O QUE É QUE O BRASIL TEM E ANGOLA NÃO?

O plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil elegeu por unanimidade o juiz Alexandre de Moraes como presidente a partir de Agosto, antes das eleições presidenciais do país, que serão disputadas em Outubro. O juiz também ocupa uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, onde é relator de vários inquéritos que envolvem o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

A sua actuação como juiz nestes inquéritos, que desagradam ao chefe de Estado, já motivaram uma tentativa de destituí-lo promovida por Jair Bolsonaro, mas que não obteve sucesso.

Alexandre Moraes, que actuou como ministro da Justiça entre Maio de 2016 e Fevereiro de 2017 no Governo do ex-presidente Michel Temer, substituirá o juiz Edson Fachin e comandará o TSE até Junho de 2024. O vice-presidente do Tribunal Eleitoral brasileiro será o juiz Ricardo Lewandowski.

O plenário do TSE é composto por sete juízes, sendo três indicados pelo Supremo Tribunal Federal, que actua como tribunal constitucional e também como a última instância da justiça brasileira. O comando do TSE é sempre ocupado pelos membros do Supremo Tribunal Federal.

A nomeação de Alexandre Moraes como chefe da Justiça eleitoral ocorre num momento em que Jair Bolsonaro tem atacado este tribunal, onde é investigado por disseminação de notícias falsas.

Após a sua nomeação, Alexandre Moraes comentou que os eleitores brasileiros “não merecem a proliferação de discursos de ódio e de notícias fraudulentas” e adiantou que não vai tolerar “que milícias pessoais e digitais” ataquem a democracia no Brasil.

O novo presidente do TSE prometeu “eficiência, segurança, transparência e respeito à soberania popular” alguns meses antes das próximas eleições gerais no Brasil marcadas para Outubro e sobre as quais Jair Bolsonaro, sem apresentar provas, tenta semear dúvidas questionando a imparcialidade do tribunal e as urnas de votação.

De acordo com uma investigação da Polícia Federal, o Presidente brasileiro também terá sido beneficiado pela acção das chamadas milícias digitais, que sistematicamente agem em favor dele divulgando informações falsas e atacando instituições do Estado brasileiro.

O Brasil “jurisdicionalizou”, com o Código Eleitoral de 1932, o processo eleitoral, com a criação da Justiça Eleitoral. É dizer, o órgão que aplica o processo eleitoral, no Brasil, e que administra as eleições, preparando-as, realizando-as e apurando-as, é a Justiça Eleitoral.

A Justiça Eleitoral foi criada pelo Código Eleitoral de 1932, com base no famoso Tribunal Eleitoral da República Checa, de 1920, que teve a inspirá-lo o génio jurídico de Hans Kelsen. A Constituição de 1934 constitucionalizou a Justiça Eleitoral. A Carta Política de 1937, compreensivelmente, ignorou-a.

Compreensivelmente, porque a Carta de 1937 simplesmente dava forma jurídica à ditadura do Estado Novo. Ora, onde não há liberdade, onde não há democracia, não pode haver Justiça Eleitoral.

O raiar da democracia, em 1945, trouxe ao Brasil, com a Lei Constitucional nº 9, de 28.2.45, novamente, a Justiça Eleitoral. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei nº 7.586, de 28.5.45, que recriou o Tribunal Superior Eleitoral e um Tribunal Regional em cada estado e no Distrito Federal. O TSE instalou-se no dia 1º de Junho de 1945.

Corajosamente, foi o TSE que, respondendo a uma consulta que lhe foi formulada pelo Partido Social Democrático e pela Ordem dos Advogados do Brasil, estabeleceu que “o Parlamento Nacional, que será eleito a 2 de Dezembro de 1945, terá poderes constituintes, isto é, apenas sujeito aos limites que ele mesmo prescrever”. Ou seja, a Assembleia que votou a Constituição de 1946 investiu-se de poderes constituintes originários, por força de decisão do Tribunal Superior Eleitoral.

A Constituição de 1946 e as demais — a de 1967, com ou sem a Emenda Constitucional nº 1/69, e a de 1988 — constitucionalizaram a Justiça Eleitoral.

A Justiça Eleitoral foi instituída para o fim de realizar a verdade eleitoral, a verdade das urnas. Esta é a sua missão básica, fundamental, como condição da democracia.

A instituição da Justiça Eleitoral no Brasil foi consequência do movimento revolucionário de 1930, que tinha como uma das principais bandeiras a moralização das eleições no país, já ressabiado com as fraudes e violências em matéria eleitoral que marcaram toda a República Velha.

O jurista piauiense João Crisóstomo da Rocha Cabral foi o relator da 19ª Comissão Legislativa, da qual faziam parte J.F. Assis Brasil e Mário Pinto Serva, criada em 1930 por Getúlio Vargas, então chefe do Governo Provisório, encarregada de elaborar o anteprojecto do Código Eleitoral

Segundo João Cabral, que veio a integrar o Tribunal Superior da Justiça Eleitoral na década de 1930, existia no Brasil uma aspiração geral em retirar o processo eleitoral do arbítrio dos governos e da influência conspurcadora do caciquismo local, e que a instituição de um órgão judiciário encarregado tanto do alistamento eleitoral quanto de todas as funções judicantes e administrativas do processo eleitoral tinha como objectivo acompanhar a evolução do controle desse processo, já experimentado por outros povos civilizados.

A Justiça Eleitoral foi criada através do Decreto nº 21.076, de 24 de Fevereiro de 1932, que também instituiu o primeiro Código Eleitoral brasileiro. No ano seguinte, a 3 de Maio, realizou a primeira eleição totalmente administrada pela Justiça Eleitoral, para escolha dos representantes do povo em Assembleia Nacional Constituinte.

Na instituição da Justiça Eleitoral, o Decreto nº 21.076 adoptou um sistema em que se aproveitou as estruturas judiciárias já existentes (quadros judicantes e pessoal administrativo). Foi criada então uma magistratura especial e federal, dividida em três instâncias: um Tribunal Superior, um Tribunal Regional em cada estado, no Distrito Federal e no Território do Acre, e juízes eleitorais singulares (juízes de direito) em cada comarca. Foi instituída ainda a rotatividade dos membros dos tribunais eleitorais, não podendo os mesmos servirem por mais de dois biénios consecutivos.

A Constituição de 1934 inseriu a Justiça Eleitoral como órgão do Poder Judiciário. Com o golpe do Estado Novo, em Novembro de 1937, instalou-se a ditadura no Brasil, quando foram dissolvidos o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas e as câmaras municipais, e extintos os partidos políticos e a Justiça Eleitoral.

Depois, em 1945, veio a redemocratização do país e a urgente necessidade de realização de eleições para presidente da República, senadores e deputados federais, representantes do povo na Constituinte. Através do Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de Maio de 1945, é instituída a Justiça Eleitoral e regulamentada toda a matéria eleitoral. Foram instituídos os seguintes órgãos da Justiça Eleitoral: um Tribunal Superior Eleitoral, tribunais regionais em cada estado e no Distrito Federal e os juízes eleitorais nas comarcas.

Desde a sua criação, em 1932, a Justiça Eleitoral tem mantido a sua estrutura, com poucas alterações relativas à composição dos tribunais. A composição dos tribunais regionais eleitorais é determinada pela Constituição Federal de 88, que se dará através de:

Eleição pelo voto secreto de dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça; de dois juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; Ide um juiz do Tribunal Federal com sede na capital do estado ou no Distrito Federal ou, não havendo, de juiz federal, escolhido pelo Tribunal Regional Federal respectivo; por nomeação pelo presidente da República de dois juízes, dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça. O TRE elege o seu presidente e vice-presidente dentre os desembargadores.

UNITA (TAMBÉM) DEFENDE UM TRIBUNAL ELEITORAL

O grupo parlamentar da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, defendeu no passado dia 24 de Março a necessidade de se instituir um Tribunal Eleitoral “respeitador da vontade soberana do povo, que organiza eleições livres, justas, transparentes, democráticas e credíveis”. Como não custa sonhar que o país é o que não é, um Estado de Direito Democrático…

A posição foi expressa pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, no período das Declarações Políticas, durante a terceira reunião plenária ordinária da 5ª sessão legislativa da IV legislatura da Assembleia Nacional.

Numa análise ao processo organizacional das eleições do dia 24 de Agosto, Liberty Chiaka disse nesse dia que o registo eleitoral oficioso tinha decorrido em todo país “com inúmeras dificuldades de ordem material, técnica e humana”.

Folha 8 com Lusa e Tribunal Superior Eleitoral do Brasil

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