“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país. Pena é que a Igreja Católica, por exemplo, tenha medo da verdade.
Por Orlando Castro
Alguém se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (dez anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
Igreja irá dar voz a quem a não tem?
Em 2011 o MPLA celebrou um acordo com a Igreja Católica para que esta o apoie na campanha eleitoral de 2012. Pelo andar da missa tudo leva a crer que, em 2017, esse acordo continua válido.
Da parte do partido no poder agenciou o acordo Manuel Vicente, na então condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continua a querer agradar a Deus (José Eduardo dos Santos) e ao Diabo (José Eduardo dos Santos), aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.
O caso de Cabinda é o mais claro paradigma dessa hipocrisia. Recorde-se que em 2010, a Igreja Católica de Angola reiterava a esperança na solução célere da prisão em Cabinda do padre Raul Tati e a posição sobre o estatuto do mesmo sacerdote, em processo de renúncia por livre iniciativa própria.
Ao que parece, a enorme violação dos direitos humanos em Cabinda, a forma execrável como o regime tratava e trata impolutos cidadãos de Cabinda, pouco interessa à Igreja Católica. Isto porque, de facto, o regime compra a sua cobardia dando-lhe as mordomias que a leva a estar de joelhos perante o MPLA.
“Nós, como Diocese, contactamos a Procuradoria-Geral da República e esperamos que o assunto se resolva da forma mais célere e se esclareça quanto antes, embora notamos com preocupação que o tempo da prisão cautelar já se tenha excedido”, dizia então o vice-presidente da CEAST e Bispo da diocese de Cabinda, Dom Filomeno Vieira Dias, dando uma no cravo e outra na ferradura.
Dom Filomeno Vieira Dias sabia que em Cabinda, como em Angola, há cada vez mais gente a ser tratada de forma ignóbil pelo regime do MPLA. No entanto, desde que a Igreja não perca os seus privilégios vai fazendo o jogo dos poucos que têm milhões, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco ou nada.
Não deixa de ser elucidativo da posição subserviente da Igreja Católica o facto de Dom Filomeno Vieira Dias ter então resumido os atentados aos direitos humanos em Cabinda ao caso, obviamente muito grave, do então padre Raul Tati.
“Eu, pessoalmente, visitei este sacerdote. Tive encontro com ele. O nosso vigário geral, também, há poucos dias, visitou-o e teve encontro com ele”, acrescentou o prelado, que rematou, indicando que “é quanto temos a dizer sobre esta matéria.”
Francamente! Raul Tati foi humilhado física e psicologicamente e, apesar disso, a Igreja Católica fazia de conta que ele até está bem, recusando-se a denunciar – como era seu dever – as abomináveis condições em que o padre e todos os outros detidos tentavam sobreviver.
Apesar de ter pedido a demissão, o Padre Tati não deixou de ser um cidadão. Cidadão cabinda cuja nobreza de espírito o levou a não pactuar com uma Igreja que esquece e até conspurca os seus mais elementares mandamentos.
No final de 2011, D. José Manuel Imbamba, arcebispo de Saurimo e porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, disse que os padres que teimam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.
D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. É grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem, nomeadamente na colónia angolana de Cabinda.
Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo da colónia angolana de Cabinda.
Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extraterrestre, como a de Agostinho Chicaia, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.
Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias mostrou-se preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Que em Cabinda todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA sejam culpados até prova em contrário, isso não era preocupante para o bispo.
Preocupante é a falta de diálogo… num regime colonialista que só permite o seu próprio monólogo, que se julga dono da verdade, que põe a razão da força acima da força da razão.
“Para nós é sempre preocupante quando não há capacidade de diálogo e conversação entre as pessoas. Portanto ele (Agostinho Chicaia) foi detido fora de Angola, eu não posso pronunciar-me sobre um facto que ocorreu num outro país, não tenho elementos, é algo que procuramos aprofundar, procuramos saber quais são os motivos, mas não temos elementos sobre isto,” disse no seu estilo angélico D. Filomeno Vieira Dias.
Ao contrário do que, supostamente, aprendeu durante a sua formação religiosa, D. Filomeno Vieira Dias só raramente se lembra que deve dar voz a quem a não tem. Recordo-me, por exemplo, que o bispo levou muito tempo a descobrir os excessos do regime colonial angolano em relação aos cidadãos supostamente envolvidos em acções de apoio aos militares da FLEC.
Embora, no caso do ataque à escolta militar e policial angolana à equipa do Togo, tenha acontecido em Janeiro de 2010, só em Junho desse ano D. Filomeno Vieira Dias enviou uma carta ao Procurador-Geral da República do MPLA, João Maria de Sousa, para mostrar preocupação em relação ao excesso de prisão preventiva de activistas e deplorar o adiamento indefinido do julgamento dos acusados.
Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
Ser o Bispo de Cabinda, recorde-se, a falar de liberdade de informar quando, exactamente em Cabinda se é detido por ter ideias diferentes, sendo que em muitos casos se é preso só porque as autoridades coloniais angolanas pensam que alguém tem ideias diferentes, é algo macabro.
D. Filomeno Vieira Dias disse então que a informação joga um papel fundamental na vida da sociedade, por isso os comunicadores devem fazê-lo com responsabilidade.
Será a responsabilidade a que aludia D. Filomeno Vieira Dias, dizer apenas a verdade oficial do regime? Será ser-se livre para ter apenas a liberdade de concordar com as arbitrariedades do regime?
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.
“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou D. Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.
D. Filomeno Vieira Dias deveria, creio, também pedir perdão por se pôr de joelhos perante os donos do poder em Angola, contrariando os ensinamentos, como recordou em Bruxelas o Padre Jorge Casimiro Congo, de que perante os homens deve estar sempre de pé, e de joelhos apenas perante Deus.
E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.
Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.