VENÂNCIO MONDLANE ACUSADO COM PROVAS FRÁGEIS

A Procuradoria da República – Cidade de Maputo, 6.ª Secção “C”, abriu a caixa de pandora, ao avocar, instruir e acusar no processo n.º 773/11/P/2024-6.ª “C”, sem escrutinar a força do Direito Eleitoral, blindado pela Constituição.

Por William Tonet

A acusação é inócua, abalroa, ostensivamente, prazos (14 meses), porque ao justificar a al.ª a) n.º 3 do art.º 323.º CPP, esqueceu-se do mastro da conjugação do n.º 2 do art.º 256.º CPP, estar relacionado com o excesso de prisão preventiva, alheia ao escopo em tela, como ao ilícito vinculante: “terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos”, alheios a acusação da PGR distrital.

Vejamos,

I. Um crime de apologia pública ao crime, p. E p. Pelo artigo 346.º, n.º 1 do Código Penal;

II. Um crime de incitamento à desobediência colectiva, p. e p. pelo artigo 396.º do Código Penal;

III. Um crime de instigação pública a um crime, p. e p. pelo artigo 345.º, n.º 1 do Código Penal;

IV. Um crime de instigação ao terrorismo, p. e p. pelo artigo 13.º da Lei n.º 15/2023, de 28 de Agosto, conjugado com o artigo 11-A, aditado a este diploma legal pela Lei n.º 4/2024 de 22 de Março.

V. Um crime de incitamento ao terrorismo, p. e p. pelo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2023, de 28 de Agosto, conjugado com o artigo 11-A, aditado a este diploma legal pela Lei n.º 4/2024, de 22 de Março.

A acusação da PGR ao ancorar nos crimes de instigação ao terrorismo e incitamento a prática do crime de terrorismo, a Lei 4/2024 de 22 de Março, sem fundamentar e ausência justificativa “da causa de pedir e pedido”, bem como escrutínio do juiz, parece excessiva, nesta fase, vez que esta revoga, em grande parte, a lei anterior evocada.

Ademais, nos crimes de instigação (acção conexa ou à constituição de pessoa colectiva, grupo, organização ou associação terrorista – pena 20 a 24 anos – art.º13.º) e incitamento (induzir um terceiro a difundir mensagem, incitando a prática dos factos previstos no artigo 11 da presente Lei – pena 12 a 16 anos –art.º 14.º), não pode haver presunção do órgão acusador. É fundamental apresentar factualidade, materialidade, alcance, incorporação e acção ilícita de terceiro(s), motivado(s), “ab initium” pelo autor moral.

No rolo acusatório da PGR distrital (incompetente em razão da matéria e agente, membro do Conselho de Estado), constam 24 provas documentais, frágeis, sem base de imputabilidade. Sete (7) audiovisuais, bizarras assentes, marginal a “mandado de buscas e captura”, mas no plantar da PGR, nos autos, de gravações de vídeos, por si feitas, extraídos da plataforma de VM7, editando e colocando-os em PEN’s, juntando-os ilegalmente, ao processo, no seu interesse exclusivo, distante da verdade material.

E, ainda, cinco (5) provas testemunhais, estas, pasme-se, de contrários/dissidentes ideológicos, antes apadrinhados por Venâncio Mondlane (Albino Forquilha, Duclésio dos Santos Chico), da antiga plataforma política (PODEMOS) e outros do partido/Estado (Comando – Geral da PRM; Fundo de Estradas; Revimo).

Tudo muito frágil e juridicamente sinuoso.

JUSTIÇA BANALIZA ÓRGÃO DE ESTADO

O político Venâncio Mondlane é um fenómeno não só moçambicano, como africano, cujo caso está longe de ser pacífico, pela divisão de águas e do “quantum“ de subjectividade.

Hoje é alvo de estudos político-jurídico, não só pela capacidade argumentativa, oratória, ousadia mobilizadora de massas, marketing, como a forma reivindicativa, junto dos órgãos de Estado, nos marcos constitucional e legal. E é isso que baralha, instituições judiciárias e judiciais, que o tentam arredar do palco político nacional, com acusações falsas, principalmente, por até hoje, resistir à tentação de cunhar impressões digitais na pocilga da corrupção.

Arredar Venâncio Mondlane de concorrer às próximas eleições ou de não legalizar o seu partido político, parece ser o objectivo da acusação, ao pisotear, intencionalmente, o n.º3 do art.º 15.º da Lei 5/2005 de 1 de Dezembro: “O membro do Conselho de Estado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo, nos termos da lei”.

Ainda na acusação do processo 773/11/P/2024 – 6.ª “C”, o procurador da República, parece assumir a partidocracia, ao desviar-se da al.ª i) do art.º 163.º CRM (Constituição), conjugado com a al.ª i) do art.º 1 da Lei 5/2005 de 1 de Dezembro, Lei de Organização do Conselho de Estado, “o segundo candidato mais votado nas eleições presidenciais” integra automaticamente o Conselho de Estado, órgão político de consulta ao Presidente da República. Esta previsão constitucional não é meramente simbólica ou formal — trata-se de uma norma material, com efeitos jurídicos concretos e imediatos.

Nessa condição VM7 adquire direitos e prerrogativas substanciais, independentemente de qualquer cerimónia de tomada de posse, tais como:

a) Imunidade criminal que, entre outros, impede a sua detenção sem autorização do próprio Conselho de Estado, salvo em flagrante delito por crimes graves;

b) Passaporte diplomático e livre-trânsito, que lhe conferem mobilidade e acesso institucional;

c) Acesso a informações privilegiadas, essenciais para o exercício da função consultiva;

d) Participação em decisões estratégicas, como dissolução do parlamento ou declaração de estado de emergência.

O argumento de ausência de posse formal, não colhe e esvaziaria, segundo Rui Verde, o conteúdo da norma constitucional, transformando um direito material em mera expectativa.

A Constituição não exige qualquer acto adicional para que o segundo mais votado passe a integrar o Conselho de Estado — a sua legitimidade decorre directamente do resultado eleitoral validado pelo Conselho Constitucional.

Qualquer tentativa de condicionar o exercício dessas prerrogativas à tomada de posse seria uma violação do princípio da supremacia constitucional e da materialidade dos direitos políticos, até por ser imputável ao Presidente da República, Daniel Chapo, a violação do n.º 6 do art.º 6 da Lei 5/2005 de 1 de Dezembro: “O membro do Conselho de Estado referido na alínea i) do n.° 2 do artigo 1 da presente Lei toma posse até 60 dias após o acto de validação e proclamação dos resultados da eleição do Presidente da República pelo Conselho Constitucional”.

Portanto, a norma é auto-aplicável e vinculativa. A sua eficácia não depende da vontade política nem de formalismos administrativos.

Ademais o n.º 2 do art.º 14.º da Lei 5/2005, os membros do Conselho de Estado, não podem “ser processados judicialmente, detidos ou julgados pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções”. Isso implica que a acusação teria, de indicar quais os ilícitos cometidos, como candidato presidencial, ao abrigo da doutrina eleitoral e quais os no exercício de funções, uma vez o n.º 3 delimitar as excepções: “Exceptuam-se a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal por injúria, difamação ou calúnia.

Por outro lado, no contexto da lei penal moçambicana, os crimes de instigação ou incitação não se confundem com meros actos de expressão, como fazer vídeos e divulgá-los.

Para que uma conduta seja juridicamente considerada como instigar ou incitar à prática de um crime, é necessário que estejam presentes elementos típicos específicos, definidos pela norma penal.

A simples produção ou divulgação de conteúdos — mesmo que críticos ou provocadores — não configura automaticamente um crime.

O Código Penal exige que a conduta:

a) Seja intencional, ou seja, o agente tenha o propósito claro de levar outros à prática de um crime;

b) tenha potencial concreto de provocar a acção criminosa, não bastando a mera opinião ou crítica;

c) esteja directamente ligada a um tipo penal específico, como incitação à violência, à desobediência civil ou à prática de actos ilícitos definidos na lei.

Além disso, a farta jurisprudência e a doutrina penal moçambicana reconhecem que a liberdade de expressão é um direito constitucional (art.º 48.º), e só pode ser limitado quando houver risco real e imediato à ordem pública ou aos direitos fundamentais de terceiros, como consagra o n.º 6 do referido acordo.

Portanto, para que se configure o crime de instigação ou incitação, é necessário que o conteúdo divulgado: ultrapasse os limites da crítica legítima, seja dirigido a um público determinado com capacidade de execução, esteja vinculado a um contexto de mobilização para a prática de actos criminosos, e não apenas à manifestação de ideias. Reduzir o conceito penal de instigação à simples publicação de vídeos seria uma interpretação abusiva e incompatível com o princípio da legalidade penal, que exige tipicidade estrita e interpretação restritiva das normas incriminadoras.

À luz da realidade moçambicana actual, é juridicamente essencial reconhecer que a mobilização popular não pode ser automaticamente atribuída à instigação ou incitação por parte de indivíduos que divulgam conteúdos críticos ou políticos.

A análise penal deve considerar o contexto social e político concreto, especialmente quando há factores estruturais que, por si só, já funcionam como catalisadores de acção colectiva.

Diversos estudos e relatórios recentes apontam que as manifestações pós-eleitorais em Moçambique foram impulsionadas por problemas sócio-económicos profundos, como: a) a fome; b) a pobreza extrema; c) a má governação; d) a corrupção institucionalizada; e) a falta de transparência no processo eleitoral.

Esses elementos geraram um ambiente de insatisfação generalizada, onde os cidadãos se mobilizam, pela flagrante fraude eleitoral e não necessariamente por influência de terceiros, mas por necessidades reais e urgentes que afectam directamente as suas condições de vida.

Nesse sentido, a imputação penal por instigação ou incitação deve ser cuidadosamente analisada à luz do princípio da causalidade e da tipicidade estrita.

Se os destinatários de uma mensagem crítica já se encontram em estado de mobilização por razões estruturais — como, a) a ausência de serviços públicos; b) insegurança alimentar ou c) descrédito nas instituições eleitorais — então a conduta do agente comunicador não pode ser considerada causa directa e suficiente da acção colectiva.

Por exemplo o Conselho Constitucional, não fundamentou, as razões e o quadro constitucional estimulador para, discricionariamente, subtrair e adicionar votos aos candidatos e partidos políticos, numa clara cumplicidade e acordo sub-reptício com o regime, visando a sua manutenção no poder.

Daí que a responsabilização penal exige que a PGR seja capaz de provar ou apresentar fortes indícios e não presumir que as mensagens de Venâncio Mondlane tenham sido o factor determinante e exclusivo da mobilização, o que se torna insustentável diante de um cenário de crise sistémica.

Portanto, qualquer tentativa de criminalizar o discurso político ou crítico sem considerar os motivos legítimos e independentes que levam a população à rua representa uma violação do princípio da justiça material e da liberdade de expressão.

A análise jurídica deve ser contextual, rigorosa e respeitadora dos direitos fundamentais, sob pena de se transformar o sistema penal num instrumento de repressão política.

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