CADA UM TEM O QATAR QUE MERECE

O Governo angolano manifestou-se surpreendido com o encontro, no Qatar, dos presidentes do Ruanda e da República Democrática do Congo (RD Congo), sobre o conflito neste país, na terça-feira, dia em que estavam previstas conversações em Luanda.

A surpresa face ao sucedido foi manifestada pelo ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, citado pelo órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola, que considerou que “todos os esforços para a resolução de conflitos são bem-vindos”, mas, observou, os problemas africanos deveriam ter solução africana.

O ministro lembrou que o encontro entre Félix Tshisekedi e Paul Kagame – que decorre em Doha sob mediação do Emir do Qatar, Tamim Bin Hamad – aconteceu “exactamente no dia em que a RD Congo enviou uma delegação a Luanda” para negociações com os rebeldes do M23.

O chefe da diplomacia angolana deu a conhecer igualmente que o Presidente angolano e da União Africana (UA), João Lourenço (mediador do processo de paz para o leste da RD Congo) se mostrou “surpreendido” com a iniciativa do Qatar.

Angola, que detém a presidência rotativa da UA “não irá abandonar os membros e que no quadro da organização vai continuar em busca de soluções para trazer a paz no continente”, assegurou ainda o governante angolano.

Félix Tshisekedi e Paul Kagame reuniram-se em Doha, com o emir do Qatar, onde discutiram o conflito no leste congolês, que opõe as forças governamentais e o ao Movimento 23 de Março (M23), que é apoiado pelo Ruanda – segundo a ONU e países como os EUA, a Alemanha e a França.

Neste mesmo dia, estava agendado um encontro em Luanda entre delegações do governo da RD Congo e o M23, que foi adiado para “tempo oportuno”, devido a “circunstâncias de força maior”, como anunciaram as autoridades angolanas, na sequência da ausência do M23.

O Governo angolano, que assume o papel de mediador na procura de uma solução para o conflito em curso no leste da RD Congo, assegurou na altura que “continua a envidar todos os esforços para que o referido encontro se realize em momento oportuno, reafirmando ser o diálogo a única solução duradoura para a pacificação” naquela região da vizinha RD Congo.

Ao final do dia de segunda-feira, o M23 anunciou que cancelava a sua participação no encontro, o primeiro que juntaria à mesma mesa rebeldes e autoridades congolesas, justificando a ausência face a posições de “instituições internacionais”, isto depois do anúncio pela União Europeia de sanções contra interesses e pessoas ligadas às ofensivas dos rebeldes.

A actividade armada do M23 – um grupo constituído principalmente por tutsis vítimas do genocídio ruandês de 1994 – recomeçou em Novembro de 2021 com ataques relâmpagos contra o exército governamental no Kivu Norte tendo avançado em várias frentes e fazendo temer uma possível guerra regional.

CADA UM TEM O QATAR QUE MERECE?

Em 2019, a experiência do Qatar no aproveitamento de recursos para a sua economia pode acelerar o desenvolvimento de Angola, defendeu com toda a originalidade, em Doha, o então ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto.

Em Setembro de 2019, no balanço da visita oficial do Presidente do MPLA e, por inerência, também da República, general João Lourenço, ao Qatar, o então chefe da diplomacia angolana afirmou que era o início de novo ciclo das relações bilaterais entre os dois estados.

Manuel Augusto lembrou que Angola e Qatar têm relações diplomáticas já há alguns anos, mas nunca foram traduzidas em termos de cooperação económica em acções concretas, tudo porque os governantes de José Eduardo dos Santos, muitos dos quais são hoje governantes de João Lourenço (ele próprio um dos eminentes de Dos Santos), andaram a fazer o que hoje continuam a fazer: chular os angolanos.

Para o governante do MPLA, havia similaridades entre as duas nações, sendo que a mais visível era o facto de ambos serem países produtores e exportadores de petróleo e gás, mas “havia” também diferenças muito grandes entre os dois.

Justificou que isso se reflecte no resultado da utilização das receitas do petróleo, que são diferentes. Reconheceu que o Qatar soube e continua a saber usar as receitas para gerar desenvolvimento, prosperidade, coisa que Angola precisa e não soube fazer durante os últimos 50 anos em que é desgovernada sempre pelo mesmo partido, o MPLA.

Manuel Augusto sublinhou a necessidade do país alinhar com as “boas práticas” (coisa que o MPLA não sabe o que significa e que por isso o coloca na liderança mundial dos partidos com mais corruptos por metro quadrado) para poder também usar os recursos petrolíferos, como fonte de desenvolvimento e motor para diversificação económica. No nosso caso, a diversificação tem sido mais “é cómica” do que económica.

O então ministro destacou que a visita do Presidente do MPLA e da República, bem como do Titular do Poder Executivo, foi “muito intensa” pelo nível de contactos estabelecidos, o que permitiu confirmar a seriedade da parceria com este país do Médio Oriente para acelerar o desenvolvimento de Angola, o que pode ser aquilatado em função do valor do fiado.

Segundo o ministro, tudo seria feito (em linguagem do MPLA isso significa ajudar os poucos que têm milhões a ter mais milhões e contribuir para que os milhões que têm pouco ou nada passem a ter ainda menos) para que os operadores económicos dos dois países, suportados pelos respectivos governos, possam realizar projectos com vantagens mútuas.

Angola e Qatar assinaram na altura (Setembro de 2019), no Palácio Real do Emir, em Doha, seis acordos de interesse comum que marcam uma nova etapa de cooperação económica em diversos sectores. Na época falava-se na possibilidade de trazer Doha para o Cunene, tal como queria levar a Califórnia para Benguela.

Na época, este “pequeno gigante” de 2.710 mil habitantes, líder mundial no Produto Interno Bruto per capita (129.112 dólares), tinha (e tem) no petróleo, gás natural e investimentos no mercado financeiro as suas principais fontes de riqueza, pelo que Angola pretendia tirar o máximo proveito da experiência.

Será que o MPLA se recorda que, em 2014, um relatório do Banco Nacional do Qatar dizia que a África subsariana era uma nova fronteira para os investidores globais, mas onde os riscos políticos e económicos abundavam, apontando Angola e Moçambique como dois dos seis países mais promissores em 2015?

Concretamente o Banco dizia que “saber a diferença entre diamantes em bruto e simples pedras é essencial. Apontamos seis países que tiveram um forte desempenho nos últimos cinco anos e os mais promissores para a região em 2015: Angola, Quénia, Moçambique, Nigéria, Tanzânia e Uganda”. Dizia mesmo que são “diamantes económicos reais”.

Lembrando o crescimento económico previsto pelo Fundo Monetário Internacional – 6,5% em 2014 e em 2015 -, o banco do Qatar dizia que “o país com a expansão económica mais acelerada é Moçambique”, que tem o seu crescimento “alicerçado nos grandes investimentos em mega-projectos e com investimentos estruturantes e substanciais no sector da energia”.

Angola (o tal reino do MPLA) era descrito como “o segundo maior produtor de petróleo a seguir à Nigéria e rica noutros recursos naturais como os diamantes”, e era apontado o excedente orçamental de 4,1% em 2014 e a previsão de 5,9% em 2015.

“A produção de petróleo diminuiu ligeiramente porque a produção declinou nalguns campos já antigos, mas o crescimento deve aumentar nos próximos tempos”, acrescentava o relatório do banco.

Os aspectos positivos não escondiam, segundo o Banco Nacional do Qatar, “os variados riscos que os investidores têm de enfrentar”, entre os quais “os problemas de segurança, os maus ambientes empresariais, a fraca implementação de projectos e as dúvidas sobre a sustentabilidade dos défices orçamentais e da dívida pública”.

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