ONU (TAMBÉM) BRANQUEIA ASSASSINOS

O fim das celebrações do centenário de Agostinho Neto, o genocida que mandou matar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977, aconteceu esta semana na sede da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris, com uma exposição fotográfica e uma homenagem onde governantes angolanos (do MPLA) e internacionais (cobardes e mercenários) evocaram a memória do antigo Presidente.

“Entre os angolanos, há o profundo reconhecimento da figura de Agostinho Neto, amamo-lo enquanto fundador da nação, enquanto primeiro Presidente de Angola, enquanto instigador da luta de libertação nacional, mas também a relevância do trabalho literário que produziu”, disse Adão de Almeida, ministro do Estado e chefe da Casa Civil do Presidente de Angola, perante os convidados em Paris. Nada a opor. Os sipaios do MPLA têm de dizer o que lhes manda dizer, sendo que por regra não sabem o que dizem nem dizem o que, eventualmente, sabem.

A noite de quinta-feira na sede da UNESCO, véspera do aniversário da suposta independência de Angola, foi repleta de homenagens ao primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, assassino considerado pelo MPLA como o único herói nacional do reino esclavagista. A UNESCO associou-se à celebração do centenário do seu nascimento e foi em Paris que as celebrações chegaram ao fim.

Sam Nujoma, antigo Presidente da Namíbia e companheiro de lutas independentistas de Agostinho Neto, enviou uma mensagem em vídeo, assim como o bispo Emílio de Carvalho. Também uma mensagem de Joaquim Chissano, antigo Presidente de Moçambique, foi lida no palco. Luzia Inglês, presidente da Organização Pan-africana das mulheres, e Augusta Conchiclia, amiga de Agostinho Neto, partilharam com os convidados as suas vivências com o poeta. Enquanto isso, amesquinharam a memória dos cerca de 80 mil angolanos que Agostinho Neto mandou assassinar.

“Durante este ano do centenário do nascimento de Agostinho Neto, ouviram-se na UNESCO os seus poemas, cantaram-se as suas obras, contou-se a sua história nas paredes desta nossa casa comum e deixaram-se marcas indeléveis nos nossos corações. […] Ficou claro que Agostinho Neto não é e não foi apenas uma figura histórica de Angola ou um símbolo para África, mas sim uma figura incontornável para o mundo”, declarou a embaixador do MPLA na UNESCO, Ana Maria d’Oliveira.

A Companhia de Dança Contemporânea de Angola, que está a celebrar os seus 30 anos, fez a apresentação da peça “Isto é uma mulher?”, das coreógrafas Ana Clara Guerra Marques e Irène Tassembédo.

Na última semana, a UNESCO teve nas suas paredes uma extensa exposição de fotografia sobre a vida de Agostinho Neto, desde a sua família e juventude em Angola, passando pelo período que viveu em Portugal, a guerra da independência e a vivência como primeiro Presidente de Angola. Foi uma operação de branqueamento bem sucedida mas que, apesar dos esforços do MPLA, nunca conseguirá fazer a verdade prescrever.

27 de Maio de 1977 – um holocausto “made in MPLA”

Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.

João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente angolano.

“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou.

João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre o MPLA e o primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.

Em causa estava (continua a estar) o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.

Carlos Pacheco disse na altura que a obra resultou de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.

“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado do bureau político.

Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que então falava em representação do bestial chefe de Estado, José Eduardo dos Santos (depois considerado pelos seus anteriores bajuladores uma besta), sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.

“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.

“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.

“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.

Como em 1977, a verdade mete medo aos donos do poder

Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha) na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.

Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?

Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.

O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?

Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.

Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.

Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.

Esta demonstração de força, serviu para esclarecer que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.

Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.

É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?

Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..

Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.

Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, também foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.

“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.

Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.

Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.

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