da democracia”.

Tal como diz o Bureau Político, o MPLA releva a coexistência pacífica entre as forças políticas, bem como o espírito de concertação e participação cidadã, razão pela qual convida todas as forças vivas (que se forem do MPLA assim continuarão) da nação para participarem activamente no processo de consolidação do Estado Democrático e de Direito, o que só será visível se deixarem a coluna vertebral em casa.

O Bureau Político reitera a firme confiança de que Angola há-de preservar e materializar os sonhos de liberdade, paz e desenvolvimento de todos os seus filhos, mantendo-se fiel, no contexto da política externa, aos princípios da solidariedade e cooperação com todos os povos do mundo, nomeadamente os da Guiné Equatorial e da Coreia do Norte.

“O Bureau Político do MPLA exorta aos militantes, simpatizantes e amigos do partido para cerrarem fileiras em torno da liderança do camarada presidente João Lourenço, para vencermos os desafios do presente e do futuro e continuarmos a merecer o voto de confiança de Angola e dos angolanos”, apela o partido no poder há quase meio século.

Porque o MPLA é Agostinho Neto, recorde-se, reconheça-se, enalteça-se que o primeiro Presidente de Angola e a mais emblemática figura do MPLA foi considerado no dia 10 de Setembro de 2017, em Luanda, como impulsionador da libertação da África Austral e um defensor intransigente da luta de libertação dos povos em África e no mundo, pelo docente universitário, Francisco Bala Francisco.

Em declarações à Angop, a propósito da comemoração do 17 de Setembro, dia do Herói Nacional do MPLA, o professor (por aqui se vê o desnível do nosso ensino) revelou que a contribuição de Agostinho Neto para causa africana é cada vez mais reconhecida, sobretudo na região, mas ainda assim, podia fazer muito mais. E podia mesmo, não fosse haver cada vez mais gente a pensar pela própria cabeça.

“Agostinho Neto, para além de ter sido o herói da libertação de Angola e pai da Independência, deu um apoio incomensurável, inestimável, à libertação da Namíbia, do Zimbabwe e também a erradicação do Apartheid na África do Sul”, frisou.

E então, com o apoio do MPLA, a libertação da Alemanha do jugo de Hitler? E então o fim da segregação racial nos EUA? E então a descoberta da roda? Isto já para não falar da descoberta do Raio X que, erradamente, se diz que foi feita pelo alemão Wilhelm Conrad Röntgen; da Penicilina (falsamente atribuída a Alexander Flemming), do computador, da máquina a vapor, da pólvora ou do telégrafo…?

Para Francisco Bala Francisco, o primeiro Presidente de Angola tinha uma visão muito mais ampla sobre a luta de libertação dos povos. É verdade. Tão ampla que quem não estivesse de acordo com ele era fuzilado. Foi assim 27 de Maio de 1977, é assim quando jovens activistas criticam o MPLA. E assim será se alguém se atrever a pôr em perigo o domínio ditatorial do MPLA.

“Nós tivemos, sem dúvida, a felicidade de ter encontrado em Agostinho Neto um Presidente com uma visão global da nossa luta e também, com a visão esclarecida de que a nossa luta não estaria completa sem a libertação de vários outros povos do mundo”, exaltou a criatura do MPLA, cuja teoria da bajulação não demorou muito a fazer de Neto o mais proeminente político mundial, ofuscando figuras como Nelson Mandela, Mahatma Gandhi e Martin Luther King.

No seu entender, por todos os feitos do “Herói Nacional do MPLA”, o reconhecimento actual ainda não é o devido, porque se sente que, às vezes, há alguma modéstia em enaltecer a sua figura. É verdade. A malta do MPLA (não esquecendo que o massacre do 27 de Maio vitimou muita boa gente do próprio MPLA) tem memória curta e é modesta. Porque não recordar que, para honrar os feitos do seu herói, o nosso país deveria chamar-se Agostinho Neto e não Angola?

“Felizmente, o Presidente José Eduardo dos Santos continuou nesta via e a ele, também, devem ser tributadas, como continuador dessa política no plano externo, as devidas honras e o devido reconhecimento, por ter sabido colocar-se a altura do tempo vivido na luta de libertação dos povos”, reconheceu Francisco Bala Francisco. E tem razão. Eduardo dos Santos não é o pai dos massacres do 27 de Maio, embora seja parente próximo, mas é o pai do assassinato de 50 mil cidadãos angolanos (Ovimbundus e Bakongos), entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.

Em Setembro de 2009, o então ministro da Educação de Angola, Burity da Silva, afirmou que “a construção da angolanidade deve ser edificada com a participação de todas as culturas existentes, sem critérios estereotipados de exclusão”. Prova dessa tese, segundo o regime, continua a ser a comemoração do Dia do Herói Nacional do MPLA como sendo o de todos os angolanos. Não admira, desde logo quando o actual, como o anterior, Presidente do MPLA tem a lata de dizer que é o presidente de todos os angolanos.

Mas é assim. O país evoluiu, o MPLA é Angola mas Angola deixou de ser o MPLA, passando a ser… do MPLA. E, nesta altura, o herói nacional é um, Agostinho Neto, e há outro em vias de (merecidamente) o ser – João Lourenço. O lugar esteve, embora de forma mais subtil, ocupado por José Eduardo dos Santos, mas quando João Lourenço resolveu passá-lo de bestial a besta…

Folha 8 com Lusa

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