Em Portugal, o líder da seita que dá pelo nome de Chega, André Ventura, não tem dúvidas quanto ao seu grito de guerra que é, recorde-se, “24 de Abril sempre, liberdade nunca mais”. Assim sendo, os portugueses e estrangeiros que não sejam brancos (puros) que se cuidem. Não será em Auschwitz mas pode ser no Campo Pequeno…
Por Orlando Castro
Para o Chega em particular, mas para toda a Direita, não importa a sociedade que se quer construir. Só importa a sociedade que se quer destruir. Ontem, os portugueses que têm o cérebro no intestino grosso confirmaram isso mesmo. Para lutarem contra o lobo que os ameaçava resolveram pedir ajuda ao leão. O leão derrotou o lobo. A seguir vai comê-los.
Permitam-me que, com a devida vénia, transcreve um artigo da Jornalista Bárbara Reis, publicado no Público em 22/02/2025:
« (…) Com o pico do populismo, veio o pico do insulto aos jornalistas — é a última moda ocidental.
Em Itália, a palavra “chacais” pegou — sciacalli. Os jornalistas são “chacais imundos”, “chacais vis”, “chacais sem vergonha”, “chacais loucos”, “chacais ordinários”, “chacais moralmente corruptos”.
Em França, os jornalistas são “journalopes” (junção de journaliste e salope, que em francês é calão para prostituta) e os “media” são “merdia”.
Nos EUA, os jornalistas são “garbage”, “scum” e “filhos da mãe” (“He’s a sleeping son of a bitch, I’ll tell you”). Mas também são “palhaços”, “horríveis”, “nojentos”, “aldrabões” (“con artists”), “desonestos”, “sujos” e “inimigos do povo americano” — como Estaline dizia que os media eram “inimigos do povo russo” e Mao dizia “inimigos do povo chinês”. Nos EUA, perante perguntas incómodas, o jornalista pode ter como resposta “you are fake news” ou “you are nasty”.
Na Índia, há anos que se ouve a expressão “presstitutes”. Na Eslovénia, os jornalistas são “uma desgraça nacional”, “mentirosos”, “disseminadores de vírus”, “demasiado bem pagos”, seguidores de “instruções”, “força do mal”, “assassinos” e, acredite ou não, “fazem sexo como modo de vida”. É também na Eslovénia que as “mulheres editoras” nos jornais têm um rótulo especial: mantêm “laços familiares e de capital com o deep state”. Na Eslováquia, são “prostitutos nojentos”. Na Hungria, “o problema é que os media ocidentais estão alinhados com a esquerda”. E na Holanda, os jornalistas são “só escumalha”.
Isto não é um grupo de arruaceiros a criticar jornalistas. São líderes de partidos políticos, alguns ministros, primeiros-ministros e presidentes que dizem estas coisas todos os dias e há anos.
Em Portugal, é André Ventura quem faz esta triste figura: não gosta de uma notícia e diz que o jornal “é lixo”, “não comprem, não partilhem, não vejam”. Quer defender Donald Trump e Elon Musk e diz que os partidos de esquerda “habituaram-se a mandar nas redacções que ali estão” — e aponta para a bancada dos jornalistas na Assembleia da República — mas “agora acabou”.
Podemos não ligar e dizer que isto é mentira e que as pessoas sabem. O problema é que dizer que os media são “lixo” não é só conversa e é mais do que fazer má figura.
No livro “Como Morrem as Democracias”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, cientistas políticos e professores de Harvard, usam a grelha para medir o risco de autoritarismo proposta em 1978 por Juan Linz, nascido na República de Weimer alemã e que cresceu na Guerra Civil Espanhola, ou seja, um homem que “sabia muito sobre os perigos de perder a democracia”. A grelha tem quatro perguntas que permitem identificar políticos antidemocráticos.
Devemos preocupar-nos quando um político:
1) rejeita as regras do jogo democrático,
2) nega a legitimidade dos adversários,
3) tolera ou encoraja a violência,
4) mostra vontade de restringir as liberdades cívicas dos adversários, incluindo os “media”.
Cinquenta anos depois, a grelha resiste. O tempo também mostra que, a seguir à retórica de os “media” serem “lixo”, costuma vir o controlo. Os processos de difamação e de irregularidades financeiras são os instrumentos clássicos.
Na Rússia, em 2000, o Presidente Vladimir Putin prendeu Vladimir Gusinski, dono da rede de televisão privada NTV, acusando-o de “apropriação financeira indevida” e a seguir propôs-lhe “a liberdade em troca da NTV”. Gusinski aceitou vender a NTV por 200 milhões à Gazprom, empresa estatal do gás, e saiu do país.
Na Turquia, em 2009, Recep Erdogan multou em 2,5 mil milhões de dólares o grupo Dogan Yayin, dono de um dos jornais mais populares do país, o Hurriyat, e várias estações de televisão, acusando-o de evasão fiscal.
Na Venezuela, em 2010, o governo de Chávez abriu uma investigação às irregularidades financeiras de Guillermo Zuloaga, dono da Globovisión, forçando-o a sair do país para evitar a prisão. Como Gusinski, Zuloaga vendeu a sua estação de TV a um empresário próximo do regime. Contam Levitsky e Ziblatt que o processo de autocensura se instalou e uma das maiores estações de televisão do país, a Venevisión, deixou de fazer cobertura sobre política.
No Equador, em 2011, o Presidente Rafael Correa ganhou um processo judicial de 40 milhões de dólares contra os donos e o editor do “El Universo”, que o descrevera como “ditador” num editorial.
O que disse Trump quando o mundo ainda pensava que “uma coisa é o que Trump diz, outra é o que Trump faz”?
Em 2016, num comício no Texas, atacou Jeff Bezos, dono do Washington Post, dizendo: “Se eu for Presidente, oh, eles vão ter problemas! Vão ter grandes problemas!” Trump disse: “Os media são um dos grupos mais desonestos que alguma vez conheci”. E a seguir: “Vou dar uso às nossas leis de difamação para que, quando escreverem artigos propositadamente negativos, horríveis e falsos, possamos processá-los e ganhar muito dinheiro… Por isso, quando o New York Times escrever um artigo a atacar-me, podemos processá-los!”
Há dias, Trump impediu dois jornalistas da Associated Press de entrarem na Casa Branca porque a agência de notícias norte-americana continua a escrever Golfo do México em vez de Golfo da América.
Tal como os seus colegas populistas, Trump começou com a conversa do “lixo” e repetiu a palavra todos os dias ao longo dos últimos dez anos. Agora o terreno está pronto para o ataque a valer.»