O Governo angolano classificou hoje como “inamistosa e despropositada” a forma como as autoridades portuguesas divulgaram a acusação do Ministério Público de Portugal ao vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, e alertou que essa acusação ameaça as relações bilaterais. Luvualu de Carvalho protesta junto da RTP pelo facto de “estação do Estado português” ter ilustrado uma peça sobre esta questão (Telejornal do passado dia 22) usando e mostrando o que o Folha 8 escrevera.
Por Orlando Castro
A posição do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, mereceu a prévia concordância do Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, bem como do Presidente da República, José Eduardo dos Santos. Foi, portanto, uma posição unânime de todos os poderes existentes em Angola…
A posição oficial do regime surge numa nota do Ministério das Relações Exteriores de Angola distribuída hoje, protestando veementemente contra as referidas acusações, “cujo aproveitamento tem sido feito por forças interessadas em perturbar ou mesmo destruir as relações amistosas existentes entre os dois Estados”.
Pelos vistos, no entendimento dos peritos do regime – com José Eduardo dos Santos à cabeça – Manuel Vicente é mesmo culpado. O Ministério Público português acusou, não julgou. No entanto, pela reacção do regime angolano, é de crer que o actual vice-Presidente da República tenha mesmo praticado os actos de que é acusado. Isto porque, num Estado de Direito (que Angola não é), até ser julgado e eventualmente condenado Manuel Vicente é inocente.
O Governo português está desde 2016 a preparar a visita oficial do primeiro-ministro António Costa a Angola, prevista para a próxima Primavera, segundo coordenação do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que – citamos – “foi mandatado pelo Presidente José Eduardo dos Santos” para esse efeito.
No documento do regime angolano, refere-se que as autoridades angolanas tomaram conhecimento “com bastante preocupação, através dos órgãos de comunicação social portugueses”, da acusação do Ministério Público português “por supostos factos criminais imputados ao senhor engenheiro Manuel Vicente”.
Para o Governo de José Eduardo dos Santos, bem como para o Presidente do MPLA e da República, a forma como foi veiculada a notícia constitui um “sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados”.
O regime angolano tem razão. Se em Angola não há separação de poderes, por que carga de chuva Portugal permite – sobretudo nas relações com os altos dignitários do regime angolano – que essa separação exista? Francamente.
“Não deixa de ser evidente que, sempre que estas relações estabilizam e alcançam novos patamares, se criem pseudo-factos prejudiciais aos verdadeiros interesses dos dois países, atingindo a soberania de Angola ou altas entidades do país por calúnia ou difamação”, sublinha a nota.
Nem mais. Investigar e depois acusar são, para o regime angolano, provas inequívocas de calúnia e difamação. Por alguma razão, que Portugal deveria levar em conta, em Angola até prova em contrário todos são culpados. Já no estrangeiro, todos os cidadãos ligados ao regime são inocentes, sempre inocentes, sejam quais forem as provas.
As autoridades angolanas consideram que, juntamente com Portugal, as suas relações deviam concentrar-se “nas relações mutuamente vantajosas, criando sinergias e premissas para o aprofundamento da cooperação económica, cultural, política, diplomática e social, como meio de satisfação dos interesses fundamentais dos seus povos”.
Admite-se que, eventualmente, e na perspectiva de “relações mutuamente vantajosas”, o próximo Procurador Geral da República portuguesa seja João Maria de Sousa, o impoluto e honorável PGR do MPLA.
Já esta semana, a visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dúnem, a Angola, que deveria ter começado na quarta-feira, foi adiada “sine die”, no dia anterior, anunciou em comunicado o Ministério da Justiça português.
No comunicado, referia-se apenas que “a visita da Ministra da Justiça foi adiada, a pedido das autoridades angolanas, aguardando-se o seu reagendamento”.
Dado e arregaçado
Portugal vai, mais uma vez, reeditar a sua velha política de submissão, bajulação e servilismo perante sua majestade o rei José Eduardo dos Santos. Mudam-se as moscas (governos) mas tudo o resto fica. Saiu Rui Machete e entrou Augusto Santos Silva mas o cerne continuou putrefacto.
Como aperitivo para a bajulação portuguesa, Augusto Santos Silva considerou que a decisão do Presidente José Eduardo dos Santos, de não se recandidatar nas próximas eleições “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”.
Os angolanos interrogaram-se: Estar há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Dirigir um país rico que não soube gerar riquezas mas apenas ricos, estando no top dos mais corruptos do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Ser o país que, segundo a Organização Mundial de Saúde, tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
O Governo português, este como os outros, está-se nas tintas para os angolanos em geral e em particular para com os 20 milhões de pobres. Por isso ajoelha-se e reza. Há quem diga que faz mais do que isso, mas…
Ao mostrar que não gostou da acusação de corrupção activa e branqueamento feita por Portugal contra o vice-presidente Manuel Vicente, o regime resolveu mostrar a razão da sua força (na ausência da força da razão) adiando “sine die” a visita de Francisca Van Dúnem.
É caso para perguntar a Augusto Santos Silva se com esta atitude José Eduardo dos Santos deu também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
A Freedom House demonstra, no seu último relatório, preocupação pela influência de Angola (leia-se e entenda-se influência do regime angolano) nos meios de comunicação social portugueses. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”?
É com certeza. Aliás, segundo o Folha 8 apurou, o embaixador itinerante do regime angolano, Luvualu de Carvalho, terá já manifestado à RTP o seu desagrado por a “estação do Estado português” ter ilustrado uma peça sobre esta questão (Telejornal do passado dia 22) usando e mostrando o que o Folha 8 escrevera.
Portugal reage ou finge que reage
O primeiro-ministro português reagiu hoje à nota divulgada pelo ministério das Relações Externas de Angola. António Costa diz que a política e justiça não se põe no mesmo saco: “Angola também tem de perceber que não depende nem do Presidente da República, nem da Assembleia da República, nem do Governo as decisões que, com total independência, o poder judicial toma”.
O primeiro-ministro, citado pelo Observador, sublinhou que o importante era não prejudicar a “boa relação que Portugal e Angola têm de ter sempre, qualquer que seja o Governo e qualquer que sejam as circunstâncias”.
O problema está, como António Costa bem sabe, que ao contrário de Portugal, Angola tem há 41 anos sempre o mesmo governo e há 38 anos sempre o mesmo Presidente da República, nunca nominalmente eleito.