Líderes da Frente Patriótica Unida (FPU) da Coreia do Norte, bloco da oposição, foram impedidos pela guarda presidencial de Kim Jong-un de entregar no Tribunal Supremo norte-coreano a sua posição sobre a actual situação sociopolítica do país. Ups. Desculpem. A similitude é tanta que fomos induzidos em erro. O caso não se passou na Coreia da Norte mas, isso sim, em Angola.
A situação foi relatada pelo coordenador geral da FPU e presidente da UNITA (o maior partido da oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite), Adalberto da Costa Júnior, o qual criticou o que chamou de “natureza violenta” do regime angolano.
“O que ocorreu, de facto, naquela rua da Presidência (à Cidade Alta, em Luanda) é que fomos impedidos de chegar ao Tribunal Supremo, é importante que o cidadão saiba que esta é a natureza do regime liderado por João Lourenço, disse Adalberto Costa Júnior aos jornalistas.
Recorde-se que, tal como na Coreia do Norte, o general João Lourenço é Presidente do MPLA, Presidente (não eleito) da República, Titular do Poder Executivo e – entre outros cargos – Comandante-em-Chefe das Forças Aramadas.
Para o líder da UNITA, “é importante que o regime reflicta a necessidade de reformar esta natureza violenta, uma natureza de não diálogo, que não é democrática e que não tem a liberdade de o cidadão circular normalmente junto das suas instituições”.
Imagens que circulam nas redes sociais mostram um cordão de viaturas afectas à guarda presidencial e os respectivos efectivos armados a bloquear a principal rua de acesso ao Tribunal Supremo para impedir a mobilidade dos responsáveis da FPU.
O documento da FPU, apresentado na quarta-feira, em conferência de imprensa (e que o Folha 8 divulgou sob o título “Ambição pelo poder está a destruir Angola”), retrata a monumental degradação do país, sublinhando que a crise que se vive em Angola tornou o quotidiano da maioria dos angolanos “um autêntico calvário”, tendo os responsáveis do bloco anunciado que iriam remetê-lo hoje às instituições estatais.
A caravana composta pelos líderes da FPU, nomeadamente, Adalberto da Costa Júnior e os coordenadores adjuntos Abel Chivukuvuku, Filomeno Vieira Lopes e Francisco Viana, entregou a primeira cópia do documento ao Protocolo da Presidência da República de Angola.
“Entregamos ao Protocolo da Presidência, por via de uma janela de grades na presidência, o que não é correcto”, realçou Adalberto da Costa Júnior, salientando que a caravana foi depois impedida de se dirigir à sede do Supremo Tribunal.
“Quem estava a dirigir a carta ao Tribunal Supremo eram líderes partidários, deputados na sua maioria e alguns membros do Conselho da República, numa postura cívica, mas que leva a algum nervosismo desnecessário (…). Esta Angola precisa de diálogo, reforma, de esperança e não de fome”, criticou.
O mesmo documento foi igualmente entregue na sede da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), onde a caravana da oposição foi recebida por um sacerdote.
DENG XIAOPING? NÃO. KIM JONG-UN? SIM
João Lourenço, o “Único”, tornou-se Presidente angolano em 2017 e em 2022 sem, tal como Eduardo dos Santos, ser nominalmente eleito. Tudo normal no reino. O MPLA, com base na sua superior lei da batota, ganha todas as “eleições”. Tudo normal… na anormalidade de um país que deixou de ser de partido único para passar a ser de um único partido.
O general prometeu ser reformador, ao estilo Deng Xiaoping, rejeitando a classificação de “Gorbachev angolano” (hipótese realçada, pela primeira vez, pelo angolano, Mestre da Lusofonia, Eugénio Costa Almeida), por suceder à prolongada liderança de José Eduardo dos Santos (38 anos no poder).
“Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não Gorbachev, Deng Xiaoping, sim”, afirmou João Lourenço.
Deng Xiaoping foi secretário-geral do Partido Comunista Chinês e líder político da República Popular da China entre 1978 e 1992, tendo criado o designado socialismo de mercado, regime vigente na China moderna e que posteriormente foi adaptado pelo MPLA para Angola.
Depois dos presidentes Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, João Lourenço assumiu que queria ficar na história de Angola pelo papel na recuperação económica do país. A recuperação económica continua a ser uma miragem.
“O Presidente Dos Santos é uma personalidade muito respeitada, tanto dentro do partido como por um conjunto da sociedade e não é anormal que o presidente do partido no poder não seja ele próprio o Presidente da República. Apenas para citar um caso, Donald Trump é o Presidente dos Estados Unidos mas não do Partido Republicano”, afirmou João Lourenço. Recordam-se?
O embaixador (extraordinário e plenipotenciário) de Angola naquela que é, para o regime do MPLA, a sua maior referência em matéria de direitos humanos, democracia e pluralismo político, a Coreia do Norte, Garcia Bires, afirmou em Janeiro de 2017, em Pequim, que era intenção do estado angolano manter e alargar a cooperação entre Angola e a Coreia do Norte nos mais diversos domínios.
Em Setembro de 2017, a ONU anunciou que estava a investigar possíveis violações ao embargo e sanções impostas à Coreia do Norte por parte de Angola (que foi membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas).
O diplomata angolano fez a declaração no termo de um encontro com o vice-ministro das Relações Exteriores da República Popular e Democrática da Coreia do Norte, Choe Hui Chol, tendo realçado que o MPLA/Estado pretendia reforçar e ampliar as relações já existentes.
Segundo Garcia Bires, a prioridade seria dada às áreas de saúde e solidariedade pela causa do povo coreano, que luta pela reunificação independente e pacifica da península coreana.
Choe Hui Chol considerou excelentes as relações entre Angola e o seu país, acrescentando que as relações entre Angola e a Coreia do Norte continuam a desenvolver-se conforme desejo e expectativa dos dois povos e governos.
O diplomata norte-coreano agradeceu a postura de Angola durante o mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que recomendou uma solução negociada na resolução do problema da península coreana.
Como também não poderia deixar de ser, Choe Hui Chol enalteceu o papel do embaixador João Garcia Bires, que tem sido determinante para o fortalecimento das relações entre os dois países.
Garcia Bires, que se fez acompanhar no encontro pelo conselheiro, Virgílio Zulumongo, era embaixador de Angola na Coreia do Norte, com estatuto de não residente.
Recorde-se que uma comissão de inquérito da ONU encontrou provas inequívocas de tortura, execuções e fome na Coreia do Norte, onde entre 80.000 e 120.000 pessoas se encontravam em campos prisionais. Foi uma estimativa que, reconheça-se, ofusca a história do 27 de Maio de 1977 onde o MPLA (pela mão do único herói nacional reconhecido pelo regime angolano, o assassino Agostinho Neto) matou muitos milhares de angolanos. Não havia campos prisionais. Era matar, matar e… matar. Para o MPLA, quem matar um cidadão é um criminoso, mas quem matar milhares (se possível da UNITA, o que não foi o caso nos massacres de 27 de Maio de 1977) é um herói.
A Assembleia-Geral da ONU (contra a divina vontade do regime do MPLA) encorajou na altura o Conselho de Segurança a denunciar a Coreia do Norte ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigação de crimes de guerra, mas a China (outro amigalhaço do MPLA) bloqueou uma tal medida, com o poder de veto que detém, enquanto membro permanente do Conselho.
Consta nos meandros políticos angolanos que o também “querido líder” Kim Jong-un quis estar presente na primeira tomada de posse de João Lourenço mas resolveu continuar a assistir ao lançamento de alguns mísseis e a dizer que Donald Trump parecia um “cão a ladrar”.
João Lourenço prometeu ser um reformador ao estilo Deng Xiaoping o que desagradou, com razão, a Kim Jong-un que, no mínimo, esperava que ele dissesse que queria ser um reformador do tipo Kim Il-sung.
Na mensagem de felicitações enviada a João Lourenço, Kim Jong-un não esqueceu a envergadura divina do presidente que então deixava o poder, José Eduardo dos Santos. Prometeu, aliás, instituir o dia 28 de Agosto (nascimento do emérito presidente do MPLA) como “Dia Internacional Eduardo dos Santos”. Mas logo mudou de ideias, substituindo-por João Lourenço.
Kim Jong-un prometeu igualmente adoptar uma parte do slogan usado pelo MPLA/João Lourenço: “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. O querido líder norte-coreano explica que, no seu país, só é preciso “melhorar o que está bem”, já que (como quase acontece em Angola) nada está mal.