O VII Congresso Ordinário do MPLA, que decorre em Luanda, mostrou a todos o que todos já sabiam: Os políticos portugueses adoram estar de cócoras perante sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos.
Por Orlando Castro
Por partes. Uma delegação do Partido Comunista Português (PCP), chefiada por Pedro Guerreiro, membro do secretariado do Comité Central, esteve em Junho deste ano em Angola a convite do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975.
O PCP é um aliado histórico do MPLA, desde o período da luta anticolonial, e ainda em Março passado rejeitou no Parlamento português, um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos “activistas detidos”, criticando a governação de José Eduardo dos Santos.
O PCP – que se juntou no voto contra ao PSD e CDS-PP – demarcou-se totalmente desta iniciativa, apresentando uma declaração de voto na qual se adverte que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabilização de Angola”. Nem contra o regime de Angola nem, recorde-se, contra a “democracia” da Coreia do Norte.
No que ao regime de Angola respeita, o PCP continua igual a si mesmo, ou não fosse um dos pais do MPLA, ou não fosse o principal responsável pelo facto de o MPLA estar no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975.
Nesta matéria, o PCP defende a estratégia seguida – para não se recuar muito tempo – por José Sócrates, Passos Coelho e Cavaco Silva. Ou seja, um diálogo bajulador, servil e canino.
Não nos esqueçamos ainda que que o próprio Partido Socialista é irmão do MPLA na Internacional Socialista.
José Eduardo dos Santos, um presidente que está no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, continua a gozar à farta com a rapaziada que frequenta os principais areópagos políticos em Lisboa. Perdeu um velho amigo, José Sócrates, mas encontrou na dupla Passos Coelho/Paulo Portas novos amigos que continuaram a abrir as portas (e outras coisas) que existiam e as que não existiam à entrada triunfal do seu clã. Seguiu-se António Costa e, nesta matéria, só mesmo as moscas é que mudaram.
E, afinal, António Costa – tal como Jerónimo de Sousa – nada mais é que uma reedição dos anteriores amigalhaços de José Eduardo dos Santos. São, de facto, fuba do mesmo saco. O “querido líder” sabe disso e goza à brava. Faz bem. Se eles se ajoelham… têm de rezar. E quando precisa de uma ajudinha no branqueamento dos seus crimes pode sempre contar, é claro, com os camaradas do PCP. Pode ele, como pode Kim Jong-un.
Ao que parece, tal como José Sócrates, também António Costa (ainda para mais agora que precisa do PCP para governar) não está interessado em que o MPLA alguma vez deixe de ser dono de Angola. Os comunistas assinam por baixo. O processo de bajulação continua a bem, dizem, de uma diplomacia económica que – neste caso – se está nas tintas para os portugueses e para os angolanos.
Embora já não tendo, como nos tempos áureos do camarada Álvaro Cunhal, tantos ditadores para idolatrar, o governo PS/PCP (nesta matéria o Bloco de Esquerda está na oposição, sendo que PSD e CDS estão no governo) continua a querer dar-se bem com os que existem, sobretudo com aqueles que têm dinheiro para ajudar a flutuar as ocidentais praias lusitanas.
Tal como Passos Coelho e Paulo Portas, António Costa e Jerónimo de Sousa (um mais modesto e o outro mais efusivo) acreditam que o importante para Portugal são os poucos que têm milhões e não, claro, os milhões que têm pouco… ou nada. E têm razão. São esses poucos que poderão ajudar a flutuar o país, bem como a branquear os BPN, BES, BANIF etc.. Prorroga-se, portanto, o prazo de validade do estatuto de protectorado que o regime de José Eduardo dos Santos concedeu a Portugal.
E se Paulo Portas dizia que as relações com Angola eram excelentes, é porque eram mesmo. É por isso que o actual governo socialista e comunista quer ir mais além nesta matéria. E quer ficar na história por ser no seu consulado que se firmará a Oferta Pública de Aquisição lançada por Angola (que não pelos angolanos) sobre Portugal.
As relações são tão excelente como os 68% (68 em cada 100) de angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
Tão excelentes como o facto de 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Tão excelentes como Angola ser um dos países mais corruptos do mundo.
Tão excelentes como a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos.
Tão excelentes como o facto de 80% do Produto Interno Bruto ser produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada ser subtraída do erário público e estar concentrada em menos de 0,5% de uma população.
Tão excelentes como a certeza de que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Corroborando a velha estratégia de bajulação comunista, socialista, social-democrata e democrata-cristã ao regime angolano, os portugueses continuam agora a assistir a novos episódios da mesma bajulação, embora com diferentes… moscas.
Parafraseando José Sócrates, não basta ser líder partidário para saber contar até doze sem ter de se descalçar… Mas, é claro, ser (ou apoiar) do governo é suficiente para, por ajuste directo, entregar ao dono de Angola tudo o que ele quiser. Espera-se, aliás, que queira tudo e mais alguma coisa.
Socialistas à lista e por medida
O secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, disse no dia 27 de Novembro de 2015, em entrevista à agência Lusa, esperar que o novo Governo socialista português “mantenha relações boas” entre os dois estados.
O dirigente angolano falava à margem da segunda reunião anual da Internacional Socialista, em Luanda, encontro em que a comitiva portuguesa do PS foi aplaudida pelos restantes representantes pela posse do novo Governo de Portugal.
“As nossas relações entre povos, estados, não podem ser perturbadas, seja qual for a situação. Seja quem vier, quem estiver lá em Portugal a dirigir, nós teremos sempre as melhores relações com o Estado, Governo ou com o povo português”, afirmou Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”.
O secretário-geral do MPLA sublinhou que as relações com o PS “nunca foram más”, apesar da acção de algumas “alas”, mas algo que “já pertence ao passado”.
Pertencerá ao passado? É certo que a influência de Mário Soares é residual. Além disso, o governo de António Costa conta com o vital apoio do Bloco de Esquerda que diz do regime angolano o que Maomé não disse do toucinho.
“Nós não damos muita importância àquilo que dizem contra nós. O que nós queremos é que quem estiver em Portugal tenha e mantenha relações boas com Angola. Existem relações entre nós, até quase familiares”, insistiu o dirigente do MPLA.
Recordou que chegaram a estar a trabalhar em Angola, no pico da crise em Portugal, mais de 300.000 portugueses, sublinhando também por isso a necessidade de manter o nível de relacionamento bilateral.
“Que haja um ou outro a querer problemas com Angola, nós não ligámos muito. O que importa a Angola é manter as mesmas relações que tivemos desde a nossa independência com Portugal. Seja quem estiver lá no Governo, que mantenha as melhores relações connosco”, enfatizou.
Questionado sobre a preocupação que algumas figuras do regime angolano têm demonstrado, publicamente, com a possível influência do Bloco de Esquerda, o secretário-geral do MPLA desvalorizou.
Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, que é igualmente vice-presidente da Internacional Socialista, desafiou mesmo os dirigentes do Bloco de Esquerda a visitar Angola.
“Venham a Angola. Angola está aberta, não tem problema”, disse.
Em síntese, o MPLA quer que Portugal mantenha, ou aumente, o nível de bajulação ao “querido líder”. E isso vai necessariamente acontecer. E isso está hoje a acontecer em Luanda. O Parlamento português tem, no caso das relações com o regime de Eduardo dos Santos, uma esmagadora maioria de invertebrados bajuladores. PSD, CDS, PS e PCP fazem desse misto da sabujice e bajulação um modo de vida, uma forma de subsistência. A excepção é o BE. Mas, como tal, apenas confirma a regra.
É que se assim não for, o regime fecha a torneira. O general Bento dos Santos Kangamba, sobrinho do presidente vitalício da “reipública”, bem diz: “As pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado soberano”.
Internacional sócios à lista
O MPLA pertence à Internacional Socialista. O português PS também. Ana Gomes é uma eurodeputada do PS que, contudo, tem mostrado que o rei Eduardo dos Santos e o seu regime vão nus. João Soares, ex-ministro de António Costa, diz o mesmo.
A Internacional Socialista, mau grado uma ou outra voz discordante, continua na posição em que mais gosta de estar e que, aliás, parece estar no seu ADN: de cócoras perante as ditaduras ricas de África.
E assim sendo, não se cansa de elogiar o MPLA, mesmo sabendo que o regime está no topo dos mais corruptos e violadores dos direitos humanos, entre outras “qualidades”, atribuindo-lhe os méritos de uma não só boa como exemplar governação.
Não fosse o drama do Povo e até seria uma anedota simpática. Não deixa, contudo, de ser uma eficiente operação de branqueamento.
A informação sobre este reconhecimento da IS foi exponenciada pelo vice-presidente do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”.
“A internacional Socialista segue com muita atenção e satisfação os progressos de Angola e reconhece que os avanços são reflexos da boa governação do partido no poder” – sublinhou, adiantando que a organização está muito satisfeita com o trabalho do MPLA de uma forma geral.
O também secretário-geral do MPLA, referiu, entretanto, que os membros da Internacional Socialista destacaram positivamente a organização e estruturação do seu partido, o que o anima a continuar a trabalhar com a mesma determinação e fortalecer-se cada vez mais. O que significa trabalhar para os (seus) poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco ou… nada.
A Internacional Socialista foi fundada em 1951. Está sediada em Londres, Inglaterra, congrega 168 partidos social-democratas, socialistas e trabalhistas, ex-marxistas-leninistas, autocráticos, ditatoriais e similares desde que estejam no poder e tenham riquezas substanciais, pouco importando que sejam roubadas ao Povo. Cerca de 60 dos seus filiados estão no Governo dos seus países.
No regime político português, o MPLA colhe apoios na (quase) totalidade do espectro partidário. Desde o Partido Comunista, de quem recebeu o poder aquando da independência, à ex-maioria governamental, social-democrata e democrata cristã. Está ainda fortemente irmanado com o Partido Socialista, seu parceiro na Internacional Socialista, bajulador de primeira linha e invertebrado há longos anos.
E eis que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, também líder do MPLA, foi recebido recentemente com honras militares no Palácio do Eliseu, em Paris, pelo homólogo francês e camarada na Internacional Socialista, François Hollande.
A visita, doze anos depois do caso “Angolagate”, relançou a cooperação socialista na estratégia de limpeza de imagem e de branqueamento de um regime politicamente moribundo mas economicamente pujante.
François Hollande e o seu Partido Socialista estão apenas interessados que as petrolíferas francesas, entre outras empresas, regressam rapidamente e em força a Angola, do que em se preocupar com os valores éticos em que se baseia a própria França. Paris acha, à luz desses valores éticos e apesar de ter engavetado o socialismo, que Eduardo dos Santos é uma besta. Mas quando olha para a economia, substitui a palavra besta por bestial.
Só por mero desconhecimento dos elogios da IS ao MPLA é que a organização não-governamental Corruption Watch condena a decisão da Suíça de não reabrir o caso “Angolagate”, uma decisão que põe em causa a vontade das autoridades suíças de acabar com o crime financeiro.
“Obviamente, tanto nós, Corruption Watch, no Reino Unido, como a Associação Mãos Livres, em Angola, estamos extremamente desapontados e surpresos perante esta decisão”, disse na altura o seu director, Andrew Feinstein.
Recorde-se que, em Abril de 2013, um relatório intitulado “O acordo corrupto de dívida Angola-Rússia” serviu de base a uma denúncia penal, depois descartada pelo Ministério Público suíço, que considera que esta denúncia [de cidadãos angolanos e da Corruption Watch] não apresenta nenhum elemento novo que justifique uma reabertura do procedimento”.
A razão é, contudo, outra. Tudo se deve ao facto de o caso criar uma série de dificuldades em relação a informações adicionais sobre correntes de dinheiro que podem estar ligadas à corrupção através de contas bancárias suíças.
Apesar de o Ministério Público suíço alegar a inexistência de novos elementos que justifiquem a reabertura do processo, a Corruption Watch garantia que foram apresentadas questões que não estavam disponíveis na altura dos mais recentes procedimentos penais do Ministério Público de Genebra, em 2010.
Aliás, um dos protagonistas do “Angolagate” terá aberto contas bancárias em Chipre, através das quais fez elevadas transferências de dinheiro, desconhecidas tanto pelo tribunal de Genebra como pelos seus próprios parceiros de negócio, que o terão processado duas vezes fora da Suíça.
Relembre-se que, por exemplo, o partido fundado por Hosni Mubarak, durante décadas no poder, está integrado na Internacional Socialista, sendo por isso, como já em 2011 lembrava o especialista angolano Eugénio Costa Almeida, “interessante ver como muitos partidos ditos democráticos, mas com práticas bem autocratas e ditatoriais e no poder há muitos anos, alguns há mesmo mais de vinte anos, são aliados ou associados da Internacional Socialista.”
Angola é uma ditadura? Formalmente não, de facto sim. Mas o que é que isso importa à Internacional Socialista? A esta organização – como à CPLP, à UA, à ONU, à UE – só interessa saber se tem petróleo. Se tem, e tem muito, coisas menores como os direitos humanos, a democracia, a liberdade, a cidadania, a justiça social são mesmo isso – menores.
“Dino Matrosse” bem poderia perguntar: Se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do socialismo, mesmo que os seus líderes sejam hoje bestiais e amanhã umas bestas, por que carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola e ao MPLA?
Como diz o MPLA, seja pela boca dos seus dirigentes ou através dos sipaios, ninguém dá crédito a partidos como o português Bloco de Esquerda que, entre outras coisas, acusou o Governo de Passos Coelho de admirar “tiranos” e de se remeter a “silêncios” em matéria de política externa.