GUERRA EM CABINDA FAZ MAIS DE 20 MORTOS, TRÊS SÃO EUROPEUS

O Estado-Maior das Forças Armadas Cabindesas (FAC) anunciou a morte de três cidadãos europeus nos “intensos confrontos” registados hoje de madrugada, numa aldeia do enclave angolano de Cabinda, entre os seus combatentes e o exército governamental angolano.

O “Alto Comando das Forças Armadas Cabindesas (FAC) anuncia que intensos confrontos ocorreram entra a FLEC [Frente de Libertação do Estado de Cabinda] e FAA [Forças Armadas Angolanas], que fizeram recurso a armas pesadas, esta quinta-feira dia 15.05.2025, das 04:20 às 06:30 [mesma hora em Lisboa], na aldeia de Mbamba-Kibuendi, situada na região de Belize, causando a morte de 18 soldados angolanos e quatro ficaram feridos”, lê-se num comunicado enviado à Imprensa.

As FAC acrescentam, na nota, que nos confrontos ficaram feridos sete civis.

Contactado directamente pela Lusa a partir de Lisboa, o porta-voz da FLEC-Forças Armadas Cabindesas, Jean Claude Nzita, disse que os corpos dos cidadãos europeus foram recolhidos pelos militares angolanos e que decorrem ainda combates na zona de Belize.

“A falta de seriedade e irresponsabilidade do Governo de João Lourenço sobre o conflito em Cabinda está a causar numerosas vítimas civis e a pôr em perigo as vidas de cidadãos estrangeiros num território em plena guerra”, acusam os independentistas, que acrescentam que, face à intensidade dos combates e dos bombardeamentos, “os residentes de Mbamba refugiaram-se na vizinha República Democrática do Congo, abandonando as suas casas em Cabinda”.

“O Estado-Maior das Forças Armadas Cabindesas (FAC) apela à comunidade internacional para assumir as suas responsabilidades face à situação de guerra no território de Cabinda”, conclui-se na nota, que é assinada pelo tenente-general José Maria da Fonseca Che Guevara, chefe do Estado-Maior General-Adjunto de Operações das FAC.

A FLEC-FAC reivindica há vários anos a independência do território de Cabinda, província no norte de Angola, de onde provém grande parte do petróleo do país, evocando o Tratado de Simulambuco, de 1885, que designa aquela parcela territorial como protectorado português.

QUEM DEFENDE CABINDA É… TERRORISTA?

O Tratado de Simulambuco foi um tratado que selou a criação de um protectorado de Cabinda, assinado pelo representante do governo português Guilherme Augusto de Brito Capello, então capitão tenente da Armada e comandante da corveta Rainha de Portugal, e pelos príncipes, chefes e oficiais do Reino de Angoio, em 1 de Fevereiro de 1885.

Num contexto colonial em que Portugal aparecia como mal menor entre todos os que queriam ser donos da Cabinda, os cabindas optaram por negociar com os portugueses, acreditando que a sua segurança e autonomia sairiam resguardadas. Mal sabiam que iriam ser apunhalados cobardemente pelas costas, em 1975, por outros portugueses.

A 29 de Setembro de 1883, foi assinado o Tratado de Chinfuma no morro do mesmo nome, a norte do rio Chiloango. O local foi escolhido porque só por si corroborava o alcance do acordo. Assim, ficou estabelecido o protectorado e a soberania de Portugal sobre todos os territórios que se estendem do rio Massabi até ao Malembo.

Portugal, de acordo com o articulado do documento, comprometia-se a garantir a perenidade e integridade das áreas bem especificadas no âmbito do protectorado (Artigo 3º, do Tratado de Chifuma), situação corroborada também pelo auto de posse que foi autenticado pelo rei do Cacongo.

Pouco mais de um ano depois, a 26 de Dezembro de 1884, outros responsáveis da hierarquia social e política de Cabinda consideraram favorável o Tratado de Chifuma, até então considerado como já tendo dado frutos no sentido da defesa dos interesses dos cabindas, e decidiram apostar na mesma estratégia, assinando então o Tratado de Chicambo, cópia fiel do anterior.

De acordo com a História de Portugal, anterior aos capítulos revolucionários que a reescreveram a partir do 25 de Abril de 1974, todos os acordos com os cabindas foram feitos, assinados e assumidos conscientemente pelo Governador-Geral de Angola, capitão-tenente Ferreira do Amaral, tendo como testemunha presencial o tenente Guilherme Capello, comandante da corveta “Rainha de Portugal”, navio de guerra que patrulhava a região regularmente e que era uma garantia da soberania portuguesa.

Mau grado estes Tratados e todas as garantias dadas pelas autoridades portuguesas em matéria de segurança, os cabindas continuavam a sentir-se sem segurança e sujeitos aos mesmos perigos protagonizados pelas outras potências coloniais.

Confrontado com a esta realidade que, inclusive, poderia levar a umas espécie de rebelião que anulasse os acordos anteriores, Portugal resolveu com a anuência de um maior número de líderes de Cabinda, avançar para um outro Tratado mais amplo e abrangente e que englobasse os anteriores e lhes desse outras mais-valias.

Foi assim que, em 1 de Fevereiro de 1885, nasce o Tratado de Simulambuco. Na óptica de Lisboa, sob o reinado de D. Luís, este Tratado era importantíssimo sobretudo no âmbito da famosa Conferência de Berlim.

A Conferência de Berlim realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 teve como objectivo organizar a ocupação de África pelas potências coloniais e resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações étnicas e mesmo familiares dos povos do Continente.

A Conferência de Berlim validou o Tratado de Simulambuco e reconheceu, como era condição “sine qua non” de Portugal, todos os direitos portugueses na região.

Portugal assumia então, tanto perante os cabindas como o mundo, a obrigação de ser guardião, por todos os meios ao seu dispor, do Protectorado de Cabinda.

No Tratado estava, e está, escrito:

“Nós, abaixo assinados príncipes governadores de Cabinda, sabendo que na Europa se trata de resolver, em conferência de embaixadores de diferentes potências, questões que directamente dizem respeito aos territórios da Costa Ocidental de África, e, por conseguinte, ao destino dos seus povos, aproveitamos a estada neste porto da corveta portuguesa “Rainha de Portugal”, a fim de, em nosso nome e no dos povos que governamos, pedirmos ao seu comandante, como delegado do Governo de Sua Majestade Fidelíssima, para fazermos e concordarmos num tratado pelo qual fiquemos sob o protectorado de Portugal, tornando-nos, de facto, súbditos da coroa portuguesa, como já o éramos por hábitos e relações de amizade. E, portanto, sendo de nossa inteira, livre e plena vontade que de futuro entremos nos domínios da coroa portuguesa para aceder aos nossos desejos e dos povos que governamos, determinado o dia, onde, em sessão solene, se há-de assinar o tratado que nos coloque sob protecção da bandeira de Portugal”.

Também os portugueses escreveram e subscreveram.

Seja qual for o ponto de vista da análise, é matéria de facto que Portugal honrou desde 1885 até 1974 o compromisso assumido com os cabindas, razão pela qual em matéria constitucional incluiu Cabinda na Nação portuguesa, fazendo-o de forma autónoma e bem diferenciada de outras situações coloniais, caso de Angola.

De facto, e ao contrário das teses unilaterais dos descolonizadores que, para além de comunistas eram cobardes, tomaram o poder em Portugal em 1974, no artigo da Constituição Portuguesa referente à Nação Portuguesa sempre constava, sempre constou e ainda lá está para quem tiver dúvidas, que o território de Portugal era, na África Ocidental, constituído pelos Arquipélagos de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, Forte de S. João Baptista de Ajudá, Guiné, Cabinda e Angola.

Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelo Acordo de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado nos areópagos putrefactos de Lisboa), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.

Graças ao petróleo, grande parte dele produzido em Cabinda, Angola consegue que a comunidade internacional reconheça a existência de dois tipos de terrorismo. Um bom e outro mau.

O mau é praticado por todos aqueles que apenas querem que se respeite os seus mais sublimes direitos. O bom é o do Estado, neste caso angolano, que viola sistematicamente todos os mais básicos direitos humanos, prendendo, torturando e matando todos aqueles que pensam de maneira diferente.

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por pouco se falar dele que ele deixa de existir. Se calhar estão de novo à espera que os cabindas apostem na razão da força…

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

Recorde-se que, em 1975, Portugal reconheceu o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.

Folha 8 com Lusa
Foto: Arquivo

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