O governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, respaldado nas directrizes supremas do dono do país, alegou questões de segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol, marcada para amanhã.
Embora a manifestação já estivesse tacitamente aprovada (se Angola fosse um Estado de Direito que respeitasse as suas próprias leis), o governador achou por bem mostrar, mais uma vez, que o no reino vigora a “lei” do “quero, posso e mando”.
É, aliás, ima prática decorrente. O mesmo se passou há um ano quando se preparava uma manifestação que os promotores, o Conselho Nacional de Activistas, auto-intitulados “defensores dos direitos humanos” em Angola, pretendiam realizar nos dois dias, que coincidiam com as comemorações oficiais dos 40 anos da independência, em frente ao Palácio Real e ao Tribunal Constitucional.
Na decisão de proibir a manifestação – intenção comunicada pelos organizadores ao governo provincial -, o então governador (Graciano Domingos) invocou a lei sobre o direito de reuniões e manifestações, recordando que em termos legais, por “razões de segurança”, estas não podem ocorrer “a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania”.
“Pelo que foi aduzido, o governador provincial de Luanda decide proibir a realização da manifestação”, lia-se no documento, assinado por Graciano Domingos, com data de 14 de Outubro de 2015.
Por norma, este tipo de manifestações que nunca são autorizadas pelas autoridades sob o manto diáfano da segurança, termina com a intervenção policial e detenções.
A única excepção respeita a manifestações organizadas pelo regime e que, por regra, coincidem sempre com qualquer iniciativa de sentido contrário.
Voltou agora a passar-se o mesmo. O governador da capital do reino, general Higino Carneiro, proibiu a manifestação, dando prioridade e direitos exclusivos a uma marcha de uma organização detentora de um mercado da fé e milimetricamente coincidente com a dos manifestantes contra a nomeação de Isabel dos Santos. Assim, mais importante do que querer defender a legalidade em Angola é – na óptica do despótico poder instalado – abrir alas à marcha sobre “O Papel da Mulher Religiosa na Consolidação da paz em Angola”.
O comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional informou que o pedido de autorização para a marcha foi feito pelo departamento da mulher do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA) em 28 de Setembro, para o trajecto do Cemitério da Santana para a Praça 1º de Maio.
José Sita justificou que a prioridade deveria recair sobre o evento religioso, “prevendo-se a participação de um número considerável de pessoas”. E tem razão. Segundo as contas do Folha 8, este evento deverá contar com a participação de mais de 25 milhões de angolano…
“Com vista a evitar constrangimentos aos automobilistas, bem como às pessoas que afluirão ao local, sugerimos que o trânsito automóvel seja desviado no perímetro da Praça da Independência, contando com a colaboração das organizações juvenis apartidárias, para a organização do evento”, lê-se no documento da polícia.
Os promotores da manifestação contra a nomeação da herdeira do trono esqueceram-se, lamentavelmente, de dizer que o seu lema era “O papel dos cidadãos, religiosos ou não, na consolidação de paz em Angola”.
De nada serve hoje, como ontem, como amanhã, dizer que tanto a Polícia como o Governo Provincial praticaram com a proibição uma série de crimes. Isto, no quadro jurídico da lei e da Constituição de Angola que, contudo, sabemos ser diferente da lei e da “Constituição” do regime.
De acordo com a lei e a Constituição do país, a manifestação estava autorizada “de jure”, pois o Governador provincial não respondeu no prazo de 24 horas a contar da data da recepção da comunicação dos manifestantes (10 de Outubro), conforme estabelece o art.º 7.º da Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação.
Não adiantará dizer a decisão do governador provincial de Luanda, Higino Carneiro, coincidentemente, general das FAA, está eivada de má-fé, abusos de autoridade, inconstitucionalidades, ilegalidades e desprezo pelos direitos dos demais cidadãos.
Higino Carneiro tratou, mais uma vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.
Quando isso acontece, estamos diante de uma ditadura que, quase sempre, nos aparece apalhaçadamente maquilhada de democracia.
Embora não tenhamos a certeza de que os ilustres governantes do regime compreendam o que está escrito nas leis e na Constituição, aqui deixamos o que, ipsis verbis” a Constituição diz no art.º 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação):
“1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.
2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.”
Por outro lado, o governador não respeita as leis, como é o caso da Lei n.º 16/91 de 11 de Maio, no art.º7.º (Proibição da realização de reunião ou manifestação):
1. O governador ou o Comissário que decida, nos termos do disposto nos Artigos 4.º e 5.º, n.º 2 da presente lei, proibir a realização da reunião ou manifestação deve fundamentar a sua decisão e notificá-la por escrito, no prazo de 24 horas a contar da recepção da comunicação aos promotores, no domicílio por eles indicado e às autoridades competentes.
2. A não notificação aos promotores no prazo indicado no número anterior é considerada como não objecção para a realização da reunião ou manifestação”.
O quadro fático de não resposta do governador provincial, no prazo de 24 horas, após a recepção da comunicação dos promotores da manifestação, conforme o n.º2 do art.º 7.º da Lei 16/91 de 11 de Maio, produziu o efeito jurídico de não objecção à realização da manifestação. Portanto, legalmente, a manifestação foi aceite, no dia 12 de Outubro de 2016.
Ressalve-se que este raciocínio enferma de um mal suicida. Isto é, parte do princípio de que Angola é o que não é, ou seja, um Estado de Direito Democrático. E como não é, o que conta é a lei fundamental do regime feudal e esclavagista: “Queremos, podemos e mandamos”.