Ponderadas as “ordens superiores”, o tribunal de Luanda agendou para 15 de Março a leitura da sentença do caso que envolve 37 antigos militares angolanos, acusados de prepararem um atentado contra o Presidente da República, posse ilegal de armas, rebelião e associação de malfeitores.
A decisão foi comunicada hoje pelo juiz João António Eduardo Agostinho no final da audiência de julgamento que serviu para a discussão e apresentação dos quesitos, cujas questões levantadas durante a sessão serão respondidas também no dia 15.
Durante a sessão de apresentação dos quesitos – conclusões sobre a matéria provada -, o juiz procedeu à sua enumeração individual e depois genérica.
Na ocasião, o Ministério Público, que acusa os arguidos da prática dos crimes pronunciados, propôs, através do procurador Edelvasso Matias, a inclusão de alguns quesitos na lista apresentada pelo juiz, nomeadamente que “os réus pretendiam usar armas de fogo e catanas contra as forças de segurança pública e tencionavam colocar outra pessoa a exercer o cargo de Presidente da República”.
Isto é que eles são uns golpistas de alto nível. Repare-se que, embora não o conseguindo, “pretendiam usar armas de fogo e catanas”. Mesmo sem esses instrumentos, os golpistas tentaram fazer o golpe. Uns pândegos.
Alterações, discussões e acréscimos pontuais também foram apresentadas pela defesa que aguarda com esperança do desfecho do caso, num julgamento que entra no quarto mês.
“Como temos vindo a dizer, temos esperança porque os réus não cometeram os crimes que vêm acusados. Nós, defesa, sempre verificamos que de facto alguma acusação não tem cabimento, há de facto algumas questões que foram discutidas e na questão de provas verificou-se que muitos dos crimes não foram cometidos”, afirmou o advogado Salvador Freire, no final da audiência.
O julgamento teve início a 2 de Dezembro, com a acusação promovida pelo Ministério Público a sustentar que o grupo de acusados “era bastante organizado militarmente e que recrutavam os ex-militares” da UNITA “com o objectivo de atentarem contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e tomarem o poder à força com recurso a armas de fogo, catanas e ainda de métodos feiticistas”.
O Ministério Público angolano pediu na semana passada condenação de 30 dos réus com penas de seis a oito anos e meio de prisão efectiva e absolvição de quatro réus por insuficiência de provas.
São na sua maioria militares desmobilizados das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), braço militar da UNITA, durante a guerra civil, que terminou em 2002, e estão a ser acusados de associação de malfeitores, posse ilegal de armas e atentado contra o Presidente da República, na forma frustrada, previsto para a madrugada de 31 de Janeiro de 2016.
Acusações que são refutadas pela defesa, que refere que a única mobilização que os acusados fizeram foi para uma manifestação pacífica para reclamar contra a não-inserção na Caixa Social das FAA, “e não atentar contra o Presidente da República”.
De acordo com a acusação, lida na primeira audiência de julgamento por um dos dois representantes do Ministério Público, os ex-militares das extintas FALA – de notar que de início os assaltantes eram 60 indivíduos, mas só 37 foram apanhados em flagrante -, pretendiam invadir no dia 31 de Janeiro do corrente ano, para começar em beleza, três “nobres” instituições públicas, nomeadamente, o Palácio Presidencial, a TPA e a RNA.
Para tal, usariam sete AKM com 12 carregadores, uma pistola, 26 catanas, uma espada, entre outros vestuários das Forças Armadas Angolana (FAA). Além disso, dois dos integrantes do grupo são acusados de falsificação de documentos autênticos, no caso Bilhete de Identidade e Passaporte.
Consta oficialmente que o principal mentor do assalto é um chamado Jacob Cassoma ou Mutu YaKevela, residente em Luanda, que teria começado com a campanha de mobilização para este golpe em Dezembro de 2013, na província do Huambo. Para conseguir atrair os 60 indivíduos que participariam na alegada tentativa de golpe de Estado, teria sido invocado o próximo reaparecimento de Jonas Savimbi. Dizia-se, “Está vivo” ou que “iria ressuscitar”.
Mais tarde, em data indeterminada de 2014, o réu Raimundo Chiquete reuniu-se mais uma vez em sua casa, no Cacuaco, com Jacob Cassoma (Mutu YaKevela), mais um punhado de ex-militares, e “criaram o grupo Linha Estrela Brilhante, com o fito de recrutar antigos militares das extintas FALA a fim de realizar manifestações e acções de rebelião visando atingir a integridade física do Presidente da República, o engenheiro José Eduardo dos Santos”.
É o que consta na pronúncia, que depois se refere a vários encontros, em Setembro do mesmo ano, altura em que o mesmo Raimundo Chiquete juntou em sua casa alguns ex-militares de média e alta patente, entre os quais os co-réus Adolfo Jaime, Xavier Fernando, David Rufino, Madaleno Calandula, Celestino Leonardo e os comparsas prófugos, Jacob Cassoma, Silvestre Staloni, entre outros, para distribuir as funções que cada um deveria assumir até tomarem o poder de assalto.
No encontro a seguir, criaram as coordenações provinciais do grupo Linha Estrela Brilhante, sendo Carlos Simba para o (Bié), Armando Segunda (Benguela), Paulo Camambala (Huambo), Celestino Leonardo e David Rufino Esanjo (Luanda), e estabeleceram um Quadro de Trabalho no qual os de mais alta patente teriam postos de alta responsabilidade tais como Procurador-Geral da República, chefe de Estado Maior, chefe Político e de Reconhecimento, etc….
O juiz da causa apurou que o grupo gizou um atentado contra o Presidente da República que seria materializado no dia 15 de Outubro de 2015 aquando da abertura do ano legislativo, por ocasião da sua ida à Assembleia Nacional proferir o discurso sobre o Estado da Nação, mas não o efectivaram porque ainda não tinham adquirido as armas. Nessa altura, o Chefe de Estado também não compareceu por causa de um mal-estar e coube ao vice-presidente a responsabilidade de ler o discurso.
Ainda segundo a mesma fonte, o dia 31 de Janeiro 2016 foi agendado como data em que seria realizado o segundo atentado, após terem participado num ritual de feitiçaria a que deram o nome de “blindagem”, dirigido pelos kimbandas António Baptista (prófugo) e Augusto Manuel Saím (já falecido). Na altura, acreditavam que tal ritual os tornaria imunes às balas, em caso de troca de tiros com as forças de segurança.
Na noite do “assalto”, o grupo esteve repartido em três sub-grupos: o primeiro, com 40 cidadãos (chefiado por Celestino Leonardo), ficou nas imediações do Hospital Josina Machel para assaltar o Palácio Presidencial; o segundo, com 15 (comandado por David Rufino e Armando Segunda), estava concentrado no Largo da Independência para servir de reforço aos demais grupos e o terceiro, com cinco (liderado por Xavier Fernando e Mário Pinto), estava concentrado no Largo das heroínas para assumir o comando da RNA e da TPA para anunciarem que haviam tomado o poder.
De acordo com o magistrado, repetimos, eles tinham sete AKM e 12 carregadores, uma pistola, 26 catanas, uma espada e vários uniformes das FAA. As armas de fogo e diversas catanas estavam a ser transportadas numa viatura Toyota Hiace, de cor azul e branca, para serem distribuídas aos alegados invasores antes da meia-noite, mas tal não sucedeu porque um dos pneus estoirou.