Ao que parece, os ortodoxos do regime – superiormente dirigidos por José Eduardo dos Santos (Presidente nunca nominalmente eleito e no poder deste 1979) – não conseguem deixar a todos nós algo mais do que a pura expressão da cobardia que, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.
Por Orlando Castro
T alvez esses génios, quase todos paridos nas latrinas dessa cobardia, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade. É por isso que alimentam o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecendo que a liberdade deles termina onde começa a dos outros.
Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidade, é certo – compartilhada por todos os que responderam a esta chamada) de tentar o impossível já que – reconheçamos – o possível fazemos nós todos os dias.
Como jornalistas, como angolanos, como seres humanos, entendemos que a situação no nosso país ultrapassa todos os limites, mau grado a indiferença criminosa de quem, em Angola ou no Mundo, nada faz para acabar com a morte viva de um povo que morre mesmo antes de nascer.
E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto e Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) canta e ri. E morre enquanto outros, nos areópagos do pode em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, no interior do território, nem sabem o que é comer.
É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, ninguém sairá vencedor, mesmo havendo eleições. Todos perdem. Todos perdemos.
Cremos, aliás, que o próprio Presidente José Eduardo dos Santos terá, de vez em quando, consciência de que a sua ditadura não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução.
Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos de sangue derramado, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros.
Se nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não será difícil entender que a força da razão pode e deve substituir a razão da força.
Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.
Mais do que julgar e incriminar importa, nesta altura, parar. Parar definitivamente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milionários, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para enganar o Povo.
Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, a liberdade e o Estado de Direito cheguem antes de morrer o último angolano. Esperamos que disso se convença José Eduardo dos Santos, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
Ou será que se orgulha?
Foto: 4 de Abril de 2002, o chefe das Forças Armadas de Angola, à direita, Armando da Cruz Neto, e Abreu Muengo ‘Kamorteiro’, comandante das FALA.