Poxa! O ambiente nunca esteve tão crispado depois do dis(curso) de José Eduardo dos Santos, considerado dos piores do seu longevo consulado, por descontextualizado da realidade. Dizem, os mais próximos, ter sido eloquente mensagem à nação. Qual nação?
Por William Tonet
Talvez confundam a umbilical naçãozinha do MPLA, circunscrita a obtusa partidocracia governante, analfabeta quanto ao verdadeiro significado de tão nobre conceito, cujas lianas mentais ultrapassam os limites físicos de um território.
A nação é um conceito mais sociológico, linguístico, cultural, andarilho (navegante), se melhor o quisermos identificar, com as suas gentes em qualquer espaço, que não só o territorialmente demarcado. Veja-se o caso dos judeus, israelitas, os zairenses, os sul-africanos, os portugueses, com as suas ilhas autónomas, mas em qualquer espaço global, defendem a bandeira, a língua e a cultura dos respectivos povos.
A nação carrega a ética de cidadania identitária de um ou vários povos. O regime com a discriminação das línguas angolanas, vide art.º 19.º CRA (Constituição da República de Angola), onde desfila orgulhosa e complexadamente só, a língua estrangeira, adoptada e impingida como oficial, quando 75% dos povos habitantes do espaço Angola, não fala o português.
Infelizmente, para desgraça colectiva, dos autóctones, não existe, até hoje, nação, nem sequer um projecto dela, que passa pelo equilíbrio, respeito e fomento da conciliação dos hábitos, dos costumes, das culturas e das línguas angolanas, faladas pelos diferentes povos, para num denominador comum, todos se possam rever, num futuro e democrático projecto-nação, para lá das referências na actual Constituição e discursos políticos.
Quando Eduardo dos Santos considera a Assembleia Nacional, como: “a casa da democracia, abre hoje as suas portas, para o início da última Sessão Legislativa da presente Legislatura e agradeço o privilégio que me conferem para proferir a minha última Mensagem sobre o Estado da Nação, no mandato que decorre até 2017”, o sublinhado é nosso.
Isso denota não ter o Presidente da República, noção sobre os conceitos “casa”, “democracia” e “nação”, sendo que este último, já atrás vertido, eis os demais:
a) Casa é um local harmonioso, onde um núcleo com afinidades, culturais, familiares e ou políticas vivem ou reúnem com regularidade. Não é o caso da Assembleia Nacional, cuja espinha dorsal assenta na discriminação partidocrata, baseada no “quantum” eleitoral.
b) Democracia é o governo do povo para o povo, sendo a responsabilidade cívica exercida por todos os cidadãos directamente ou pelos seus representantes legitimamente eleitos. A democracia respeita a vontade da maioria, protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos, como liberdade de expressão, de reunião e manifestação, de imprensa, dos direitos humanos, protecção das minorias e que todas sejam protegidos por um poder judiciário livre, imparcial e independente.
As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos, daí não poderem ser fachadas atrás das quais se escondem ditadores ou um partido único. Devem ser verdadeiras competições do povo, sem prévias fraudes no registo eleitoral. Mahatma Gandhi dizia: “a intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático”.
Eis tudo que o Presidente da República do MPLA, tem sido, por reconhecer, honestamente, que a democracia não faz parte de uma convicção e crença, enquanto governo do povo, mas aceitar por lhe “ter sido imposta”, pelo ocidente, daí o descaso, no cumprimento honesto das suas regras, por parte dos órgãos do seu executivo.
A afirmativa “jessiana” de “tanto o clima de paz, como o normal funcionamento das instituições são já uma realidade e que passos importantes continuam a ser dados para se garantir o pleno desenvolvimento económico e social do nosso país”, enquadra-se na visão de um poder que assenta a sua força, não na convicção de bem governar, de respeito pela Constituição e a lei, mas exclusivamente, na ponta da baioneta, logo distante do país real.
Só assim a referência de Angola (mentirosamente, a deles), não a da maioria dos cidadãos, ter cumprido “mais de metade das metas estabelecidas pelas Nações Unidas, nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, no que diz respeito a sectores como o emprego formal, o abastecimento de energia e água potável, a saúde e o saneamento do meio, a educação e a formação profissional, entre outros”.
É FALSO! O desemprego aumenta todos os dias, em Luanda, no Zaire, no Uíge, em Cabinda e, no eixo Benguela/Huambo/Bié, onde redijo esta semana, o presente texto é confrangedor o número de empresas, lojas e armazéns fechados, que lançam trabalhadores para os semáforos do desemprego. Se no Bié, capital dos rios e em Luanda, onde vive o titular do poder executivo, não consegue garantir o fornecimento de água canalizada, os cidadãos das demais províncias contentam-se com água turva e de cisternas.
Quanto a energia eléctrica, só pode ser a fornecida por geradores, que alimenta 70% de residências e empresas, nas zonas urbanas, porque os que habitam a Angola Profunda contentam-se com a luz de vela e lamparinas.
Saúde e educação é uma vergonha, que deveria fazer dobrar a língua de quem diz haver evolução, bastando mesmo em Luanda, ir aos hospitais públicos, Prenda, Maria Pia, Américo Boavida, Geral e outros e assistir doentes a morrer se não accionarem familiares no exterior (dormem ao relento), para comprarem um fármaco, agulha, luvas, etc. e a educação, basta ver ao longo dos anos, quantas crianças ficam fora do sistema de ensino ou as que não conseguem terminar o ano lectivo, porque a ganância dos protegidos do TPE (titular do poder executivo), os novos latifúndios, esbulham e destroem as suas casas, com violência assassina, veja-se o caso dos bairros Walalele, Zango, Zona Económica Especial, Bengo, etc., ou do que acontece nas províncias do Kwanza Sul, Benguela, Huambo, Koroka, Kunene, Huíla, enfim em todo país.
Neste ambiente seguramente, não existe um clima para que “a paz se venha a tornar na principal força identitária entre os angolanos de todas as origens, convicções políticas ou crenças religiosas e para que se mantenha entre nós o espírito de união, de tolerância e de respeito pela diferença e pelos valores em que assenta a democracia”.
Comparações fúteis
E, de falsidade em falsidade, surge a pérola de “Angola está a lidar com a crise melhor do que outros países. Exemplos disso são a baixa progressiva dos preços dos bens essenciais, da inflação e da taxa de juros; a recuperação da actividade das empresas e dos níveis de emprego”.
Haja coração, para tanto desencontro com o país real, onde os preços dos bens essenciais aumentam todos os dias, a taxa de juros está em espiral e não existe recuperação das empresas e do emprego, pelo contrário.
Mais grave, justificar o atraso da recuperação económica com o facto de “em 2002, Angola e o Cambodja eram os países do Mundo que tinham mais minas antipessoais e antitanque. Falou-se, na altura, em cerca de dois milhões de minas implantadas é tentar esconder a incompetência na gestão da coisa pública.
O Presidente dos angolanos do MPLA, foi, mais uma vez, fiel aos princípios da órbitra partidocrata, que sem ciência e visão futura, limita-se, bajuladoramente, a bater palmas, lá onde elas não carecem, como nesta vulgaridade.
“Não podemos falar do nosso país como se estivéssemos a falar de Portugal, de Cabo Verde ou do Senegal. A nossa história não é igual, nem parecida com a dos outros”.
Esta foi a maior verdade do discurso. Na realidade, Portugal, Cabo Verde e Senegal não têm os recursos naturais, em exploração, caso do petróleo e diamantes, como Angola e, ainda assim conseguiram gerir os parcos recursos financeiros, com base em boas práticas de governação, que lhes permite gerir a crise melhor que o regime angolano.
Em Portugal, Cabo Verde e Senegal, honra seja feita, a José Eduardo dos Santos, não existem tantos gatunos institucionais e corruptos por metro quadrado como em Angola, por isso o próprio presidente rematou: “o nosso povo está consciente desse facto e sabe o que quer e como construir o seu futuro”, logo um futuro só possível, com um BASTA através de uma mudança positiva de regime, para acabar com a concentração monárquica da riqueza de todos os angolanos, numa só família e partido político, clique neocolonial que exclui a maioria dos cidadãos, aumentando a pobreza e a exclusão social, para níveis alarmantes.
O TPE não tem noção de despesas públicas, pelo contrário, aumenta-as, quando, nesta altura, a política de contenção deveria ser a opção.
Uma gestão responsável, inteligente e patriótica levaria a redução dos ministérios e secretárias de Estado, a limitação das viagens ao exterior de ministros e directores nacionais, levando-os quando fosse caso disso a viajarem em económica. Só esta falta de visão e irresponsabilidade, faz com que não se baixem os impostos das mercadorias e bens importação, não revogue o decreto de importação de viaturas com mais de três anos e não incentive a venda entre 10 a 20 mil dólares mês aos pequenos e médios empreendedores.
Todos os dias, o regime aumenta os níveis de criminalidade. Ele é o principal fomentador, ao destruir mercados populares, espancar e matar zungueiras e ambulantes. O maior gerador foi a selvática e inoportuna destruição do armazéns e mercado do Roque Santeiro, que gerava emprego directo e indirecto a mais de 10 mil pessoas, garantindo sobrevivência e escolaridade a um universo calculado de mais de 28 mil pessoas.
Mais grave ainda é um Presidente da República, sem exemplos a dar, vir a terreiro falar de transparência eleitoral, quando mantém no seu gabinete, toda máquina de registo e controlo eleitoral, que deveria estar na alçada da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).
Ademais, nenhum promotor de golpes de Estado, de ditadores que violam e alteram constituições, para se perpetuarem no poder, casos do Congo Brazzaville, República Democrática do Congo, Guiné Equatorial, enviando tropas ao arrepio da Constituição e do Parlamento, pode apontar o dedo aos Estados Unidos da América, quando faz precisamente igual, contribuindo para a instabilidade política desses países. Só assim se justifica a ladainha de continuar a investir na Defesa e Segurança, em detrimento de sectores sociais.
Pese nada de novo e contundente ser dito, lá se ouviam palmas. Palmas, de alguns eufóricos deputados do MPLA, não de todos, reconheçamos, face à retórica vazia de um discurso sem perspectiva, sem norte e distante do gemer e sentir das dificuldades reais dos povos de Angola e não só.
Foi na realidade o discurso mais cínico, vazio e instigador de ódios e descontentamentos, pronunciados por José Eduardo dos Santos.