O governo angolano (que há 45 anos é exclusivamente do MPLA) anunciou hoje que vai passar a importar a granel produtos da cesta básica, no valor mensal de 60 a 85 milhões de euros, em vez de os adquirir já embalados, de modo a “poupar divisas” e apoiar a economia local. Em vez de, pelo menos, tentar pôr o país com níveis de produção alimentar como os que registava em 1973/74, o MPLA descobre a pólvora com a compra a granel…
A informação foi avançada hoje pela directora nacional do Comércio Externo, Augusta Fortes, referindo que a importação de 15 produtos da cesta básica a granel, a partir de Junho próximo, vai “poupar divisas e criar mais riqueza” para o país.
“O país gasta mensalmente 70 a 100 milhões de dólares (59 a 84 milhões de euros) na importação de produtos da cesta básica embalados, logo e se olharmos para esse produto final incorporado às embalagens então é uma oportunidade de negócio para as empresas”, afirmou a responsável.
Para Augusta Fortes, que falava hoje na cerimónia de apresentação das novas regras sobre a importação de produtos pré-embalados, com esta medida o país vai igualmente “potenciar a indústria de processamento e embalamento” bem como “criar mais empregos directos e indirectos”. Ou seja, em vez de se ensinar os angolanos a pescar, o Governo vai importar peixe (a granel) para ajudaras empresas locais do sector das embalagens. É obra.
O decreto executivo nº63/21 de 17 de Março estabelece novas regras sobre a importação de produtos da cesta básica pré-embalados que passará a ser feita obrigatoriamente em “big bags” (embalagens de grandes dimensões) para a acomodação de produtos a granel.
O documento apresentado oficialmente hoje, em Luanda, aos operadores do sector, empresários, académicos e jornalistas, determina que a partir de 17 de Junho próximo 15 produtos da cesta básica passarão a ser importados em grandes embalagens.
Augusta Fortes deu conta que o recurso a “big bag” passará a ser regra para a importação de açúcar, arroz, farinha de trigo e de milho, feijão, leite em pó, óleo alimentar, ração animal, sal grosso e refinado, sêmola de trigo, carne de porco e de vaca, margarina e sabão.
O diploma legal, distribuído no encontro, prevê igualmente excepções de importação em pequenas embalagens, de 1 a 5 quilogramas, de arroz, farinha de trigo e de milho, feijão, açúcar, leite em pó, óleo alimentar e sal.
No caso da importação de conservas de frutas ou vegetais, detergentes em pó e massa de tomate, observou a responsável, a importação a granel “é obrigatória a partir de 2022”.
A medida, assegurou a directora nacional do Comércio Externo angolano, “está alinhada” com os pressupostos da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A Administração Geral Tributária, a Polícia Fiscal e a Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar angolana são os órgãos encarregues da fiscalização (a granel) do cumprimento das disposições contidas no decreto executivo.
Em Outubro de 2020, o Governo reconheceu a condição de “vulnerabilidade e os níveis de malnutrição” em que muitas crianças se encontram, com relatos de cerca de 46 mortes diárias por desnutrição, garantindo o compromisso de “fortalecer a produção nacional” (a granel).
Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que nos primeiros seis meses de 2020 duas crianças morreram por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, Angola corre o risco de se transformar num não-país ou de assistir a uma violenta implosão social.
“O Ministério da Agricultura e Pescas está a par da informação sobre a vulnerabilidade e os níveis de malnutrição, daí então esse engajamento no sector no sentido de fortalecer cada vez mais a produção nacional”, afirmou na altura o director geral do Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA).
Segundo o responsável, como resposta, para inverter a situação, a actividade daquele departamento ministerial centra-se mais na aquisição e na viabilização de insumos (matéria-prima para agricultura) para os produtores.
Para David Tunga, trata-se de um trabalho conjunto entre os ministérios da Agricultura, Comércio, Indústria, Planeamento e Saúde para dar resposta aos desafios que se colocam ao país.
“É um trabalho conjunto para efectivamente ir detectando as situações, sobretudo no meio rural, e ao nível central e provincial gizar os programas que possam dar respostas a esses desafios que se colocam ao país”, disse.
O director do IDA, que falava aos jornalistas no final de uma conferência de imprensa alusiva ao Dia Mundial da Alimentação, assumiu que a situação das crianças desnutridas, por falta de alimentos, “é preocupante”. “Por isso é que a esta medida nós vamos implementando projectos para aumentar a produção”, frisou.
David Tunga recordou as limitações impostas pela pandemia do novo coronavírus, sobretudo no domínio da exportação de produtos alimentares, observando que os países estão a adoptar medidas internas para aumentar e melhorar a produção e a produtividade para “aumentar a disponibilidade de alimentos aos cidadãos”.
De acordo com o responsável, para o combate da fome e pobreza no país estão em curso um conjunto de acções com realce para o Plano de Aceleração Integrado da Agricultura Familiar e Pescas.
O Projecto de Desenvolvimento da Agricultura Familiar e Comercialização (MOSAP), orçado em cerca de 95 milhões de dólares (81 milhões de euros) financiados pelo Banco Mundial, e um outro denominado SAMAP, orçado em 38 milhões de dólares (32,4 milhões de euros), foram também destacados pelo responsável.
“Temos também o projecto de recuperação da agricultura familiar que está a actuar no sul de Angola com cerca de 8 milhões de dólares [6,8 milhões de euros]”, exemplificou, acrescentando que “o Governo tem um conjunto de programas”.
A nível do Ministério da Agricultura e Pescas, “temos programas ligados à produção vegetal, à produção animal, temos programas ligados à produção de pesca e aquicultura, portanto esse conjunto de projectos depois traduzem-se nas diversas acções que estão em curso”.
A implantação de escolas de campo, metodologia adoptada pelo Governo angolano para a transferência de conhecimentos de pequenas tecnologias às comunidades rurais, foi ainda destacada por David Tunga no quadro das acções em curso.
“Estamos a capacitar os camponeses, primeiro na sua estruturação e depois na organização da produção, mas também estamos a usar esse mecanismo para fortalecer o processo da comercialização da produção”, disse.
“Cultivar, Alimentar, Preservar. Juntos” foi o lema das celebrações deste Dia Mundial da Alimentação, que marcou igualmente o 75.º aniversário da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Palavras, palavras… do reizinho
Em Julho de 2019, no discurso de abertura que proferiu no Fórum com os empresários nacionais, João Lourenço disse que “o Banco de Desenvolvimento de Angola foi orientado no sentido de utilizar recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento para bonificar as taxas de juro ainda muito altas prevalecentes no mercado financeiro, para créditos a conceder pelos bancos comerciais para investimentos nos produtos prioritários definidos no âmbito do PRODESI”.
“O Banco Nacional de Angola orientou ainda os Bancos Comercias a concederem crédito para parte dos produtos priorizados pelo PRODESI, no montante mínimo equivalente a 2% do seu activo, cujos encargos de financiamento incluindo os juros e comissões não deverão exceder os 7,5%”, especificou o Presidente da República.
O Executivo e, por inerência, o MPLA e o Presidente da República (a ordem é arbitrária) diz dia sim, dia… sim, que está a trabalhar para restaurar a confiança dos investidores, variável fundamental para que o país possa retomar (quem diria, não é?) a trajectória do crescimento económico interrompido nos últimos anos por força da crise.
João Lourenço é um dos milhares de peritos que o MPLA formou para, nesta como em qualquer outra matéria, repetir até à exaustão a teoria, esperando que um dia as couves, por iniciativa própria, reivindiquem que sejam plantadas com a raiz para baixo.
Assim, o Presidente do MPLA quando fala, e fala sempre, sobre as medidas de apoio ao Aumento da Produção Nacional, refere que a retoma do crescimento económico é fundamental (isto é só novidades!) para garantir a geração de postos de trabalho, renda e a consequente prosperidade das famílias angolanas.
Acções não menos importantes para o aumento da confiança dos investidores no mercado angolano, segundo o Governo, têm sido as medidas adoptadas para instaurar, em Angola, um verdadeiro Estado Democrático e de Direito, em que ninguém esteja acima da lei, sendo que as excepções mais não são do que a confirmação da regra.
Ainda bem que o Titular do Poer Executivo reconhece, presume-se que de acordo com as ordens, ou instruções, superiores recebidas directamente do Presidente do MPLA, que até agora Angola não era um verdadeiro Estado Democrático e de Direito.
Tendo em conta que, segundo o Governo, a confiança dos agentes económicos está a ser restaurada, o Presidente diz ser este o momento adequado para que nos concentremos na criação de condições para promover a competitividade das empresas angolanas, visando o aumento da produção nacional.
Não é mau. Finalmente, se for verdade, 45 anos de governação do MPLA, muitos deles com os contributos ministeriais de João Lourenço, a promoção da competitividade das nossas empresas vai avançar. Esperemos para ver. E como é hábito ancestral (desde 1975) esperamos… sentados.
Neste processo da promessa de diversificação da economia e aumento da produção interna, João Lourenço sublinha que o papel fundamental deve ser desempenhado pelo sector privado, que deve constituir-se num verdadeiro motor do crescimento económico do país, cabendo ao Estado o papel de órgão regulador da economia.
Vejamos se, desta vez, não vai acontecer com os investidores privados o que aconteceu sobejas vezes ao longo dos anos. Ou seja, o Estado/MPLA entra com a experiência e os investidores com o dinheiro, e no fim o Estado/MPLA fica com o dinheiro e os investidores com a experiência…
No novo ciclo da relação entre agentes económicos e entidades públicas, ao Estado caberá desempenhar o papel de garante da estabilidade política e macroeconómica, isto é, taxas de juros, câmbio e inflação, alinhadas com os objectivos de crescimento económico.
O Estado deverá garantir as infra-estruturas para a produção, o conhecimento científico e tecnológico, o respeito e a protecção da propriedade privada, o reconhecimento da titularidade da terra enquanto activo, o primado da lei e a concorrência dos agentes económicos, a celeridade da justiça e existência de instituições fortes e o processo de simplicidade na constituição de empresas e licenciamento da actividade económica.
João Lourenço enfatiza, e muito bem, a necessidade do aumento da produção constituir um imperativo nacional, porque só desta forma o país poderá aumentar os níveis de emprego e os rendimentos dos cidadãos, bem como o grau de satisfação das famílias.
A este respeito, lembra existir um programa de substituição das importações e aumento das exportação, PRODESI, do qual fez aprovar, a 13 de Novembro de 2018, um Plano de Acção para aumentar a competitividade da produção nacional, sobretudo para os produtos da cesta básica e de outros prioritários de origem nacional.
O referido plano detalha propostas de acções que podem ser implementadas hoje (como nas últimas décadas) nas fileiras produtivas de 46 produtos, com a finalidade de, no âmbito do PRODESI, acelerar as iniciativas privadas susceptíveis de permitir, no curto, médio e longo prazos, aumentar a produção nacional.
O objectivo é aumentar o nível de cobertura da procura interna dos referidos produtos, com a produção nacional e elevar o seu valor acrescentado, gerando-se impacto positivo na balança cambial do país.
Com o plano de acção, o Governo quer reduzir as importações, aumentando a produção interna de bens da cesta básica, com destaque para o açúcar a granel, arroz, carne seca de vaca, farinha de trigo, feijão, fuba de bombó, fuba de milho, leite em pó, massa esparguete, óleo alimentar de soja, óleo de palma, sabão azul e sal comum.
Para outros bens prioritários de origem nacional, pretende-se, com o plano, aumentar a produção de ovos, carne de cabrito, carne de porco, grão de milho, mandioca, batata-doce, batata-rena, tomate, cebola, cenoura, pimento, repolho, alface, banana, manga, abacaxi, carapau do Cunene, sardinella aurita (lambula), sardinella maderensis (sardinela-palheta).
Da lista, que só por si demonstra o grau de excelência dos nossos peritos, constam também produtos como varão de aço de construção (acima de 8 mm), cimento, clinquer, cimento cola, argamassa, reboco, gesso, vidro temperado, vidro laminado, de múltiplas camadas ou trabalhado de outras formas e tinta para construção, guardanapos, papel higiénico, rolos de papel de cozinha, fraldas descartáveis, detergente sólido (em pó), detergentes líquidos, lixívias, cerveja, sumos, refrigerantes e água de mesa…
Folha 8 com Lusa