Leviatã é um peixe feroz citado na Tanakh, ou no Antigo Testamento. Vive no fundo dos mares. É uma criatura que, em alguns casos, pode ter interpretação mitológica, ou simbólica, a depender do contexto em que a palavra é usada. Geralmente é descrito como tendo grandes proporções. Um verdadeiro monstro. É um controlador dos mares, o demónio insensível ao mal que causa a terceiros.
Por William Tonet
O país jurídico sucumbiu e foi rebuscar palavras cândidas da língua portuguesa, mas alojadas no fundo dos dicionários, que no caso em tela, se aplicam, muito poucas ou raras vezes: esdrúxulo e apatifar, sendo a primeira um adjectivo e a segunda um verbo.
O visado da aglutinação é Joel Leonardo, que quando menos esperava, viu baixar o martelo presidencial, ordenando-lhe a assinatura, publicação e difusão, nas redes sociais, uma carta de cessação de funções de presidente do Tribunal Supremo e Conselho Superior da Magistratura Judicial.
A ordem imperativa, isenta o agente de qualquer questionamento, uma vez, por altura da nomeação (2019), não ter sido respeitado nenhum escrutínio profissional (era juiz de direito na Huíla), lista tríplice dos pares, notável saber jurídico e reputação ilibada.
Daí o rogo de João Lourenço ser, por muitos, considerado uma resposta a alegada traição de Joel Leonardo, que sem “ordens superiores”, despronunciou Higino Carneiro, que o teria, “generalmente untado”, superando as incontáveis mordomias, bens móveis e imóveis palacianos.
Para o Presidente da República, um erro capital dessa dimensão é incompatível com a continuidade num cargo que deve ser visto, pelos titulares, como de “completa submissão ao Titular do Poder Executivo”, logo, descumprir significa: “porta da rua, serventia da casa”…
Assim emerge o ofício n.º 558/GAB.J.C.PRES.TS/ 2025 de Joel Leonardo, que de mentira em mentira, até a mentira final, as comunidades jurídica e civil, no 29.08.25, recorrendo ao mesmo “modus operandi” de Exalgina Gamboa (ex-presidente do Tribunal de Contas), foi cinicamente forçado a dizer o que não lhe ia na alma.
“Agradeço penhoradamente à Vossa Excelência Senhor Presidente da República, todo apoio prestado durante as funções por mim assumidas desde a data do respectivo acto de posse”
No entanto, a livre cessação de cargo, evocada pelo agente, leva a questionar se a mesma se enquadra no n.º 2 do art.º 179.º CRA: “são inamovíveis, não podendo ser transferidos, promovidos, suspensos, reformados ou demitidos (…)”.
No entanto Joel Leonardo sai, ficando como juiz conselheiro, numa demonstração da submissão do poder judicial ao Presidente da República. Mas a continuidade visa salvaguardar a jubilação, como magistrado do Tribunal Supremo, em homenagem ao n.º 4 do art.º 180.º CRA: “O juiz Presidente do Tribunal Supremo e o Vice-Presidente cumprem a função por um mandato de sete anos, não renovável”.
SAÚDE É UM ARTIFÍCIO, A CAUSA É AMIGA
De amigos a inimigos viscerais, João Lourenço e Joel Leonardo estão agora de costas viradas.
E, pasme-se, o pedido de cessação não resulta das investigações da PGR, colocadas desde 2020/1, na mesa do Presidente da República, mas de actos de favorecimento a um alegado amigo…
O presidente do Supremo sempre se convenceu ter João Lourenço sob controlo, pois mesmo nos piores momentos, quando a opinião pública e a maioria dos juízes estavam contra ele, o Presidente da República, o promovia ao grau de oficial general.
Por isso, quando menos se previa, ficou demonstrado que Angola só tem um órgão de soberania: o Executivo. Os outros (Legislativo e judicial) são submissos ao ponto de humilhar juízes, como atesta a carta de Joel Leonardo:
“Nos últimos tempos a situação do signatário, não tem sido satisfatória, razão pela qual venho por este meio comunicar à Vossa Excelência Senhor Presidente da República, a cessação das minhas funções de Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial”, lê-se na carta.
A renúncia, a que tudo indica, tem impressões digitais do Presidente da República, depois de ser confrontado com a impossibilidade de hastear o plano de “detonação jurídica”, arma predilecta contra os adversários políticos internos e externos, desde que ascendeu ao poder.
No caso em tela, face a cavalgada destemida do mais sério, até agora, rival político interno, Higino Carneiro que apresentou pré candidatura à liderança do MPLA, no congresso ordinário de 2026…
JLO ao instar Joel Leonardo para accionar o botão vermelho nos processos onde Higino Carneiro era acusado da prática dos crimes de peculato, nepotismo, associação criminosa, tráfico de influências e branqueamento de capitais, durante os consulados como ministro das Obras Públicas, governador de Luanda, Kwanza Sul e Kuando Kubango, no período entre 2016 e 2017, recebe a informação de arquivamento do processo, por despacho de despronúncia, ilibando o agente dos crimes que constituem bandeira de João Lourenço, mas só postos em prática, em casos selectivos.
Recorde-se que em Setembro de 2021 o procurador-geral da República, Hélder Pitta Gróz anunciou ao país e Presidência da República que o processo de acusação contra Higino Carneiro da prática do cometimento de vários ilícitos tinha seguido para o Tribunal Supremo.
A defesa de HC interpôs recurso, inconformada com o libelo acusatório e a materialidade exposta, mas foi minimizada por JLO, que fez ouvidos de mouco, imaginando que a pretensão seria contornada pelas antenas.
Rotundo engano.
Com a anulação pelo Supremo da “judicium accusationis” por não convencimento quanto à materialidade dos factos e indícios de autoria ou de participação criminosa do agente e sem recurso do MP acolhido, a prescrição beneficia o agente. E só, se novas provas robustas advirem, o processo será reaberto desde que o crime tenha punibilidade superior a dois anos e não haja prescrição.
Mas em Angola tudo pode acontecer, tal como previa o jusnaturalista Thomas Hobbes, a “guerra de todos contra todos” (Bellum omnium contra omnes) caracterizadora do “estado de natureza” pode sempre ser superada por um governo central e autoritário, uma espécie de monstro – o Leviatã – que concentra todo o poder em torno de si, ordenando todas as decisões da sociedade.
As semelhanças com Angola, são muitas…
SUPREMO, COUTADA FAMILIAR DE JOEL
Joel Leonardo tem uma invulgar apetência pelo poder e por sua iniciativa, nunca abdicaria, por isso transformou o Tribunal Supremo numa espécie de sucursal familiar. Agora sabe que poderá ser confrontado com muitos dos excessos, abuso de poder e intolerância cometidos.
Ele foi insensível a todos apelos pretéritos, para harmonizar e higienizar o órgão, incluindo quando a maioria (oito) dos juízes do Supremo (16.03.2023), deliberaram a cessação de funções, enquanto decorriam investigações da PGR, sobre várias denúncias.
“Os juízes conselheiros do Tribunal Supremo (TS) aprovaram uma deliberação para o afastamento do presidente do órgão Joel Leonardo, enquanto decorre a investigação em curso da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre às denúncias e acusações de corrupção e peculato que recaem, nas redes socais e em diversos órgãos de comunicação sobre o juiz presidente”.
O visado rejeitou, liminarmente a decisão, secundado pelo Presidente da República, que ostensivamente, pelos poderes excessivos que tem, mandou bugiar os magistrados e, nem mesmo quando a PGR no 18 de Maio de 2023, através do processo NUP 9240/2023 DNIAP, lhe colocou, novamente, à mesa nova pasta, onde constam fortes indícios de condutas ilícitas de Joel Leonardo reagiu…
Constam dentre muitos outros, o escândalo do desvio de 110 milhões de kwanzas, para as contas da empresa da sobrinha, Irina Gomes Martins Apolinário, em duas tranches, uma de 37 e outra de 70 milhões de kwanzas, saídos das contas do Tribunal Supremo, para a empresa ULONGUIÇO, Lda (professor em Umbundu).
A justificação de prestação de serviços de jardinagem na sede do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ – que não tem jardins) e de limpeza no edifício do Tribunal Supremo, não ficou provado, segundo a PGR.
Noutros ilícitos, dois filhos constam da Folha salarial do Tribunal Supremo; Denilson Aldair Isau Leonardo e Wander Jeremias Leonardo, ambos como escrivão de 3.ª classe.
Em 15 de Dezembro de 2020 incluiu, com a chancela do Conselho Superior de Magistratura Judicial e seu secretário executivo, José António Eduardo Agostinho, a filha, Amélia Jumbila Isaú Leonardo Machado “Yuca”, que estava alocada no seu gabinete e tinha um ano, como juíza, num grupo para uma formação de formadores de juízes, na Universidade de Coimbra – Portugal.
Além da filha outros familiares directos, foram incluídos, tais como, os primos: Daniel Modesto Geraldes, Joaquim Fernando Salombongo, Nazaré Sílvio Inácio António, Pedro Nazaré Pascoal.
Mas os familiares, primos e amigos, não param por aqui, estão alojados em todos sectores, nomeadamente, Teresa Marçal, Salomão Raimundo Kulanda, Manuel Victor Assuilo, Sebastião Domingos Ngunza, Carlos Cavukila. Caso caricato é de uma sobrinha, Claudia Maria Fernandes Domingos, que concorreu para uma vaga no Tribunal de Contas, mas não vingou por ter tido 10 valores na classificação, mas 15 dias depois concorreu no Supremo e teve uma classificação de 16 valores. Uma autêntica magia.
Joel Leonardo vai ser lembrado por tantos actos esdrúxulos que apatifaram a magistratura judicial de Angola.