PORTUGAL ENTROU BESTIAL E SAIU BESTA

O primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, afirmou hoje que o seu executivo não precisa de Portugal para se relacionar com a Europa e avisou que as autoridades portuguesas só conhecerão o acordo militar com a Rússia se for publicado.

Patrice Trovoada reagia às declarações do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que, na quinta-feira, afirmou desconhecer o acordo de cooperação militar assinado entre São Tomé e Príncipe e a Federação Russa, mas que vai querer conhecer o documento.

“Honestamente, ele quer conhecer como? Ele quer me pedir o acordo? Eu também tenho muita curiosidade em conhecer muitas coisas, mas sejamos claros: aqui há o respeito da soberania e há o respeito das regras diplomáticas, por conseguinte há coisas que não fazem sentido”, reagiu Patrice Trovoada.

“Se o acordo passar a ser publicado, ele [o Presidente português] tomará conhecimento como toda a gente, por conseguinte não estamos nessa fase e de momento é preciso que, de facto, as pessoas se acalmem”, acrescentou o primeiro-ministro são-tomense.

Patrice Trovoada reagiu também às declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, Paulo Rangel, que afirmou, na quinta-feira, que Portugal e “outros Estados europeus manifestaram estranheza, apreensão e perplexidade perante este acordo”.

“Isto é o problema do ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Nós temos relações bilaterais com muitos países e nós não precisamos de Portugal para nos relacionar com outros países, sejamos claros, se um país europeu quer manifestar preocupação, fala comigo, e não fizeram isso”, disse o primeiro-ministro são-tomense.

Trovoada sublinhou que São Tomé e Príncipe é soberano e relaciona-se “com toda a gente”.

“Eu dou muito bem com muitos países europeus, eu não preciso de passar por Portugal para falar com a Europa, se a Europa também precisa falar comigo não precisa passar por Portugal”, vincou.

Patrice Trovoada disse que o MNE são-tomense manifestou ao seu homólogo português “a necessidade de não estarem preocupados mais além com isso” e sublinhou que não pede para ver quando Portugal assina acordos com terceiros.

O chefe do Governo são-tomense enfatizou ainda que muitos países, incluindo os europeus, continuam a manter relações com a Rússia, apesar da guerra com a Ucrânia.

“Quando houve os atentados terroristas ultimamente na Rússia, os Estados Unidos propôs até o apoio à Rússia. Eu quero também lembrar que muitos países europeus, embora a situação de conflito com a Ucrânia, continuam a importar gás, petróleo e urânio da Rússia, o que em princípio deve servir para melhorar a situação financeira da Rússia, que, por sinal, deve servir também à Rússia a continuara a guerra com a Ucrânia”, declarou.

“Então, nós somos um país livre, independente, soberano, somos adultos e eu penso que do lado do Governo português não há nenhum problema”, acrescentou.

Patrice Trovoada disse que, do lado são-tomense, “as coisas estão claras, estão tranquilas” e o acordo com a Rússia “está em vigor” e vai ser efectivado.

“Não se vai fazer um bicho-de-sete-cabeças para uma coisa simples e não contem com São Tomé e Príncipe para o fazer. Nós somos um Estado livre e independente, nós cooperamos com os nossos amigos, nós não somos ingratos com os nossos amigos e, dentro dessa cooperação, dentro do cenário internacional, dentro das opções que nós fizemos, há uns com o qual andamos 10 metros, uns 100 metros, há uns com o qual não andamos, em função dos nossos interesses, e os outros fazem a mesma coisa em função do seus interesses”, disse Patrice Trovoada.

Segundo a agência de notícias oficial russa Sputnik, o acordo militar “por tempo indeterminado” foi assinado em São Petersburgo em 24 de Abril e começou a ser implementado em 5 de Maio, prevendo formação, utilização de armas e equipamentos militar e visitas de aviões, navios de guerra e embarcações russas ao arquipélago.

Cerca de 80% dos jovens são-tomenses querem abandonar o país em busca de melhores condições de vida, nomeadamente emprego e saúde, e muitos perderam esperança no desenvolvimento do arquipélago, indica um estudo do Conselho Nacional da Juventude são-tomense.

O secretário-geral do Conselho Nacional da Juventude (CNJ) de São Tomé e Príncipe, Laudino Tavares, afirmou que “o estudo provou que 78% dos jovens querem migrar. Quando nós vemos uma percentagem desse nível, de jovens que pensam sair do país, enquanto plataforma da juventude, isso preocupa-nos e preocupa-nos imensamente”.

Segundo o responsável, os inquiridos apontaram como motivos de querer emigrar a necessidade de encontrar melhores condições de vida, questões ligadas à saúde, e outros “vão aventurar-se por falta de oportunidade de emprego” em São Tomé e Príncipe.

“Um jovem que eu inquiria na altura disse-me que ele prefere ir para viver de baixo da ponte. Ficar em São Tomé é que ele não fica. […] No fundo os jovens estão dispostos a sair do país, não importa para ir fazer o quê lá fora. O importante é sair”, relatou o líder juvenil são-tomense.

O estudo foi realizado em 2022, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), quando São Tomé e Príncipe se preparava para as eleições legislativas, autárquicas e regional realizadas. Segundo Laudino Tavares, o documento não teve acolhimento dos partidos concorrentes às legislativas, nem do Governo de então liderado pelo ex-primeiro-ministro Jorge Bom Jesus.

“Fizemos questão de enviar o resultado do inquérito para todos os partidos políticos, depositámos nas sedes dos partidos políticos para colocarem estas preocupações nos seus manifestos eleitorais e isso infelizmente não aconteceu”, lamentou.

Após as eleições, o Governo são-tomense passou a ser liderado pelo primeiro-ministro Patrice Trovoada, líder da Acção Democrática Independente (ADI), que venceu as legislativas com maioria absoluta de 30 deputados.

O secretário-geral do CNJ considerou que, apesar da alternância, a imigração juvenil não parou de crescer e “tem sido o ‘calcanhar de Aquiles’ nos últimos meses”.

“Indubitavelmente isso tende a agravar-se, porque eu converso com os jovens diariamente e o que eu percebo é que ninguém quer ficar no país. Quando se pergunta sobre as causas de emigração, já conhecemos, então é necessário criar condições para que os jovens não sintam essa necessidade de emigrar”, sublinhou Laudino Tavares.

“Muita gente acredita que não há sinal de criação de condições para que os jovens fiquem no país”, acrescentou.

O estudo realizado pela maior plataforma da juventude são-tomense concluiu também que “a não participação juvenil nas votações eleitorais tem como principais causas a corrupção política e ausência do cartão de eleitor”.

Ainda assim, o secretário-geral do CNJ sublinhou que os dados do inquérito provaram que muitos jovens votam e votaram, sobretudo nas eleições presidenciais de 2021.

“Costumávamos pensar que a taxa de abstenção em São Tomé e Príncipe era um problema que vivia no seio da juventude, mas o inquérito que nós fizemos prova o contrário. De acordo com os resultados do inquérito, os jovens são-tomenses participam sim nas eleições, porque nós concluímos que em cada 10 jovens, oito participaram na eleição presidencial de 2021”, precisou Laudino Tavares.

Contudo, concluiu-se que “os jovens classificam a política em São Tomé e Príncipe como péssima” e “dizem que há muita corrupção”.

“Ao nível dos resultados do inquérito, os jovens não têm esperança quanto ao desenvolvimento do país. Isso é preocupante, é necessário que os líderes, que os governos comecem a pensar seriamente nisso para tentar devolver essa esperança à juventude, porque principalmente a juventude sem esperança é uma juventude morta e que está à deriva e disposta a ir para onde o vento a atirar”, referiu o secretário-geral do CNJ.

Durante a campanha de auscultação da população para a preparação do Orçamento Geral do Estado, o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, admitiu a preocupação do executivo perante a vaga de emigração jovem.

“Se a maioria da população é jovem e se 78% dessa maioria quer abandonar o país então o país também não tem futuro. […] Nós não podemos impedir os jovens de sair, mas nós temos consciência de que se nós não fizermos alguma coisa para o jovem encontrar o seu futuro aqui, amanhã quando vamos precisar de um jovem para trabalhar, não teremos jovens para trabalhar”, disse Patrice Trovoada durante a conversa com populares no distrito de Cantagalo.

O chefe do Governo são-tomense prometeu a realização de um inquérito para ouvir as ideias dos jovens a fim de “definir uma política que possa resolver o problema”.

Em Março de 2023, o ministro da Saúde são-tomense, Celsio Junqueira, disse à Lusa que o sistema de saúde de São Tomé e Príncipe está com carência de profissionais devido ao aumento da emigração de quadros para Portugal desde a facilitação de visto no âmbito do acordo de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

“Desde que Portugal tornou fácil o acesso à entrada, muitos profissionais de saúde têm saído, então alguns serviços começaram a estar em causa, deixaram de ter o mínimo que é necessário para trabalhar e garantir qualidade de serviço”, disse Celsio Junqueira.

Face à “vaga de emigração”, o ministro da Saúde, Trabalho e Assuntos Sociais foi autorizado pelo Governo a proceder à contratação de profissionais reformados para compensar a saída de quadros.

Folha 8 com Lusa

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