Em tempos a Comissão Política da UNITA resolveu pôr não um dedo mas todos os dedos nessa ferida, que já é uma autêntica cratera putrefacta, que dá pelo nome de “Jornal de Angola”, também conhecido por Pravda ou Boletim Oficial do regime.
Por Orlando Castro
E, sem meias palavras acusou este órgão de propaganda de “incitação à intolerância absoluta e à violência”. Acrescentando que a subserviência e sabujice é de tal ordem que atenta “contra a reconciliação nacional e a paz”.
Vai daí, os líderes do regime mandaram os sipaios editorialistas do pasquim supostamente dirigido por José Ribeiro reagir, dando-lhes as coordenadas a seguir. Assim sendo, o Boletim Oficial escreve que Isaías Samakuva “recriminou a passividade das autoridades” por não verem na liberdade de expressão as coisas terríveis que o líder da oposição viu. E ainda que vissem, era sempre intolerável que nos silenciassem como evidentemente é a vontade da direcção da UNITA”.
Convenhamos que o Boletim Oficial do MPLA tem razão. Os seus sipaios só vêem, só podem ver, o que o patrão quer que se veja. Daí que sejam realidades diferentes. Uns vêem a floresta e outros apenas a árvore. Uns olham para os angolanos, outros apenas para os interesses do MPLA. Uns olham para as barrigas cheias… de fome, outros comem a lagosta que o chefe de posto coloca na sua mesa.
“O Jornal de Angola emite opiniões que não agradam a Isaías Samakuva e ele acusa as autoridades de “passividade”. Se o líder da UNITA estivesse no poder, era certo e seguro que nos forçava a calar. E atendendo ao passado da organização, é legítimo supor que os meios usados para a mordaça fossem ferro ou fogo. Felizmente vivemos num Estado de Direito e Democrático. Até agora a única acção que sentimos no sentido de atentar contra a liberdade de imprensa foi só o comunicado da direcção da UNITA. Ainda bem que o maior partido da oposição revela de uma forma clara e directa o seu compromisso ideológico com a censura. Nós cá estamos, sempre livres, rigorosos, responsáveis e ao serviço do Povo Angolano, sem discriminações nem preconceitos. Somos jornalistas, não somos paus mandados nem estamos a soldo de ninguém. Quando for calada a nossa voz, os leitores ficam a saber que há censura em Angola e pelo menos um partido, a UNITA, defende a lei da rolha contra os jornalistas incómodos”, escreveu o Boletim Oficial num Editorial não assinado, provavelmente para evitar a revelação do verdadeiro autor ou, também é possível, para não ter de colocar a impressão digital no lugar da assinatura.
O Boletim Oficial tem, reconheçamos, razão em muitas coisas. “Vivemos num Estado de Direito e Democrático”, alega o sipaio que, na verdade, não pode ser culpado, muito menos jugado, por ter copiado a frase. É natural que ele, assalariado e mercenário contratado, não saiba a diferença entre ser ou não um Estado de Direito e Democrático. Para ele, ser amante da Maria José ou do José Maria é a mesma coisa. Urge, portanto, ser paciente com estes aprendizes que nada mais querem do chular os angolanos.
Também a alusão a que no Boletim Oficial trabalham jornalistas e que existe liberdade, tem de ser, benevolamente, entendida no seu contexto. Eles não sabem mais e, como mandam as regras divinas estabelecidas pelo “escolhido de Deus”, se o querido líder diz que eles são jornalistas, é porque são. Se Kundi Paihama, que nem militar foi, é um general das FAA, é justo que um qualquer analfabeto funcional possa ser jornalista. O mesmo se passa com a dita liberdade. Eles são livres para dizer tudo. Tudo o que o chefe manda. Portanto…
A UNITA dizia, tal como outros partidos, que o Boletim Oficial promove a intolerância e a violência. O Povo, que não as elites corruptas e os mentores dos sipaios, sabe que é verdade. É contudo, natural que “jornalistas” da propaganda, digam o contrário, jurando a pés juntos (muitos deles aprenderam a estratégia com a PIDE e com o regime “democrático” de Salazar) que nunca defenderam a violência ou puseram em causa a reconciliação nacional.
Também é natural que a direcção do MPLA e do regime (são a mesma coisa) os tenha mandado “assinar” um texto a dizer que quem incita à violência e põe em causa a reconciliação nacional é a UNITA. O mesmo texto servirá, aliás, para amanhã dizer o mesmo da CASA-CE ou de qualquer outro. É só alterar o nome do partido e do presidente.
No mesmo texto, o Boletim Oficial, dá um eterno e indestrutível exemplo do seu contributo para a paz e para a reconciliação nacional, quando critica a UNITA por querer homenagear Jonas Savimbi, um angolano que o pasquim trata como “o condecorado herói do apartheid, o que reduziu Angola a pó, só porque perdeu as eleições de 1992, o que destruiu barragens, postes de alta tensão, pontes, vias-férreas, aeroportos, escolas, hospitais, o que matou, ao serviço do apartheid, milhões de angolanos, queimou mulheres vivas na Jamba, instrumentalizou crianças para a guerra, assassinou friamente dirigentes da UNITA só porque estava de mau humor” etc. etc.
Alguém quer melhor e mais explícita confissão do que é para o regime a Democracia e o Estado de Direito, a liberdade, a paz e a reconciliação nacional?
Temendo que a sua raiva não fosse mesmo assim entendida, o Boletim Oficial acrescentava, num estilo que ultrapassa Kim Jong Un, que homenagear Savimbi “é um atentado de morte à reconciliação nacional. É igual a glorificar Hitler ou negar o Holocausto”.
E, para reforçar a tese de glorificação dos massacres de 27 de Maio de 1977, perdão, da filantropia que separa Savimbi de Eduardo dos Santos, nada melhor do que chamar à colação a obra daquele que é o representante divino da Deus em Angola, em África e não só.
“O Presidente José Eduardo dos Santos salvou a vida a milhares de dirigentes da UNITA e seus familiares. Abraçou todos os que estavam nas matas do Lucusse quando o herói do apartheid, Savimbi, morreu em combate. Quem foi salvo da morte certa, tratado como amigo, libertado da sarna e dos piolhos, alimentado, recebeu tratamento médico especial, considerado irmão, não pode acusar o seu salvador de assassino. Fazer isso é mais do que violência gratuita e intolerância fanática: é ingratidão e imoralidade. Todos os angolanos de bem se sentem violados e agredidos”, dizia, diz e dirá, o Boletim Oficial.
Parafraseando António de Oliveira Salazar, também “o regime colonial português salvou a vida de milhares de pessoas do MPLA, libertou-as da sarna e dos piolhos, e ensinou alguns deles a viver fora das copas das árvores”. Pelos vistos, as teses do ditador português continuam a fazer escola. Compreende-se. Alguns dos que mandam no Boletim Oficial estudaram na mesma escola da Polícia Internacional e de Defesa do Estado e privaram com Rosa Casaco e seus muchachos.