O Presidente angolano, general João Lourenço, voltou hoje a registar mais uma obra-prima do anedotário nacional, ao dizer que o país “tem tudo para dar certo” no sector da agricultura, mas precisa de melhor organização e de políticas que maximizem os recursos disponíveis, como água abundante e terras aráveis. Ou seja, se o “país deu certo” no sector da agricultura no tempo dos portugueses, tem tudo há 49 anos (com excepção de competência) para voltar a dar certo.
O general que, por sinal, para além de ser Titular do Poder Executivo é também Presidente do partido que está no Poder há 49 anos, afirmou que “o nosso país tem tudo para dar certo neste domínio da agricultura, tudo ou praticamente tudo: terras aráveis, água abundante, bom clima, gente com vontade de trabalhar, as famílias, sobretudo”.
Falando hoje no Palácio Presidencial, após conferir posse aos novos ministros da Agricultura e Florestas, Isaac dos Anjos, e do Ensino Superior, Albano Vicente Ferreira, considerou que a agricultura familiar “está a crescer a olhos vistos”.
“Existe muita produção no campo, de praticamente todos os bens essenciais ao consumo, precisamos é de organizar melhor, de ter políticas que possam maximizar os recursos disponíveis neste sector”, referiu o general João Lourenço, certamente chateado por não poder no sector agrícola (como em quase todos os outros) demonstrar que o MPLA fez mais em 50 anos do que os portugueses em 500.
Para João Lourenço, as fábricas de fertilizantes do Soyo e de vacina animal do Huambo, em construção, são investimentos de que o país precisa para dar o “tão esperado salto” na produção agrícola.
A Isaac dos Anjos (que substituiu António Francisco de Assis, nada lhe adiantando dizer que “João Lourenço é um diamante raro em Angola), o chefe do executivo angolano pediu “mais ambição”, numa altura em que, notou, se fala da necessidade do “combate à fome e a miséria” (20 milhões de pobres, recordamos) e da necessidade de se garantir a segurança alimentar.
João Lourenço defendeu, por outro lado, a necessidade de se mudar o quadro das instituições públicas do ensino superior a nível do país, pedindo ao novo titular da pasta ministerial um diagnóstico para identificar os pontos fracos e as melhorias necessárias.
“E traga-nos propostas concretas do que entende ser necessário fazer-se para passarmos a ter um ensino superior público de qualidade, exigente, que não se limita a dar diplomas, mas que forme de facto os jovens”, pediu ao ministro do sector, defendendo a necessidade deste andar pelo país e a não se limitar a ler relatórios.
“Abandonem um pouco os gabinetes e mantenham contacto com as instituições sob vossa tutela”, exortou o chefe de Estado aos novos governantes.
Em declarações aos jornalistas, Isaac dos Anjos garantiu trabalhar para que a agricultura angolana seja a “arte de enriquecer alegremente”, considerando que o país precisa de “discutir o conceito de segurança alimentar” para se “diversificar a oferta”.
Quanto ao ministro do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Albano Vicente Ferreira, que substituiu no cargo Paula Regina de Oliveira, que ocupou a pasta apenas em quatro meses, apontou como prioridades o reforço da qualidade do ensino, as infra-estruturas públicas e maior rigor no ensino privado.
Hoje, foram ainda empossados os vice-governadores para os Serviços Técnicos e Infra-estruturas das províncias de Luanda e Cabinda, respectivamente Calunga Francisco Quissanga e Juliano Cuabi Capita.
ENXADAS, SACHOLAS, ANCINHOS
A agricultura familiar compreende 91,5% das explorações agrícolas em Angola, sendo 66% ainda feita com recurso a enxadas e meios manuais (muitos alugados por falta de produção nacional), sendo as restantes de empresários.
Em 2023, Segundo o director nacional da Agricultura e Pecuária de Angola, Manuel Dias, a agricultura nacional encontra-se “fortemente alicerçada” na agricultura familiar de subsistência, “que não garante cabalmente a segurança alimentar e nutricional da população em Angola”.
A situação “obriga a recorrer grandemente à importação de alimentos”, disse o responsável, quando falava sobre o desenvolvimento da agricultura sustentável em Angola, no Simpósio Relação Brasil – Angola, que decorreu em Luanda.
Falando em representação do secretário de Estado do sector, Manuel Dias sinalizou que, do total da área cultivada a nível nacional, as explorações agrícolas empresariais contribuíram apenas com menos de 9%. As famílias contribuíram com 91,5% do total da área cultivada na campanha agrícola 2021-2022, acrescentou.
Em relação à preparação das áreas agrícolas segundo as diferentes fontes energéticas de mecanização, o responsável afirmou que 66% da agricultura em Angola ainda é feita manualmente, 22% por tracção animal e 6% por mecanização.
Para o director nacional da Agricultura e Pecuária de Angola, a vulgarização e expansão da mecanização agrícola, regadio, sanidade vegetal e animal, fabrico de factores de produção, como equipamentos agrícolas, fertilizantes, pesticidas e vacinas em todo o território constituem desafios para a cooperação entre Angola e o Brasil, no sentido do “fortalecimento” da agricultura familiar.
Se estivesse num colóquio, simpósio, reunião com norte-coreanos ou birmaneses diria o mesmo, só mudando o nome dos interlocutores. A noção do Governo (MPLA) sobre a diversificação económica é mesmo essa: estender a mão a quem possa dar fiado ao reino.
Considerou, ainda, que o investimento brasileiro directo para a produção na agricultura, o reforço da capacidade de melhoramento e certificação de sementes, melhoramento genético dos diferentes tipos de gado e investigação agrária constituem também desafios da cooperação entre Luanda e Brasília.
Em Junho (2023), na cidade do Uíge, o Presidente da República, general João Lourenço, confirmou (palavra de rei), o que já tinha dito o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço), as potencialidades do solo angolano, salientando (coisa espantosa!) que o mesmo possui os condimentos necessários para garantir produtos alimentares para sustentar o mercado nacional. Ou seja, disse que é possível em 2023 fazer o que os portugueses faziam em 1974/75. É obra…
O general convidou, por isso, os produtores a empenharem-se com maior afinco e dedicação às actividades agrícolas. “No Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, afirmou em 2022 o então ministro da Agricultura, que agora passou de bestial a besta, e Pescas, António Francisco de Assis.
“Pelo que acabei de ver, o Dom Caetano tem razão: O nosso chão dá tudo. É uma questão de nos empenharmos e trabalharmos, que estaremos em condições de alimentar o nosso mercado nacional”, afirmou o Chefe de Estado e do partido que está no Governo há 49 anos, no final da visita à Feira Agro-Pecuária.
O mesmo já dizia Diogo Cão, Norton de Matos ou António de Oliveira Salazar. Mas…
Aos jornalistas, no final da visita, o Presidente João Lourenço elogiou a organização do evento, salientando que uma das coisas que mais marcou a sua atenção na exposição foi ao constatar várias iniciativas tecnológicas de alguns jovens expositores.
“Refiro-me, por exemplo, a algo que nunca imaginava que pudesse ser possível: produzir bolacha a partir da farinha de mandioca”, indicou com rara e emblemática perspicácia o Chefe de Estado, que prometeu apoiar os jovens promotores da iniciativa como forma de estender a experiência noutras regiões do país.
NEM ENXADAS, NEM CATANAS
Recorde-se que o ex-ministro da Agricultura e Pescas, António Francisco de Assis, afirmou no dia 18 de Março de 2022 que agricultores do interior do país disputavam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limita o desenvolvimento do sector. Nem enxadas nem catanas. Coisas da crise… que já dura há 49 anos, não é senhor general João Lourenço? O melhor mesmo é pescar com enxadas e semear com anzóis. Ou, então, fazer como faziam os tugas – plantar as couves com a raiz para baixo…
Para António Francisco de Assis, a falta de fabrico interno de meios de produção agrícola, nomeadamente catanas, enxadas, carros de mão, agulhas e de fertilizantes e pesticidas condiciona o fomento da produção agrícola, levando os agricultores a disputarem estes meios.
Segundo o agora ex-governante, a falta de conhecimento e de mercado constam também entre os factores que inviabilizam o crescimento da agricultura em Angola, defendendo que as acções das autoridades deviam convergir com o sector que dirige.
“A nível de Catabola [província do Bié] encontrar sementes e pesticidas é difícil, nas principais regiões onde se produz não há enxadas e no Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, contou António Francisco de Assis.
O país “não produz enxadas, precisamos fazer diplomacia económica para atrair investimentos e produzir localmente enxadas, catanas, carros de mão, machados, regadores, facas, agulhas para coser os sacos e outros meios de produção”, frisou.
“Há alguns passos positivos nesse sentido, mas ainda insuficientes para as necessidades do país”, salientou.