O presidente do MPLA, coadjuvado pelo Presidente da República (não nominalmente eleito), pelo Titular do Poder Executivo e pelo Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, general João Lourenço, diz que “ao longo dos anos, a RTP foi a cadeia televisiva que acompanhou, quase em exclusividade, as actividades desenvolvidas pelo Governo angolano”.
Por Orlando Castro
Com o brilhantismo que lhe é peculiar, o general dono do reino diz que “por força de notícias tendenciosas que foram sendo veiculadas pela referida estação nos últimos tempos, o Governo soberano de Angola decidiu dar por findo o privilégio de acesso ao Palácio Presidencial. A RTP foi notificada no dia 15 de Abril de 2025 sobre a cessação da sua prestação em eventos no Palácio Presidencial”.
Assim, “esta decisão foi entretanto ignorada pela RTP, que na última terça-feira 13 de Maio, se apresentou na sala de imprensa do Palácio, mesmo sabendo que não constava da lista de órgãos com acesso autorizado, pelo que foi convidada a abandonar o local, contrariamente ao que se veiculou na imprensa portuguesa. Nenhum jornalista ou cadeia televisiva angolana se atreve a entrar num Palácio Presidencial sem que para tal esteja credenciado”.
Perante a situação, esclarece o “escolhido de Deus” (versão II), “estranhamos, por isso, esta campanha de vitimização, que não abona os laços de amizade e cooperação entre os dois países”.
MPLA FAZ TUDO PARA MATAR A IMPRENSA LIVRE
Thomas Jefferson disse que “se tivesse de escolher entre governo sem jornais e jornais sem governo, não hesitaria em escolher esta última”. Sem imprensa livre, não há democracia. Em Angola o MPLA entende que a sua “democracia” se faz sem uma imprensa livre. E a comunidade internacional finge que não vê.
O ex-ministro da Comunicação Social do MPLA, João Melo, considerava, em 2019, que “ainda não houve tempo” para “progressos notáveis” de liberdade de imprensa, afirmando no entanto que houve “avanços inegáveis” da nova governação. Quem diria…
Vejamos então qual é, do ponto de vista oficial do Governo do general João Lourenço, a missão de quem tem a incumbência de controlar a comunicação social, seja através de um ministério específico ou, como é agora, do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, auxiliado por outra sucursal do MPLA, a ERCA, apenas pretende – como aliás consta das suas atribuições – “organizar e controlar”.
“O Ministério da Comunicação Social é o órgão do Governo encarregue de organizar e controlar a execução da política nacional do domínio da informação, e tem as seguintes atribuições:
a) auxiliar o Governo na realização da política nacional da informação;
b) organizar e manter um serviço informativo de interesse público;
c) tutelar a actividade da área da comunicação social;
d) licenciar o exercício da actividade de radiodifusão e televisão;
e) proceder ao registo das empresas jornalísticas e de publicidade, bem como dos programas de radiodifusão sonora e televisão, para efeitos estatísticos, de defesa da concorrência e direitos de autor;
f) autorizar o exercício, em território nacional da actividade de correspondente de imprensa estrangeira e informar o Governo sobre a forma como a profissão é exercida;
g) promover a divulgação das actividades oficiais utilizando para tal a imprensa, conferências, radiodifusão, televisão e outros meios disponíveis;
h) desempenhar outras tarefas superiormente acometidas decorrentes da actividade própria que lhe é inerente.”
Em 2019, João Melo, que falava no acto central alusivo do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, disse, no entanto, ser “compromisso” da tutela trabalhar para que os “progressos e melhorias” no domínio da liberdade de imprensa em Angola “sejam constantes e notáveis”. Como somos ingénuos, acreditamos na altura, continuamos a acreditar hoje, que isso possa acontecer quando Angola for o que ainda não é, um Estado de Direito Democrático.
“Para já, não houve tempo para isso, porque na vida da Humanidade os processos históricos, sociais, políticos e económicos levam, necessariamente, tempo, mas já houve tempo, sim, para que os progressos no domínio da liberdade de imprensa em Angola sejam inegáveis” disse João Melo.
Disse e disse muito bem. José Eduardo dos Santos não conseguiu fazer nos seus 38 anos de Poder. Como o seu discípulo, João Lourenço, é muito mais rápido talvez o consiga fazer nos próximos… 20 anos. Mas isso é muito tempo, dizem os mais críticos. Será. Mas temos de compreender que faltam poderes ao Presidente da República que, alias, é também e apenas Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.
Segundo João Melo, desde a tomada de posse do Presidente João Lourenço, a 26 de Setembro de 2017, o Governo e a sociedade trabalham juntos para “gradualmente e realisticamente irem introduzindo mudanças e melhorias inegáveis” no domínio da liberdade de imprensa em Angola, mudanças essas só aceitáveis se enquadráveis na tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.
Para João Melo, as melhorias registadas, “são inegáveis”, um cenário, frisou, que é “reconhecido pela sociedade a todos os níveis e em várias ocasiões desde os cidadãos comuns a cidadãos com outro nível de responsabilidade”. Basta ver os órgãos públicos para se saber quão enorme são essas melhorias…
“Esse reconhecimento também surge de organizações e entidades internacionais que se dedicam a analisar o estado da informação e da liberdade de imprensa no mundo”, apontou João Melo.
“Por outro lado, o universo de meios que essa organização analisou também está longe de constituir a totalidade dos meios que compõem hoje o sistema de comunicação social em Angola, deixando de fora meios que estão a ter um papel importante no panorama de media do nosso país”, referiu o ex-discípulo de José Eduardo dos Santos, depois convertido aos másculos encantos de João Lourenço.
João Melo manifestou-se igualmente satisfeito pelas “melhorias por todos reconhecidas”, garantindo, contudo, “muito trabalho” para que sejam atingidos “saltos ainda maiores do que aqueles dados desde as eleições de 2017”.
Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional, era o que o Ministério da Comunicação Social pretendia para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único para a era de único partido) é de Celso Malavoloneke, então adjunto de João Melo para todos os serviços.
Hoje, misturando comunicação social com telecomunicações e tecnologias de informação, o bacanal tornou-se mais visível.
De qualquer modo, quem é o próprio Titular do Poder Executivo (ou qualquer outro dos seus servis auxiliares) para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional”?
Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou (permitam-nos a candura da nossa ingenuidade) com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?
Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke informou que o então Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.
Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serem formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.
Celso Malavoloneke lembrou que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar.
Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.
Vejam-se, hoje, os exemplos das TPA, TV Zimbo, Jornal de Angola, RNA e de todo o exército que o MPLA colocou a pressionar, ameaçar, tentar subornar, os que ainda resistem.
Nós por cá vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem. Para nós a verdade é a melhor forma de patriotismo. E a verdade não está sujeita às “leis” do MPLA/Estado. Isto não evita, é claro, que as pressões, as ameaças, os processos por suposta difamação, as tentativas de suborno sejam o pão nosso de cada dia.
Vamos, em síntese, estar apenas preocupados com as pessoas a quem devemos prestar conta: os leitores. Se calhar, parafraseando Celso Malavoloneke, não seremos tão patrióticos como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos.
E, é claro, não temos culpa de a maioria dos imbecis e criminosos, para além dos corruptos, estar no MPLA.