Pelo menos 40 mil pessoas estão a ser deixadas a morrer à fome nas zonas de guerra do Sudão do Sul. Quem o diz é ONU num relatório hoje publicado. Relatórios não faltam. Falta é tudo o resto. Além disso, cerca de 2,8 milhões de pessoas já precisam de ajuda, perto de um quarto da população do Sudão do Sul.
Por Orlando Castro
Os dados divulgados no relatório da ONU revelam que a situação nunca esteve pior em dois anos de guerra civil, marcada por atrocidades e acusações de crimes de guerra, incluindo o bloqueio do fornecimento de alimentos.
“Perto de 25% da população do país tem necessidade urgente de ajuda alimentar e pelo menos 40 mil pessoas estão à beira da catástrofe”, disseram a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa Alimentar Mundial (PAM) num comunicado conjunto.
“As famílias têm feito tudo o que podem para sobreviver, mas estão a ficar sem opções”, diz Jonathan Veitch, responsável da UNICEF para o país, acrescentando que “muitas das áreas onde as necessidades são maiores estão fora de alcance devido à situação da segurança”.
O papel dos “amigos” chineses
Julho de 2008. A China ajuda militarmente o Governo do Sudão nas acções levadas a cabo em Darfur, revelou o programa “Panorama” da BBC. Ajuda é dada apesar do embargo da ONU.
Os investigadores encontraram, entre outras provas, camiões militares de fabrico chinês em Darfur, exportados em 2005, apesar do embargo de armas imposto pela ONU. Foram também registados testemunhos de que Pequim treinava pilotos sudaneses para os caças chineses A5 Fantan.
O embargo imposto pela ONU exigia que os governos estrangeiros não ajudassem militarmente nenhum dos grupos envolvidos no conflito.
Segundo observadores internacionais que regularmente enviam informações sobre a situação para as Nações Unidas, os meios da força multinacional de paz em Darfur deviam ser reforçados e a China pressionada para que a violência terminasse nesta província do Sudão.
Segundo Daoud Hari, um refugiado de Darfur que vive nos EUA e que na altura esteve em Portugal para promover o seu livro sobre este drama (“O Intérprete”), “as forças de paz, se tiverem meios, podem fazer a diferença”. O problema está, contudo, no facto de “os países ocidentais não querem agir por causa da China”. E o que querem os chineses? “Querem o petróleo, pouco se importando com tudo o resto”, afirmou Daoud Hari.
No contexto africano é cada vez maior a influência chinesa, seja através de “meras” relações comerciais ou de uma crescente influência política e militar, da qual o Zimbabué e Angola são exemplos palpáveis.
Primeiro, recorde-se, com a crise que envolveu um navio carregado de armas para o regime de Robert Mugabe e ao vetar no Conselho de Segurança das Nações Unidas a resolução que pretendia impor sanções a Harare.
Segundo a União Africana, que em 2008 reconhecia não ter meios para controlar a situação, o problema residia no facto de a comunidade internacional estar, por exemplo, mais preocupada com o que se passa no Líbano do que com a catástrofe em Darfur.
“Em relação a África parece que o problema é só o da fome”, lamentava Daoud Hari, acrescentando que “em Darfur não tinham fome antes desta crise, o que revela que a questão fundamental é de segurança”.
Em África, as vítimas, sejam de guerra, de fome, de doenças, contam-se sempre por muitos milhares. A ONU reviu as contas dos últimos cinco anos – isto em 2008 – do conflito em Darfur e chegou à cifra de 300 mil mortos, mais 100 mil do que os dados anteriores. Embora ainda não revistos, os dados sobre os 15 anos de guerra civil no Burundi também apontavam para mais de 300 mil mortos.
No entanto, o então embaixador sudanês na ONU, Abdalmahmoud Abdalhaleem, qualificou de “exagero grosseiro” o balanço de John Holmes, subsecretário-geral das Nações Unidas para as questões humanitárias, embora não avançando com estatísticas oficiais e reconhecendo que não sabia se, nesse ano, o Sudão tinha a população estimada pelas Nações Unidas, em 38 milhões de habitantes.
Abdalmahmoud Abdalhaleem disse, aliás, que, “no máximo, o número de mortos provocados pelo conflito de Darfur é de dez mil”.
África, ora num país ora noutro, continua a mostrar o que todos sabem, mas que ninguém quer ver. E qual será a razão pela qual ninguém quer saber a verdade? Não querem pela simples razão de que são pretos e para muita gente da Europa, dos EUA e restantes potências, ser preto não é sinónimo de ser gente.