APELO PARA QUE DEUS NÃO DURMA

Após as intervenções de diversos oradores provenientes de África e de outros continentes, seguidas de frutuosas trocas, cardeais, arcebispos e bispos membros do SCEAM (Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar) dirigiram esta mensagem à Igreja, Família de Deus presente em África e nas suas Ilhas, bem como a todas as pessoas de boa vontade.

Na «nossa Mensagem Final da 19ª Assembleia Plenária, realizada em Acra, Gana, de 25 de Julho a 1 de Agosto de 2022, recordamos “a grande insegurança que reina em várias regiões do nosso continente, devido à instabilidade sócio-política, à violência, à pobreza económica, à fragilidade das estruturas de saúde, à insurgência, ao terrorismo, à exploração da religião para fins políticos e à falta de respeito pelo meio ambiente e pela boa governação”. Esses desafios ainda persistem em sua totalidade, mas isso não deve ser motivo de desespero. Pois, com Cristo e por Ele, uma virtude essencial pode preencher o nosso coração e permitir-nos olhar para o futuro com confiança e optimismo. Cristo é a Fonte de esperança para a África e seus povos.

Antes de retornar à casa do Pai, o Papa Francisco colocou toda a Igreja no caminho da sinodalidade. É nesta perspectiva que se insere o nosso encontro deste ano, que pretende ser um testemunho de reflexão sobre o nosso caminho conjunto para os próximos 25 anos. Como se sabe, sínodo significa caminhar juntos. Mas não podemos caminhar juntos sem uma meta. A nossa meta é tornar Cristo sempre presente nas nossas comunidades e nas nossas vidas. Cristo é o objectivo final do nosso sínodo; Ele é a razão da nossa esperança e do nosso compromisso em carregar a cruz em sua sequela; Ele é a nossa esperança e o caminho que nos conduz à verdade plena e à vida em abundância.

A esperança cristã fundamenta-se na prioridade do Reino de Deus. Ela é uma promessa do reinado de Deus entre os homens de boa vontade. Isso implica uma vida de fé e de obediência a Deus; um Deus que provê a todas as necessidades daqueles que depositam n’Ele a sua confiança: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo”.

Exortamos os cristãos da África e das Ilhas a abrirem-se a esta esperança que Cristo, “Ressurreição e Vida em abundância”, oferece, para que sejam libertos de todas as formas de morte que enfrentam no seu quotidiano. Consideramos oportuno recordar as palavras proféticas do Papa São João Paulo II, durante a sua entronização na Praça de São Pedro, em 22 de Outubro de 1978: “Não tenhais medo! Abri, escancarai as portas a Cristo, ao seu poder salvador. Abri as fronteiras dos Estados, dos sistemas políticos e económico, os vastos domínios da cultura, do desenvolvimento e da civilização. Não tenhais medo!”

O desafio de sermos os “arquitectos da África que queremos” passa, em última análise, pela abertura dos horizontes de esperança para o nosso pleno desenvolvimento enquanto seres humanos e enquanto filhos de Deus, chamados à novidade do Evangelho que liberta de todo o mal.

A esperança cristã não pode ser confundida com um mero idealismo sem impacto na realidade concreta da vida humana. Ela é um compromisso, uma presença activa, em nome do Senhor Jesus, junto àqueles que sofrem, que enfrentam injustiças, que são deixados à margem pelos poderosos deste mundo. A exemplo de Cristo, a Igreja em África e em Madagáscar deve assumir a opção preferencial pelos pobres, como propôs seu Mestre. “Proclamar a Palavra, oportuna e inoportunamente”, à maneira de São Paulo, é cultivar a ousadia de uma palavra que incomoda e questiona este mundo. O Papa São João Paulo II não hesitou em afirmar que “um sinal de contradição” poderia ser “uma definição distintiva de Cristo e da sua Igreja”. “Eis que vos envio como cordeiros no meio de lobos”, advertia Jesus aos seus discípulos, mas logo acrescentava a palavra que consola: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”.

Portanto, apesar das dificuldades da missão, a presença de Jesus é fonte de esperança para “uma Igreja em saída”, segundo a expressão do Papa Francisco, formada por cristãos empenhados na construção de um mundo novo, de um novo céu e de uma nova terra que nos foi prometida. Trata-se de cristãos que transformam a humanidade para que ela se torne Família de Deus e para que habite no Reino de Deus.

No dia 15 de Junho passado, foi beatificado em Roma um jovem leigo congolês, Floribert Bwana Chui, assassinado em 2007 em Goma por ter-se recusado a permitir a entrada de produtos alimentares estragados em troca de suborno. O Papa Francisco prestou homenagem a este jovem, reconhecido como “mártir da honestidade e da integridade moral”. Encorajamos a nossa juventude africana a ser testemunha dos valores evangélicos.

O Documento de Kampala almejava a invenção de uma nova África, “a dos baptizados que têm consciência de que sua vocação, ligada à sua identidade, é apegar-se à Pessoa de Jesus Cristo, permanecer n’Ele, deixar-se transformar pelo Espírito Santo no amor do Pai e trabalhar para que o Reino de Deus se estenda mais profundamente ao coração das sociedades africanas”.

Os conflitos inter-étnicos ou inter-estatais em diversas regiões da África têm como consequência inevitável o empobrecimento humano, o qual, por sua vez, gera outros tipos de empobrecimento que paralisam o continente como um todo. Ninguém sai vencedor de um conflito, seja qual for sua natureza. A reconciliação, o perdão e a paz são elementos essenciais para o desenvolvimento em todas as dimensões da vida humana. “Em nome de Cristo, suplicamos: reconciliai-vos com Deus. Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nos tornássemos justiça de Deus”. A reconciliação entre os homens, sobretudo entre os cristãos, deve ter como fundamento a reconciliação de Deus com toda a humanidade em Jesus Cristo.

Nós, vossos Pastores, consideramos que a nossa missão, em nome do Senhor Jesus Cristo, é chamar à reconciliação e ao perdão todos os baptizados em conflito, para que a harmonia e a convivência instauradas pelo acto salvífico de Cristo se tornem uma escolha de vida para todos.

A reconciliação e a paz “são um caminho de esperança” na medida em que revelam a verdadeira natureza do ser humano como um ser essencialmente voltado para os outros. A proclamação desta mensagem de esperança torna-se tanto mais urgente diante da persistência de situações em que “tantos homens e mulheres, crianças e idosos, são desprezados na sua dignidade, na sua integridade física, na sua liberdade, inclusive religiosa, privados da solidariedade comunitária, da esperança num futuro. Numerosas vítimas inocentes carregam em si o suplício da humilhação e da exclusão, do luto e da injustiça, e mesmo os traumas de uma perseguição sistemática contra seu povo e seus entes queridos”.

A paz entre os filhos e filhas da Igreja em África e nas Ilhas, baptizados em Cristo, deve ser incondicional e sem concessões. Ela deve estar enraizada na gratuidade do dom de Deus em Cristo pelo Espírito Santo: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá”, disse Jesus. Neste mesmo sentido, o Papa Leão XIV, no dia de sua eleição, afirmou solenemente: “É a paz de Cristo ressuscitado, uma paz desarmante, humilde e perseverante. Ela vem de Deus, de Deus que nos ama a todos incondicionalmente”.

A Igreja, testemunha do sofrimento do povo nas zonas de conflitos armados, deve comprometer-se de forma mais vigorosa com acções de sensibilização e iniciativas concretas pela paz. A educação para a paz das novas gerações deve ser uma de suas prioridades, para que cada homem e cada mulher da África e de Madagáscar se tornem transmissores da Paz de Deus em Nosso Senhor Jesus. Aproveitamos esta ocasião para nos dirigir a todos os nossos líderes políticos, para que tenham no coração a preocupação com os povos que governam, que protejam os mais fracos e promovam o diálogo e a convivência harmoniosa.

O Papa São Paulo VI, na sua Encíclica Populorum Progressio (1967), lançou uma mensagem que continua actual para o nosso continente: “O desenvolvimento é o novo nome da paz.” Ou seja, a paz é uma condição sine qua non para o surgimento de um ambiente saudável, único capaz de garantir os fundamentos do progresso social e económico. Mas essa paz que conduz ao desenvolvimento só será verdadeira se estiver ligada à sua Fonte, que é Cristo. Com São Paulo, fortalecidos por nossa missão profética, não cessaremos de desejar ao nosso continente: “Que a paz e a caridade com fé sejam dadas aos irmãos da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo!».

A mensagem que SCEAM deseja depositar nos corações das filhas e filhos da África e de Madagáscar, por ocasião da sua 20ª Assembleia Plenária, tem uma dupla dimensão: por um lado, reacender e viver nossa verdadeira identidade como Igreja-Família de Deus, Deus como nosso Pai, a Igreja como nossa Mãe, e os outros como nossos irmãos e irmãs; por outro, abraçar plenamente a grande missão da reconciliação.

Porque somos humanos e frequentemente nos ferimos uns aos outros, precisamos constantemente curar e restaurar nossas relações. A reconciliação, que tem sua fonte em Cristo, nos permite restaurar laços rompidos e, por meio dessa cura, somos chamados a viver na justiça e na paz. Esta é a missão que nos é legada pela Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos: “Hoje, o rosto da evangelização assume o nome de reconciliação, condição indispensável para estabelecer em África relações de justiça entre os homens e para construir uma paz justa e duradoura no respeito a cada indivíduo e a todos os povos; uma paz aberta à contribuição de todas as pessoas de boa vontade, além das respectivas pertenças religiosas, étnicas, linguísticas, culturais e sociais.”

Caminhar e viver como Igreja-Família de Deus significa estar em justa relação com Deus e entre nós. Isso implica reconhecer Deus como nosso Pai, a Igreja como nossa Mãe, e a nós mesmos como irmãos e irmãs. Essa imagem nos convida a viver uma vida de comunhão, amor e responsabilidade mútua.

Cristo nos envia hoje em missão: renovar nossa compreensão e prática de ser uma Família de Deus, e servir nossas comunidades e nosso continente com o Evangelho da reconciliação, da justiça e da paz.

No Documento de Kampala de 2019, afirmávamos na mesma linha: “A Igreja é uma família de pessoas unidas pela vida, aceitação mútua, amor, compromisso, celebração da fé, perdão, alegria e partilha. É uma comunidade que constrói a justiça, a paz, a solidariedade e a fraternidade, vividas em palavras e acções.” Assim compreendida, a Igreja-Família de Deus torna-se verdadeiramente um espaço de gestação e nascimento da esperança, da reconciliação e da paz.

Neste ano jubilar, recordamos que a missão fundamental de todos os baptizados é ser mensageiros e construtores da esperança. É assim que a Igreja-Família de Deus em África e nas Ilhas propõe uma visão para os próximos 25 anos, uma visão enraizada em Cristo, nossa Esperança, e estruturada em torno de 12 pilares, a saber:

Evangelização, Auto-sustentação, Família como modelo da liderança, Formação para a Sinodalidade e o engajamento missionário, Cuidado da criação, Juventude e renovação da Igreja, Justiça, paz e desenvolvimento humano integral, Ecumenismo e diálogo inter-religioso, Missão no ambiente digital, Saúde do povo de Deus, Vida litúrgica da Igreja em África, Igreja e política.

Que a Virgem Maria, Nossa Senhora da África, acompanhe a Igreja no nosso continente para que testemunhe Jesus, Paz e Esperança.»

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