Angola partilha em Viena, Áustria, a visão sobre procedimentos e metodologia para a próxima fase do mecanismo de revisão e para a melhoria dos instrumentos de acompanhamento e monitorização da implementação da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.
A visão de Angola está a ser apresentada por uma delegação nacional (foto) que participa na Segunda Parte da 15.ª Sessão Resumida do Grupo de Revisão de Implementação da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, a decorrer no Centro Internacional de Viena.
O convite endereçado a Angola para participar no evento, como orador, reflecte – na versão do Governo – “o reconhecimento internacional dos esforços contínuos do país na luta contra a corrupção e na promoção da transparência e boa governação”.
A presença angolana é também uma oportunidade para partilhar as suas experiências e aprender com as melhores práticas de outros países, reforçando assim o suposto compromisso do país com a erradicação da corrupção.
Nos últimos anos, Angola tem implementado uma série de reformas significativas para fortalecer as suas instituições e garantir a integridade no sector público, destacando-se as reformas legislativas, o reforço da transparência, dos mecanismos de prestação de contas e da cooperação internacional.
A CONVENÇÃO DA ONU CONTRA A CORRUPÇÃO
Desde 1996, a corrupção começou a ser tema de interesse dos mais diferentes países que, de modo regional, iniciaram processos de acordos de acção conjunta nesse âmbito.
Entretanto, as primeiras convenções firmadas não cobriam todas as regiões do mundo, deixando de lado grande parte dos países da Ásia e do Médio Oriente. Também alguns acordos apenas se referiam a abordagens específicas, como o suborno, por exemplo. Assim, a comunidade internacional manifestou o interesse de delinear um acordo verdadeiramente global e capaz de prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas. Foi por isso que nasceu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
A convenção é composta por 71 artigos, divididos em 8 capítulos. Os mais importantes tratam dos seguintes temas: prevenção, penalização, recuperação de activos e cooperação internacional. São esses capítulos que requerem adaptações legislativas e/ou acções concomitantes à aplicação da convenção a cada país.
No capítulo que trata sobre prevenção da corrupção, a convenção prevê que os Estados Partes implementem políticas contra a corrupção efectivas que promovam a participação da sociedade e reflictam os princípios do Estado de Direito tais como a integridade, a transparência e a “accountability” (conjunto de práticas utilizadas pelos gestores para prestar contas e se responsabilizarem pelas suas acções), entre outros.
Os Estados Partes devem adoptar sistemas de selecção e recrutamento com critérios objectivos de mérito. Também devem tomar medidas para aumentar a transparência no financiamento de campanhas de candidatos e partidos políticos. Devem desenvolver códigos de conduta que incluam medidas de estímulo a denúncias de corrupção por parte dos servidores, e de desestímulo ao recebimento de ofertas, ou de qualquer acção que possa causar conflito de interesses. Os processos licitação devem propiciar a ampla participação e dispor de critérios pré-estabelecidos, justos e impessoais.
Também devem adoptar medidas para ampliar o acesso às contas públicas para os cidadãos e estimular a participação da sociedade nesse processo, além de adoptar medidas preventivas à lavagem de dinheiro. Finalmente, sublinha que a independência do Poder Judicial e do Ministério Público é fundamental para o combate à corrupção.
A convenção contempla medidas de prevenção da corrupção não apenas no sector público, mas também no sector privado. Entre elas: desenvolver padrões de auditoria e de contabilidade para as empresas; prover sanções civis, administrativas e criminais efectivas e que tenham um carácter inibidor para futuras acções; promover a cooperação entre os aplicadores da lei e as empresas privadas; prevenir o conflito de interesses; proibir a existência de “sacos azuis” nas empresas; e desestimular isenção ou redução de impostos a despesas consideradas como suborno ou outras condutas afins.
No capítulo sobre penalização e aplicação da lei, a convenção pede aos Estados Partes que introduzam em seus ordenamentos jurídicos tipificações criminais que abranjam não apenas as formas básicas de corrupção, como o suborno e o desvio de recursos públicos, mas também actos que contribuem para a corrupção, tais como obstrução da justiça, tráfico de influência e lavagem de recursos provenientes da corrupção. A penalização à corrupção é condicionada pela existência de mecanismos que permitam o sistema de justiça criminal realizar acções de detenção, processo, punição e reparação ao país.
Os Estados Partes devem obrigatoriamente tipificar como crime: o suborno a funcionários públicos, a corrupção activa a oficiais estrangeiros, a fraude e a apropriação indébita, a lavagem de dinheiro e a obstrução da justiça. Também devem, na medida do possível, tipificar as condutas de: corrupção passiva de agentes estrangeiros, tráfico de influências, abuso de poder, enriquecimento ilícito, suborno no sector privado e desvios de recursos no sector privado.
A convenção orienta os Estados Partes a considerar o suborno como crime e define-o como a promessa, a oferta ou a entrega, directa ou indirectamente, a um servidor público ou outra pessoa ou entidade, de uma vantagem indevida, a fim de agir ou de não agir no exercício de suas funções oficiais. Da mesma forma, quem solicita ou aceita essas mesmas vantagens indevidas, também comete o crime de suborno.
Os Estados Partes devem estabelecer como crime, quando cometido intencionalmente, a fraude, a apropriação indébita ou qualquer outro desvio de recursos por parte de funcionário público, em seu benefício, ou em benefício de terceiros, de qualquer propriedade, fundos públicos ou privados ou qualquer outra coisa de valor a ele confiada em virtude de sua função. O mesmo se aplica aos actos de converter, transferir, ocultar ou dissimular produtos oriundos do crime, e também a quem adquire, possui ou se utiliza desses produtos.
Também conta com um artigo que aborda a obstrução da justiça: influenciar testemunhas em potencial em posição de prover evidências, por meio do uso da força, de ameaças ou intimidação; e interferir no exercício da função de oficias ou membros da Justiça pelos mesmos meios.
O capítulo sobre cooperação internacional enfatiza que todos os aspectos dos esforços anticorrupção necessitam de cooperação internacional, tais como assistência legal mútua na colecta e transferência de evidências, nos processos de extradição, e acções conjuntas de investigação, rastreamento, congelamento de bens, apreensão e confisco de produtos da corrupção. A convenção inova em relação a tratados anteriores ao permitir assistência legal mútua mesmo na ausência de dupla incriminação, quando não envolver medidas coercitivas. O princípio da dupla incriminação prevê que um país não necessita extraditar pessoas que cometeram actos que não são considerados crimes em seu território. Mas a partir da convenção, esses requisitos se tornam mais maleáveis, pois a convenção prevê que mesmo crimes que não são definidos com os mesmos termos ou categoria podem ser considerados como equivalentes, possibilitando a extradição.
A extradição deve ser garantida nos casos de crimes citados pela convenção, e quando os requisitos de dupla incriminação são preenchidos. Os Estados Partes não devem considerar os crimes de corrupção como crimes políticos. E os estados que condicionam a extradição à existência de acordos podem usar a convenção como base legal. Se um país não extradita nacionais, deve usar o pedido do outro país como fundamento para um processo interno. Além disso, a convenção prevê que os Estados Partes busquem harmonizar suas leis nacionais aos tratados existentes.
Os Estados Partes podem recusar o pedido de extradição se for observada perseguição por género, raça, religião, nacionalidade, etnia ou opiniões políticas. Em todo o caso, ainda que não seja obrigatório, a convenção recomenda uma consulta ao país solicitante antes de uma recusa, a fim de possibilitar a apresentação de informações adicionais que possam levar a um resultado diferente.
A convenção prevê medidas mais amplas de assistência legal mútua em investigações, processo e procedimentos legais em relação a crimes previstos na própria convenção. Entre essas medidas, destacam-se a designação de uma autoridade central para receber, executar e transmitir pedidos de assistência legal mútua; a vedação à recusa de assistência legal mútua com base no sigilo bancário; e a possibilidade de a assistência legal mútua ser ofertada na ausência de dupla criminalização, desde que não haja medidas coercitivas.
Os Estados Partes deverão cooperar entre si para aumentar a eficácia da aplicação da lei e estabelecer canais de comunicação para assegurar o intercâmbio rápido de informações sobre todos os aspectos dos crimes abrangidos pela convenção. Também devem considerar a celebração de acordos bilaterais ou multilaterais que permitam a criação de órgãos mistos de investigação em relação às matérias que são objecto de investigações, processos ou acções judiciais em um ou mais Estados. Além disso, os Estados devem permitir a utilização de técnicas especiais de investigação, tais como a vigilância electrónica e outras formas de operações sigilosas, além de permitir a admissibilidade das provas obtidas por meio dessas técnicas nos tribunais.
A recuperação de activos é uma importante inovação e um princípio fundamental da convenção. Os Estados Partes devem apoiar-se entre si com extensas medidas de cooperação e assistência neste campo, a fim de fazer valer os interesses das vítimas e dos donos legítimos desses recursos.
Os Estados Partes devem solicitar às suas instituições financeiras a: verificar a identidade de seus clientes; determinar a identidade de beneficiários de contas volumosas; aplicar controle reforçado a contas mantidas por altos funcionários públicos; reportar transacções suspeitas às autoridades competentes; e prevenir o estabelecimento de bancos sem presença física.
Um artigo sobre recuperação directa foca na possibilidade de os Estados Parte terem um regime que permita a outro Estado Parte iniciar um processo civil para a recuperação de activos ou para intervir ou agir no processo doméstico para reforçar seu pedido por compensação. Dessa forma, os Estados Parte podem iniciar uma acção civil nas cortes de outra parte para estabelecer direito à propriedade de bens adquiridos por meio de corrupção.
E os tribunais devem poder ordenar culpados por corrupção a ressarcir outro Estado Parte, e reconhecer, em decisões de confisco, pedido de outra parte como legítima dona dos bens. A vantagem do processo civil mostra-se útil quando o processo criminal não é possível, pois a morte ou ausência do suspeito permite o estabelecimento de culpa com base nos padrões civis, com diferentes procedimentos processuais.
Os Estados Partes devem permitir que as suas autoridades cumpram uma ordem de confisco ou de congelamento por um tribunal de outro Estado Parte solicitante. Da mesma forma, devem considerar medidas que permitam o confisco, mesmo sem uma condenação no âmbito criminal, quando o acusado não pode ser mais processado por conta de sua morte ou ausência.
Como princípio geral, os Estados Partes devem alienar os bens confiscados, devolvendo-os a seus legítimos donos, tanto no que se relaciona à fraude e ao desvio de recursos públicos, quanto à lavagem de recursos obtidos ilegalmente. Para outros crimes de corrupção, os mesmo procedimentos devem ser adoptados, quando for razoavelmente estabelecida a legitimidade do dono. Em todos os outros casos, será dada prioridade ao retorno dos bens confiscados à parte solicitante, o retorno dos bens aos legítimos donos, ou a utilização para a compensação das vítimas.