O Ministério Público (MP) angolano vem, cada vez mais, confirmando ser um comboio a vapor, guiado por um maquinista com habilitação de motociclista, insensível aos trilhos da Justiça. Em qualquer país civilizado o MP assenta num tripé principal: Democracia; Ordem jurídica; Direitos individuais e sociais. Em Angola, para desgraça colectiva, assenta em dois pilares: Dependência ideológica e Direitos colectivos difusos.
Por William Tonet
O mundo político ouviu o Procurador-Geral da República e assiste, estupefacto, ao procedimento intentado pelo Ministério Público; Mandado de Captura Internacional (MCI), qual cão de caça, na perseguição impiedosa de Isabel Dokolo dos Santos, considerada, hoje, presa fragilizada física e espiritualmente, depois da morte do considerado chefe da “matilha”: José Eduardo dos Santos.
Na política não há coincidências e quando os agentes públicos, com o dever de aplicar o Direito, abrem as comportas ideológicas, o livre arbítrio agiganta-se e o esgoto passa a ser o caminho da Constituição, das leis e da democracia.
A credibilidade e isenção do Ministério Público angolano pode ser escrutinado a todo o tempo, por não ter um tripé igual ao dos órgãos similares de países civilizados, de direito e democrático, independentes dos poderes, judicial, executivo e legislativo, por defenderem:
a) Democracia;
b) Ordem jurídica;
c) Direitos individuais e sociais.
Em Angola, pese a folclórica autonomia administrativa e financeira, no n.º 2 do art.º 1.º da Lei 22/12 de 14 de Agosto, o órgão PGR é nomeado e subserviente à vontade exclusiva do Presidente da República, pela blindagem do n.º 3 do art.º 8.º da Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público (Lei 22/12): “O Procurador-Geral da República recebe instruções directas do Presidente da República, no âmbito da representação do Estado pela Procuradoria-Geral da República”.
Ora, este ponto é bastante para a maioria dos Ministérios Públicos dos países estrangeiros, rejeitarem a extradição de um cidadão para Angola, por falta de garantia de um justo processo legal e possibilidade de haver o, essencial, contraditório. Mais a mais por a extradição, após mandado de captura internacional, não ser um processo administrativo peremptório, mas jurídico.
Após detenção, o agente, no caso Isabel dos Santos, é presente a um tribunal, onde o Ministério Público (estrangeiro) em posse da solicitação, enviada pela PGR/Angola com o libelo acusatório entregue pela secção internacional da Interpol, analisa, antes de a colocar na esfera do juiz.
Isso significa que Isabel se, hipoteticamente, vier a ser detida, no exterior, num país, com acordo de extradição com Angola ou ao abrigo dos tratados internacionais, não significa que ela seja, imediatamente, colocada num avião e enviada para o país. Não! Ela será presente, a um juiz de garantia, para este, após audição e convencimento, determinar as medidas de coacção: prisão cautelar ou TIR (Termo de Identidade e Residência), enquanto decorrer o processo de julgamento de extradição por MCI.
Aqui chegados, a agente (IS) tem direito a um justo processo legal e de esgrimir argumentos de razão e legais em sua defesa, sendo um dos quais denunciar receios e jurisprudência, sobre a ausência de garantias, perigo de vida, politização da justiça e dependência funcional da PGR ao Presidente da República, que sendo um governo unipessoal, pode determinar, selectivamente, os alvos a investigar e despojá-los dos seus bens móveis e imóveis, pelo texto da alínea l) do art.º 2.º da Lei 22/12 de 14 de Agosto: “Informar o Presidente da República sobre as violações da lei por parte de quaisquer organismos do Estado, de membros do Executivo e de outras entidades por si nomeadas, propondo, se for caso disso, as medidas reputadas adequadas”.
O fiscal da legalidade, para desgraça dos amantes da liberdade, sempre andou atrelado às ondas do poder e, hoje, no centro de um vulcão partidário, não arbitra o Direito nem a Lei, mas a ideologia e vaidade umbilical do detentor de um barco, cada vez mais à deriva, no alto mar, tanto assim é que o Ministério Público, empresta interpretação dúbia no art.º 68.º da Lei n.º 22/12 de 14 de Agosto, quanto à imparcialidade da instrução, investigação e justo processo legal.
As divagações jurídicas, a violação do segredo de justiça e, até questões de índole passional, passaram a constituir a grande arma de arremesso do Ministério Público contra os catalogados adversários, do(s) detentor(es) do poder político, como acontece com Isabel dos Santos & irmãos, apontados como sendo os únicos dilapidadores do erário público, nos 47 anos de governação “made in MPLA”, que pode ser presa, por um órgão marginal, sem respaldo legal; PGR por não administrar justiça em nome do povo, soberania exclusiva dos juízes. A al.ª d) do n.º 2, do art.º 9.º (Lei 22/12 de 14 de Agosto) diz: “Ordenar a prisão preventiva em instrução preparatória, validá-la, prorrogá-la ou substituí-la por outras medidas de coacção, nos termos da lei“.
Essa aberração legal apenas é partilhada pela Guiné Equatorial, cujo sistema é inquisitorial, no universo CPLP, inexistindo nos demais Estados de direito e Democrático.
Mais recentemente, no dia 14.11.22, na abertura do I Curso de Formação de Juízes de Garantia e Procuradores, no INEJ (Instituto Nacional de Estudos Judiciários), o vice-procurador Geral da República, Mota Liz, reconheceu a bestialidade jurídica, garantindo que à luz da reforma do sistema de justiça, a decisão “para decretar ordem de prisão no país vai passar a ser, nos próximos tempos, da responsabilidade dos juízes de garantia e não mais dos procuradores gerais adjuntos, como acontece nos dias de hoje”.
A inclusão desta norma, por revogação da actual, permitirá aos acusados em processo crime a possibilidade de uma defesa dos seus direitos fundamentais, significando ter o segundo homem da PGR ciência das ilegalidades que estão a ser cometidas hoje contra vários cidadãos, por violação da própria Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens.
E quando, para se apossarem do património, legítima ou ilegitimamente adquirido, se altera, propositadamente a Constituição, principalmente o art.º37.º (para alocar o confisco e nacionalização, em fase de instrução), acrescido de mais dois números, passando a ter nova epígrafe:
(Direito e limites da propriedade privada):
“1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da lei. 2. O Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais, só sendo permitida a requisição civil temporária e a expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da Constituição e da lei. 3. O pagamento da indemnização a que se refere o número anterior é condição de eficácia da expropriação.”
A estes, foram, para permitir a barganha, mais dois letais, de insegurança para os privados: “4. Podem ser objecto de apropriação pública, no todo ou em parte, bens móveis e imóveis e participações sociais de pessoas individuais e colectivas privadas, quando, por motivos de interesse nacional, estejam em causa, nomeadamente, a segurança nacional, a segurança alimentar, a saúde pública, o sistema económico e financeiro, o fornecimento de bens ou a prestação de serviços essenciais. 5. Lei própria regula o regime da apropriação pública, nos termos do número anterior”.
Com este rosário inconstitucional, pela insegurança jurídica do investidor privado, João Lourenço não consegue afastar a suspeição sobre a selectividade dos adversários e a perversão da reforma parcial da Lei mãe.
Depois desta e a consequente perseguição aos Dos Santos e próximos ficou afastado, definitivamente, o carácter geral e abstracto das leis, ao direccioná-la, quase exclusivamente, contra Isabel dos Santos, como demonstram, com a engenharia acima da Constituição, os arrestos de contas empresariais, individuais, unidades fabris e comerciais, no país e estrangeiro e, mais recentemente, as acções da UNITEL (25%), que foram, abruptamente, nacionalizadas, ao arrepio dos preceitos gerais do direito e democracia.
O art.º 1.º (Objecto) da Lei n.º 15/18 de 26 de Dezembro, Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perca Alargada de Bens diz: “A presente Lei estabelece as condições para o repatriamento coercivo de activos financeiros e a perda de bens a favor do Estado, decorrentes de condenação em processo penal, independentemente de estarem domiciliados ou sedeados no estrangeiro ou em território nacional”.
A grande verdade é o DNIAP da PGR andar em sentido contrário, violando, flagrantemente, a norma jurídica, a que estão sujeitos, porquanto a nacionalização de 25% das acções na UNITEL, sem que antes se saiba, qual é a dívida que o Estado, que teve cinco anos para investigar, reclama, contrariam o espírito e a letra do art.º 5.º (Património incongruente) da Lei 15/18 de 26 de Dezembro: “Para efeitos da presente Lei, considera-se património incongruente a diferença entre o valor do património do agente e o que seria compatível com o seu rendimento lícito”.
Nesta esquina, importa saber: quanto valem os 25% na UNITEL? Qual o montante reclamado pelo Executivo? Tudo para não se passar a imagem, a nível interno e externo, de haver injustiça, selectividade, perseguição e litigância de má-fé, elementos com incidência na decisão de extradição, havendo convicção do juiz da causa, haver fortes falhas processuais em prejuízo da acusada…
Ademais, Isabel dos Santos pode, sendo detida (através MCI), no Dubai, Londres ou Lisboa evocar um outro elemento de força: o MIREX (Ministério das Relações Exteriores) e o SME (Serviços de Migração e Estrangeiro) de Angola, se terem recusado, há mais de dois anos, a renovar o seu passaporte.
Hasteados os princípios da discriminação e selectividade, eles serão bastantes para impedir o deferimento de extradição por parte de um juiz imparcial, até mesmo a julgar pela forma como foi encaminhado o pedido.
Por outro lado, a julgar pelos efeitos na União Europeia da invasão da Rússia à Ucrânia e expulsão dos oligarcas russos do Reino Unido, tudo indicia, poder, Isabel dos Santos ter nacionalidade britânica e por força da lei, não ser extraditada.
A farta jurisprudência do Reino Unido, blindada contra “sistemas brutais” e violadores de países que não sejam confiáveis, quanto ao respeito dos direitos fundamentais, por vezes, mesmo se tratando de cidadão estrangeiro, nega.
No 25 de Março de 2019, a “Senior District Judge Arbuthnot” do Reino Unido recusou a extradição de um cidadão brasileiro, baseada em dois aspectos principais: a justiça brasileira teve vários meses para enviar diversos documentos solicitados pelo Tribunal da Inglaterra devidamente traduzidos e, quando o fez, foi de forma incompleta, incorrecta, além de não ter dado garantias suficientes acerca das condições em que a pena seria cumprida e como seria o tratamento do agente assim que entrasse no superlotado sistema prisional brasileiro.
O advogado de defesa, Mathaus Agacci, secundado por Anderson Almeida, dupla do Agacci & Almeida Advocacia, bem como o escritório Lloyds PR Solicitor de Londres, exploraram as debilidades do pedido, assentes entre outros na deficiente tradução e argumentos raivosos da justiça brasileira, contra José Vieira, de 60 anos, com dupla nacionalidade; brasileira e italiana, acusado de alegado crime de homicídio no Brasil.
A decisão assente na força dos costumes, foi oral e transitado em julgado na Inglaterra, o indiciado viu revogada a prisão preventiva domiciliar, restabelecidos todos direitos de permanência e de circulação no Reino Unido e Europa, tendo-lhe sido entregue e à família os passaportes, pela Suprema Corte Inglesa.
O receio do arguido enfrentar um sistema vingativo de viés inquisitorial ditou a negação da extradição pese haver um Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e o Reino Unido.
Angola oferece condições e garantias superiores às do Brasil, no caso de Isabel ser detida no Reino Unido e não ter a nacionalidade britânica? As fragilidades e o império da raiva, que impera contra os próximos do falecido presidente Dos Santos, não poderão ser evocadas em tribunal, como causa justificativa para negação do pedido de extradição?
Na Rússia, sendo nacional, pelo “jus solis”, nasceu em Baku, antiga URSS, seguramente, pelas relações que a mãe tem com as famílias Putin e Medvedev, nem com o Angosat 2, será extraditada.
Agora, quando o Procurador-Geral da República diz: “Já demos todas as oportunidades a Isabel dos Santos e ela não soube aproveitar”, falando fora do processo, escancara a “pirotecnia” do Ministério Público, que ou traz ou vaza o processo para a praça pública, para, previamente, condenar os adversários e perseguidos do regime.
Por outro lado, colhe o Mandado de Captura Internacional, quando na Assembleia Nacional se discute um texto proposto pelo Titular do Poder Executivo, sobre uma Lei de Amnistia? Não!
Por outro lado, Isabel nega as notificações, desmentindo a retórica do Procurador-Geral da República, general Pitta Gróz, de não saber do seu paradeiro, pois “sempre soube onde me encontrar, com disponibilidade de colaborar com a justiça, para provar, o contrário da maioria das acusações e mentiras“.
Recorde-se ter sido por iniciativa do PGR, que, com o general Furtado se reuniram (com IS), por altura do falecimento do pai, “antes de ter sido engendrado o roubo do seu cadáver de Espanha, para Luanda, com restrições e proibições dos filhos mais velhos, sobrinhos e próximos de JES, catalogados poderem estar presentes“, disse ao Folha 8, Mariano Bento, sobrinho do malogrado, acrescentando ser “estranha a obsessão de João Lourenço em perseguir a nossa família, não estando contente com a morte do tio (JES) e agora pretender matar a Isabel e depois a Tchizé e os outros, como se fosse uma promessa satânica para se perpetuar no poder. Será que só os filhos e familiares de Dos Santos beneficiaram e ele e os filhos, são pobretões?”.
Estranha é a visão “esquecionária” da liderança do regime ao discriminar os filhos de Dos Santos, quando a maioria dos seus, enviados para as melhores escolas e faculdades ocidentais, visando a substituição, carimbam, hoje, lugares fixos nas cúpulas partidária (comité central e bureau político), administrativa e financeira, sendo os actuais “young millionaire” (jovens milionários).
Os cinco anos demonstraram que o Executivo de João Lourenço perde mais com estes métodos de perseguição e prisão, sendo a EFACEC, nacionalizada por Portugal, por erro da PGR. Caso houvesse um verdadeiro interesse em recuperar activos e não plantar vinganças e as negociações, estariam no topo das opções.
O MPLA, criador do capitalismo selvagem, onde todos roubaram ou beneficiaram, mas apenas uns poucos, considerados os que roubaram mais estão a ser perseguidos, para os retirar tudo. Deixá-los nus, sem boxers, nem bikinis, ainda que tenham conseguido multiplicar o dinheiro, criando empresas e gerando empregos.
A opção de uma justiça restaurativa, onde o agente é obrigado a ressarcir, no imediato, sem o arrastar judicial, combateria mais o desemprego, consolidaria a estabilidade social e a rotação de capital.
Nestes cinco anos a estratégia de JLO é perdedora. Acumula prejuízos, asfixia a sociedade e destila raiva. Isabel ganhou, transmitindo, para a sociedade o papel de vítima, por ter todo um executivo, apostado na sua destruição económica e encarceramento, ao invés de ser chamada a negociar, como angolana, para multiplicar postos de trabalho e aumentar o pagamento de impostos, para os cofres do Estado. Seria condenada, em 8 ou 12 anos, em implantar em cada uma das 18 províncias, um Candando, com duas ou três filiais, um centro médico e uma escola, sendo ela a custear as despesas administrativas e com o pessoal, durante o período de condenação. Resultado, o país ganharia, pois haveria maior oferta de empregos, depósitos bancários e estabilidade social, diferente da situação actual.
O processo de extradição poderá ser longo e arrastar-se para lá do mandato de João Lourenço, tempo bastante para perdermos mais património no exterior a favor de estrangeiros e estes dominarem ainda mais a economia, tornando-se, institucionalmente, nos novos colonos, não deixando aos angolanos outra opção, senão a de uma revolução social de ampla indignação.
Finalmente é preciso a PGR aprimorar tecnicamente os argumentos jurídicos para não serem facilmente desnudados como sendo a sua acção, uma farsa processual fraudulenta, pueril, falsa e de litigância de má-fé, enquanto órgão importante para a boa administração da justiça.
O órgão fiscalizador da legalidade não deveria permitir ser considerado promotor de uma gamela onde se “cozinham” manifestações criminosas e antidemocráticas atentatórias ao Estado de Direito e Democrático, com carta branca para o cometimento de crimes comuns com a finalidade de tumultuar com a Constituição e a equidade dos cidadãos.