A ministra da Saúde angolana, Sílvia Lutucuta, manifestou-se hoje preocupada com o resultado da testagem em massa à Covid-19, em curso na província de Luanda, que aponta para a infecção de 25 pessoas em cada 100 indivíduos. Isto numa altura em que o Presidente João Lourenço autorizou admissão excepcional de 7.350 profissionais de saúde.
Sílvia Lutucuta falava no mercado do quilómetro 30, município de Viana, onde se regista pelo segundo dia uma testagem massiva de cidadãos para aferir a real situação da pandemia no país, caracterizada desde 15 de Dezembro pelo aumento de casos e confirmação da presença da variante Ómicron.
“O resultado de ontem [segunda-feira] preocupa-nos, a média de 25% de taxa de positividade, quer dizer que, em cada 100, 25 pessoas estão infectadas. Da análise inicial ainda feita, quer dizer que a maior parte das pessoas positivas tinham alguma manifestação clínica em determinado momento”, referiu Sílvia Lutucuta, na sua intervenção no mercado divulgada pela rádio pública angolana.
De forma lateral, mas pedagógica como é timbre do Governo, registe-se que a ministra explicou (e bem) que 25% significa que em cada 100 há 25…
A testagem em massa arrancou segunda-feira no cento de Luanda, nomeadamente no Largo das Escolas, Largo da Mutamba e Hospital Josina Machel, prosseguindo hoje nos mercados do quilómetro 30, em Viana, e Catinton, na Maianga.
“Nós escolhemos pontos estratégicos, o mercado do 30 em que temos aqui um misto de pessoas, que vêm de todo o lado, até alguns de outras províncias, estamos também no mercado do Catinton, que também é uma placa giratória importante comercial. Hoje continuamos no Josina Machel, ontem estivemos na Mutamba e Largo das Escolas”, salientou a ministra.
A titular da pasta da Saúde apelou à população para a vacinação, uma vez “que a vacina na realidade salva vidas e ajuda a reduzir o impacto negativo desta pandemia nas pessoas”.
Segundo Sílvia Lutucuta, com o aumento exponencial de casos e com a estirpe Ómicron em circulação, as autoridades sanitárias pretendem saber qual a realidade da pandemia em Luanda, o foco da doença.
“Como é que estamos na realidade, quem são os grupos populacionais mais afectados, sexo masculino, sexo feminino, se temos muitas pessoas assintomáticas, ou que são literalmente assintomáticas, saber se está a afectar pessoas vacinadas, não vacinadas, como é que está o grau de infecção nas pessoas com comorbidades e saber também quais são os principais focos”, disse.
A par da testagem, prosseguiu a ministra, equipas médicas estão a fazer a estratificação de risco, avaliar se as pessoas têm comorbidades, se têm sintomas, se são leves, se são moderados.
“Na sua maioria são sintomas leves e está-se a fazer a prescrição de medicamentos e aconselhamento de como cumprir com o isolamento domiciliar em segurança”, frisou.
Angola registou nas últimas 24 horas, 1.945 casos confirmados, quatro óbitos e 10 recuperados da doença. Por esta altura, o país apresenta um cumulativo de 73.697 casos positivos, dos quais 7.918 estão activos, 1.753 óbitos e 64.026 recuperações.
A nova variante, a Ómicron, considerada preocupante pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi detectada na África Austral, mas desde que as autoridades sanitárias sul-africanas deram o alerta, a 24 de Novembro, foram notificadas infecções em pelo menos 110 países, sendo dominante também em Portugal.
Entretanto, o Presidente João Lourenço autorizou a admissão, a título excepcional, de 7.350 profissionais de saúde, não admitidos no concurso público de 2019 por insuficiência de vagas, entre técnicos médios de enfermagem, vigilantes, maqueiros, secretário clínico e outros.
João Lourenço, em despacho presidencial 218/21 publicado em Diário da República de 23 de Dezembro de 2021, justifica a medida pela necessidade de satisfazer as carências de recursos humanos no sector.
Segundo o diploma legal, devem ser admitidos somente os profissionais concorrentes nas categorias e lugares ocupacionais de técnicos superiores de 2.ª classe, técnicos médios de enfermagem de 3.ª classe, condutores de ambulâncias de 3.ª classe e secretários clínicos de 3.ª classe. Foram igualmente aprovados os ingressos de vigilantes de 3.ª classe e maqueiros de 3.ª classe.
Os candidatos “devem ser seleccionados atendendo aos critérios da necessidade do sector, especialidade, da nota mais alta obtida no exame e da mobilidade geográfica”.
“Na aplicação dos referidos critérios, deve o departamento ministerial (Ministério da Saúde) assegurar a adequada cobertura do território nacional”, lê-se no despacho.
A carência de recursos humanos no sector da saúde tem sido apontada reiteradamente pelos sindicatos dos médicos e dos enfermeiros de Angola.
Recorde-se que o Governo aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades. Esta informação consta de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que só a capital estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.
O mesmo decreto definia que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.
O Governo anunciara em Abril desse 2016 que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.
O ingresso como médico interno geral seria feito agora por contrato individual de trabalho celebrado com o Ministério de Saúde, pelo período de um ano, renovável automaticamente.
“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.
A informação constava de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual foi “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.
O Governo previa gastar o equivalente a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimentos da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutivo, voltavam a ficar congeladas, segundo o OGE para esse ano.
Para 2016 estava prevista uma verba de 1,497 biliões de kwanzas (cerca de 7,9 mil milhões de euros) com o pagamento de vencimentos e contribuições sociais da Função Pública.
E no terreno como é?
O médico angolano Maurílio Luyela considerava em 2016 que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola era (como continua a ser em 2021) o resultado da má gestão dos recursos financeiros e humanos por parte do Ministério da Saúde.
O especialista em saúde pública disse à VOA que o sector debatia-se com a falta de pessoal qualificado porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialistas angolanos que se formam nas faculdades do país.
Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipamentos hospitalares.
“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalares e não há técnicos suficientes para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá-los”, acusou.
Folha 8 com Lusa