CENSOS À MODA DO MPLA

A UNITA disse hoje que o Censo Populacional 2024 em Angola “foi um descalabro”, devido aos constrangimentos registados que comprometem a sua integridade, e que o processo foi um expediente para “manipular dados populacionais” com fins eleitorais. Nada de novo, portanto.

Para a UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite) o Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) 2024, processo que decorreu de 19 de Setembro a 19 de Novembro, registou “atropelos que podem comprometer extensivamente a integridade dos dados”.

Segundo o primeiro-ministro do governo sombra da UNITA, Raul Tati, o RGPH registou vários transtornos, começando pelo adiamento do arranque do processo, inicialmente previsto para 19 de Julho, mas com início em 19 de Setembro, e término a 19 de Outubro, posteriormente prorrogado para 19 de Novembro.

“Esses transtornos resultam de um deficiente processo preparatório que condicionou logo à partida o início da operação”, disse hoje o político em conferência de imprensa sobre o processo censitário.

Tati considerou que a operação “foi manchada por irregularidades, muitas delas inaceitáveis e premeditadas, incluindo declarações contraditórias, por parte dos órgãos responsáveis afins, reflectindo, logo de início, falhas e desorganização clamorosas”.

O dirigente da UNITA referiu problemas de ordem técnica, operacional e logística, “apontados pelos técnicos, agentes censitário e cidadãos atentos em todas as localidades do país”, como principais factores de estrangulamento deste processo.

“O processo de recrutamento de agentes censitários não obedeceu a nenhum critério de transparência e o treinamento posterior dos agentes foi incompleto e basicamente não comportou a formação para a utilização dos ‘tablets'”, declarou.

“Isto, obviamente, estendeu o tempo de entrevista e dificultou a cobertura da área distribuída a cada agente no tempo estabelecido”, notou, salientando que todas as “evidências apontam para o descalabro” do processo.

Pelo país, há relatos de cidadãos que dizem não terem sido entrevistados pelos agentes recenseadores e de residências em que foram apenas afixadas fichas sem qualquer inquérito.

De acordo com Raul Tati, estes “atropelos podem comprometer extensivamente a integridade dos dados, a sua confiabilidade” e podem “influenciar negativamente as entidades responsáveis pela validação dos recursos do censo”.

O político da UNITA disse ainda ser “inaceitável”, nos dias de hoje, que a operação do Censo 2024 sirva como “mais um expediente administrativo para o regime manobrar e manipular os dados populacionais com fins eleitorais”.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano anunciou, em 19 de Novembro, que mais de 77% da população do país foi registada entre 19 de Setembro e 19 de Novembro, e que, até à segunda quinzena de Dezembro, vai continuar com a recolha de dados, no formato de repescagem, devido aos trabalhos por concluir em muitas zonas urbanas.

Recorde-se que o próprio director-geral do INE, José Calenge, disse que concluídos os 30 dias previstos para a realização do censo, houve a necessidade de alargara o prazo devido a constrangimentos iniciais com o pagamento de merendas aos agentes recenseadores, problemas de manuseio dos ‘tablets’, bem como dificuldades de acesso às zonas recônditas e difíceis devido ao período de chuvas.

Segundo José Calenge, “é fundamental e prudente que se garanta que todos os angolanos tenham a oportunidade de se serem recenseados”.

Independentemente dos constrangimentos anunciados, frisou, “o trabalho tem estado a correr”, apontando “muitos bons exemplos de superação”, com a recolha de dados já fechadas em algumas comunas das províncias do Cuanza Norte, Zaire, Huambo, Cuanza Sul, Lunda Sul, Malanje, Cuando Cubango, Uíje, Lunda Norte, Luanda, Moxico, Huíla e Cabinda.

O responsável frisou que apesar de ter sido alargado o prazo há províncias que poderão ter necessidade apenas de dois dias ou cinco, para a conclusão dos trabalhos.

“No entanto, esta decisão resulta de uma análise cuidadosa das operações em diversas regiões do país, garantindo que este processo que é crucial para o desenvolvimento necessário, se realize com a máxima abrangência possível”, frisou.

Este é o segundo recenseamento populacional que o Governo angolano realiza no período pós-independência, tendo o último ocorrido em 2014.

OUTROS CENSOS, A MESMA INSENSATEZ

O Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP) do país, lançado em Agosto de 2020, é sinal inequívoco de que Angola pretende colocar o sector produtivo no centro das prioridades, afirmou na altura o ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior. Esqueceu-se de dizer que prometeu, em Novembro de 2019, que o RAPP arrancaria em Fevereiro. Mas há mais. Muito mais.

O RAPP é um “processo” que conta(va) com 25 milhões de dólares do Banco Mundial (BM) e apoio técnico do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura (FAO). Isto para além de ter sido oficialmente anunciado como tendo começado no dia 18 de Fevereiro de 2019. Já para não esquecer o primeiro recenseamento que teria arrancado em Novembro de 2018. Refira-se, entretanto, que o primeiro censo agro-pecuário foi realizado em Angola em… 1961, na era colonial portuguesa.

Segundo o coordenador-adjunto do RAPP, Anderson Jerónimo, a operação teria a duração de dez meses e seria executada por mais de 800 recenseadores. O RAPP teve a coordenação do Instituto Nacional de Estatística, coadjuvado pelos Ministérios da Agricultura e Florestas e das Pescas e do Mar.

Anderson Jerónimo referiu que o censo iria permitir recolher informação, inexistente até ao momento, sobre a malha produtiva e piscatória de Angola.

“Este acto marca uma fase importante, em que o país está a relançar a produção nacional, onde diversos operadores privados, estrangeiros, e demais precisam de informação para fazer os seus planos de negócio”, referiu o responsável em declarações emitidas a 1 de Novembro de 2019 pela rádio pública do MPLA.

Segundo Anderson Jerónimo, os dados a serem recolhidos seriam importantes também para instituições de ensino e aquelas com interesse a nível do relançamento da produção, tendo em conta que “precisam de números fiáveis, com maior detalhe possível, para produzir os documentos que podem melhorar a elaboração dos planos, as estratégias e ainda permitir o maior controlo e aplicação da política pública”.

Antecedeu o censo que arrancou em Fevereiro de 2020, uma experiência piloto nas províncias do Uíge, Cuanza Sul, Moxico, Benguela e Cunene, que permitiu fazer o diagnóstico da situação e precaver eventuais falhas durante o processo real. Real, não exactamente. Talvez um dia.

Então é assim. Angola lançou no dia 18 de Fevereiro de 2019, 58 anos depois, a primeira fase do primeiro censo agro-pecuário da sua história enquanto país independente, projecto orçado – de acordo com o divulgado na altura – em 24,9 milhões de dólares (21,6 milhões de euros) financiados pelo Banco Mundial (BM). Na verdade, como Folha 8 então divulgou, era pelo menos um segundo lançamento. O primeiro fora anunciado em Novembro de 2018 e chamava-se – curiosamente – Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP).

A cerimónia de lançamento da primeira fase do censo, virada essencialmente para a formação técnica, foi realizada na província de Benguela pelo então director do INE, Camilo Ceita.

Segundo o chefe de Departamento de Inquéritos e Censos do INE, Paulo Fonseca, o processo, que compreenderia quatro etapas, começaria em Março nas províncias de Benguela, Cunene, Cuanza Sul, Moxico e Uíje.

Paulo Fonseca adiantou que a primeira etapa iria estar virada para a formação de pessoal seleccionado para integrar as comissões provinciais e municipais.

A segunda fase decorreria em Luanda, também em Março (entre dias 11 e 22) e visava formar os futuros formadores, com a terceira a abranger a formação dos agentes no terreno e a última a recolha de dados.

Por sua vez, o director do INE reconheceu alguns desafios que se iriam enfrentar durante o processo, solicitando maior colaboração dos administradores municipais, realçando sobretudo as dívidas às autoridades tradicionais ainda por pagar e referentes ao Censo Geral da População, realizado em 2014.

“Eu reconheço que temos uma dívida com as autoridades tradicionais (cerca de seis mil sobas), com os quais trabalhamos durante o Censo Geral da População (2014), mas dificuldades financeiras que se colocaram a partir de Junho de 2014 levaram a essa situação, que espero que seja resolvida tão logo haja recursos”, referiu Camilo Ceita, citado pela Angop.

O censo agro-pecuário centra-se na recolha estatística, processamento e divulgação sobre a estrutura da agricultura, pecuária e pescas em todo o país. O primeiro censo agro-pecuário, recorde-se, foi realizado em Angola em 1961, na era colonial portuguesa.

Mesmo que não seja para valer, convém ir dando a imagem de que Angola é mesmo um Estado a sério e sério. Recorde-se que o Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP) 2018-2019 (ou censo) em 28 de Novembro de 2018, em Luanda, foi para ajudar o Governo a obter dados actualizados e a definir as novas políticas de actuação nestes dois sectores.

O director do INE, obviamente Camilo Ceita, que discursou no lançamento, considerou o RAPP uma operação “estatística exaustiva”, diferente do Censo Populacional, dada a especificidade no que concerne ao número de unidades agro-pecuárias e a sua disposição geográfica, tipo de propriedade, uso e aproveitamento da terra, posse e uso de meios de produção e tecnologia empregue.

“O RAPP é um dos recenseamentos mais complicados de se fazer, sobretudo para um país com uma extensão territorial como o nosso e questões como quantas cabeças de gado o país tem, a nossa capacidade de gestão de culturas e a dimensão de terras aráveis: estas e outras questões fazem parte do questionário que teremos de fazer nos próximos 12 meses”, declarou.

Camilo Ceita explicou que o RAPP foi, iria, vai incidir também em outros aspectos como características sociodemográficas de cada região (identificadas no seio dos agregados familiares) das explorações, agrícolas, pecuárias, agro-pecuárias ou piscatórias, acesso aos insumos, recursos humanos, maquinaria, posse e uso de terra, irrigação, culturas anuais e permanentes, efectivo pecuário e acesso aos serviços veterinários.

O programa do RAPP, segundo o Jornal de Angola, previa consultas públicas em várias regiões do país. No dia 28 de Novembro de 2018 foi realizado um encontro com as direcções nacionais e provinciais da Agricultura e Pescas, associações empresariais, sociedade civil, engenheiros agrónomos e investigadores científicos da região norte que compreende as províncias de Luanda, Uíge, Cabinda, Zaire, Bengo e Cuanza-Norte.

De 16 a 18 de Dezembro, segundo Camilo Ceita, as consultas seriam feitas em duas regiões em simultâneo, Centro-Sul e Leste. A ideia, disse Camilo Ceita, é recolher contribuições destas instituições para o reforço do programa do RAPP. O INE previa apresentar os dados do RAPP no último trimestre de 2019.

O RAPP 2018-2019 foi aprovado pelo Decreto Presidencial nº 189/18, de 7 de Agosto, que estabelece as normas para a sua realização, e o Decreto nº 194/18, de 20 de Agosto.

Registe-se que nas próprias conclusões do Gabinete Central do Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas, é referido no ponto 31 que “o INE, MINAGRIF (Ministério da Agricultura e Florestas) e o MINPESMAR (Ministério das Pescas e do Mar) devem continuar a realizar pesquisas sobre os arquivos relativos ao 1º Recenseamento Agro-Pecuário realizado antes da independência no sentido da sua localização”.

Folha 8 com Lusa

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