VANDALISMO É CAUSA OU RESULTADO?

O Governo angolano propõe penas que podem ir até 25 anos para os crimes de vandalização de bens públicos, segundo uma proposta de lei que submeteu ao Parlamento, em resposta ao acentuado aumento, nos últimos anos, deste fenómeno. O melhor mesmo é vandalizar pessoas.

O relatório conjunto da Proposta de Lei dos Crimes de Vandalização de Bens e Serviços Públicos foi apreciado na Assembleia Nacional, para ir à votação, na generalidade, no dia 19 deste mês.

Em declarações à imprensa, o deputado relator, João Guerra, referiu que “tem que haver mesmo penas pesadas”, apontando o aumento do nível de vandalismo em todo o país nos últimos anos.

“Não é possível tirarem-se comunicações dos caminhos-de-ferro, porque pode provocar acidentes graves de comboio, como não é possível estar-se a tirar travessas e linhas também de caminho-de-ferro. Se nós entrarmos então para as questões ligadas à rede de distribuição de água é um Deus me acuda”, referiu.

Para o deputado, a única forma “mais fácil de resolver isso é criminalizar mesmo”, sublinhando a necessidade de se “tomar medidas sérias para quem tem esses actos”, que devem estender-se aos seus mandantes.

“Temos que nos compenetrar que essa acção tem que ser bem criminalizada, conforme disse, pode ser penas de 12 a 18 ou 20 anos, depende dos deputados, há que fazer aqui uma grande mobilização social. E parece-me que as igrejas e a sociedade civil já estão a fazer isso. Não pode ser uma criança de sete, oito, nove, 12 anos que põe na cabeça que vamos assaltar as transmissões do caminho-de-ferro, não é possível isso”, destacou.

Na proposta, a destruição de infra-estruturas de transporte (rodoviárias, ferroviárias e náuticas) poderá ser punida com penas de 20 a 25 anos de prisão, segundo avançou a agência noticiosa angolana, Angop.

De acordo com a proposta, a destruição de um bem público ou a perturbação de um serviço público pode ser punida com pena de prisão de cinco a dez anos, estabelecendo para a promoção do vandalismo uma penalização de dez a 15 anos de prisão e, se envolver infra-estruturas de transporte, um aumento para 20 a 25 anos.

O diploma estabelece penas entre três e oito anos de prisão para quem atentar contra a segurança dos bens e serviços públicos, como divulgar informações de segurança ou ameaçar destruir um bem público, sendo que o castigo pode ser agravado em um terço, se houver perigo efectivo para a vida ou a integridade física.

A proposta de lei prevê ainda penas para a transformação e exportação ilegal de bens públicos, de dez a 15 anos, e para a receptação de bens públicos de seis a 12 anos.

O executivo sublinha na fundamentação da proposta, que as acções de vandalização de bens e serviços públicos têm vindo a aumentar de forma exponencial, transformando-se em comportamentos frequentes com prejuízos sociais, económicos, financeiros inestimáveis, que afectam cadeias de energia, água, gás, combustíveis e meios transportes públicos.

DEPOIS DA PROPAGANDA A REALIDADE

Os bispos católicos angolanos disseram no dia 28 de Fevereiro que os angolanos estão a correr o risco de se habituarem à pobreza e de se acomodarem à miséria, lamentando a degradação socioeconómica da vida das famílias no país.

“O elenco dos problemas socioeconómicos que desafiam, afligem e sufocam a vida dos cidadãos e das famílias são sobejamente conhecidos e devidamente identificados. Os relatórios das dioceses e estudos sobre a nossa realidade social ilustram bem este quadro, a vida das famílias e dos cidadãos não está fácil”, disse o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), José Manuel Imbamba.

O arcebispo angolano considerou que tal situação deve-se a uma profunda crise de ética, exortando os cidadãos, gestores públicos e privados e políticos à uma análise de consciência.

“A minha convicção é que tudo o que de ruim estamos a viver e a experimentar deve-se a uma profunda crise de ética”, afirmou José Manuel Imbamba, quando falava na abertura da 1.ª Assembleia Plenária dos Bispos da CEAST deste ano, que decorreu na província de Malanje.

Para o prelado católico, a sociedade vive hoje uma era de fragmentação da consciência em relação às referências éticas: “Já não temos um quadro axiológico de unanimidade social como na sociedade tradicional”.

“A consciência do mal, do injusto e do pecado está a desaparecer vertiginosamente, já não incomoda, o sentido de honra e de dignidade já não encaixa no nosso perfil, o egoísmo ou o individualismo está a ofuscar e a banir o sentido do bem comum”, apontou.

Dom Imbamba referiu, por outro lado, que a fragmentação da consciência em relação às referências éticas atingiu “níveis degradantes e irresponsáveis que se traduzem na corrosão, nepotismo, compadrio, amiguismo, clubismo e na vandalização e delapidação dos bens públicos”.

O presidente da CEAST disse também que a produção interna “continua manietada”, a especulação dos preços dos produtos básicos continua em alta, afectando drasticamente o poder de compra dos cidadãos, as empresas angolanas continuam asfixiadas e muitas moribundas “por falta de ética”.

Os cidadãos “vão perdendo o respeito pelas instituições, a política já não visa o bem dos cidadãos, mas sim dos militantes, enfim, por falta de ética a religião tornou-se comércio e muitas igrejas transformaram-se em espaços de depravação, violência e desnorteio”, criticou.

“Esta é a nossa maior e a mais perigosa doença que lentamente nos vai corroendo por dentro”, notou.

O sacerdote defendeu que o país deve fazer uma “grande aposta” na ética aplicada ao serviço público, como instrumento de controlo, visando uma gestão ética do serviço público para não se cair “no descrédito e na inércia repetindo sempre os mesmos erros geradores da miséria, fome, injustiça, insatisfação e desespero”.

“A gestão ética do serviço público transformar-nos-á em cidadãos e funcionários sérios, honestos e responsáveis, exemplares, comedidos, competentes, comprometidos e desapegados, capazes de garantir uma execução à bom nível das políticas públicas traçadas pelo executivo e com um elevado sentido de pertença e de Estado”, concluiu José Manuel Imbamba.

Folha 8 com Lusa

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