O Governo dos Estados Unidos da América (EUA) anunciou no dia 3 de Junho que iria lançar um programa regional, que incluiria Angola, de cerca de 10 milhões de dólares (9,3 milhões de euros), para promover sistemas pluripartidários representativos. A administração de Joe Biden está, inequivocamente, a gozar com a nossa chipala. E isso é coisa que abominamos. A terem de gozar, façam-no com os norte-americanos.
Por Orlando Castro
Em comunicado, a Embaixada dos EUA em Angola e São Tomé e Príncipe afirmou que o Programa de Apoio aos Partidos Políticos para uma Democracia Resiliente e Inclusiva (POPRID, sigla em inglês), financiado pela Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), seria implementado em Angola em parceria com o Governo e com os partidos políticos com assento parlamentar.
O programa, de cariz regional, será aplicado com a organização Democracy Works Foundation (DWF) e tem como objectivo “apoiar o desenvolvimento de partidos políticos democráticos que respondam às necessidades dos cidadãos e sejam capazes de elaborar políticas eficazes em Angola, Botsuana, Essuatini, Lesoto, Maláui, Namíbia e África do Sul”.
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem de facto e não apenas formalmente, como é o caso de Angola) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias.
Numa altura em que, supostamente, Angola realizou eleições livres, sérias e isentas, o que fica claro é que na democracia norte-coreana que o MPLA criou… o MPLA nunca perde.
Os EUA sabem que em Angola (mas também em quase toda a África) falar de “sistemas pluripartidários representativos” é uma falácia. Existem partidos cuja sobrevivência depende dos donos do país, a ponto de o MPLA está no Poder há 49 anos.
E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não se aplica, obviamente, a Angola. Os EUA sabem disso mas, por razões geoestratégicas, preferem manter o MPLA no Poder, simulando apenas que isso reflecte a democracia.
Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses de Angola, dos angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo se um dia Angola chegar a ser uma democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política funcional. É que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe de uma ponta à outra. E o que temos já lá está há 49 anos.
Como sabemos, tratou-se de uma caminhada que podia, naturalmente, acarretar desafios para todos os intervenientes atendendo a que a vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que contribuiu para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA.
Por isso é que a Constituição da República determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade do MPLA.
É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios.
Mas insistimos que maiores desafios recaem sobre os principais actores da cena política, nomeadamente os partidos políticos que deverão fazer advocacia da coexistência pacífica entre todas e diferentes sensibilidades políticas, lembrando-se uma das regras de ouro do MPLA: Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos.
Não é exagerado pedir e esperar que as formações políticas (será que se pode incluir o MPLA?) contribuam para que a disputa política não se transforme numa espécie de arena em que impera o vale tudo… sendo que quem manda tem poderes que nega aos outros. É que as bases de apoio, os militantes e os simpatizantes dos partidos políticos sejam capazes de aperfeiçoar as normas de convivência que os caracterizam.
Independentemente das falhas que resultam da condição da natureza humana limitada, não há dúvidas de que podemos ainda assim fazer prova das boas práticas em sociedade, assim o MPLA dê um sério exemplo de que está interessado nisso. As diferenças ideológicas, se as há, as diferentes perspectivas de cada segmento relativamente às fórmulas para desenvolver Angola contidas nos programas e estratégias, não superam todo o conjunto de pressupostos que unem os angolanos. Não é assim, mas deveria ser assim.
Os objectivos que todos perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos. O passado e o presente mostram e demonstram o contrário. Infelizmente.