A propósito da visita de José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste, a Angola, que o Folha 8 noticiou ontem com o título “Bajulação acéfala e invertebrada”, sem alterar uma vírgula, apenas recordando que as palavras voam mas os escritos são eternos, reproduzo uma entrevista que fiz a Xanana Gusmão, publicada em 13 de Fevereiro de 1999 no Jornal de Notícias (Portugal).
Por Orlando Castro
Jornal de Notícias – O presidente Habibie admite a independência de Timor-Leste ainda este ano. Acredita nisso?
Xanana Gusmão – Acredito. O Governo indonésio está a levar a sério o assunto e nada nos faz supor que a ideia das autoridades de Jacarta sejam outras.
– Então está satisfeito?
– Sim. Essas afirmações são para nós um acrescido motivo de alegria. Sabemos que processos assim levam a tomadas de posição por vezes algo imprevisíveis. O problema é que muitas vezes somos apanhados desprevenidos e mudanças rápidas de atitude, obrigam-nos necessariamente a ter mais consciência das nossas enormes responsabilidades. Ainda mais porque essa alteração reduz o tempo que prevíamos ter para preparar todo o processo. Isso não significa, contudo, que não estejamos satisfeitos.
– Digamos que admite que essa proposta seja um armadilha?
– Não exactamente. O espaço é demasiado curto. No entanto, e mais uma vez, esperamos que o Governo indonésio confirme junto da comunidade internacional que os passos que estão a ser dados não vão sofrer alterações, e que, por isso, não se corre o risco de andar para a frente e para trás.
– Tem mantido contactos com os timorenses que estão no território?
– A minha vinda para esta casa foi uma forma de me permitir ter contactos directos com todas as forças e opiniões sobre Timor-Leste e, sobretudo, com os timorenses que são os mais interessados na resolução deste processo. Tenho estado em constante contacto com todos os timorenses, e esse trabalho vai continuar cada vez mais de forma alargada. É claro que os contactos ultrapassam os timorenses pois importa ouvir todos aqueles que podem, mesmo que de uma forma pouco expressiva, contribuir para a solução pacífica do problema.
– Dos contactos já feitos e das análises daí resultantes, a que conclusão chega?
– Penso, desde logo, que o problema é apenas nosso. A partir de agora não teremos mais desculpas. Temos de provar a todos, nomeadamente à Indonésia de que somos capazes. Não vamos exigir à Indonésia, ou à comunidade internacional, as responsabilidades que são apenas nossas. Teremos de ser nós a tratar do nosso destino. Temos de provar que temos capacidade e não defraudar a confiança que estão a colocar em nós.
– Não haverá algum excesso de optimismo?
– Não se esqueça que o optimismo permitiu-nos chegar até aqui. Reconheço, como é óbvio, que existem sempre pessoas, mesmo entre os timorenses, que pretendem espalhar o espectro da guerra civil. É isso mesmo que temos de eliminar e, ao mesmo tempo, temos de semear a harmonia e o entendimento entre os timorenses.
– Vai ser, permita-nos o termo, uma «guerra» complicada…
– Sim. Sabemos que é um grande desafio para todos nós. Mas se desde o princípio da guerra sabíamos que estávamos a enfrentar um muito poderoso inimigo e, mesmo assim, não perdemos a fé, agora que já conseguimos ver melhor a luz ao fundo do túnel, não podemos de maneira alguma perder a fé de que conseguiremos, em consciência e com o contributo de todos, fazer o que nos cabe, não encontrando desculpas ou passando a responsabilidade para os outros.
– Com este quadro, a união fará mais uma vez a força?
– Exacto. Todos os timorenses, estejam ou não no território, devem reflectir sobre os próximos e difíceis desafios. Reflectir de forma consciente e séria. Eu prefiro a independência. Mas não a prefiro a qualquer preço. A independência não se consegue, ou não se constrói, com um simples içar da bandeira. É preciso trabalhar muito. É preciso estar preparado. Não basta querer, é preciso saber querer.
– Tem estado com os representantes portugueses. São encontros frutuosos?
– São muito frutuosos. Ana Gomes e Afonso Malheiro estão em contacto permanente comigo. São encontros que cada vez mais se tornarão uma rotina, desde logo porque os seus conselhos e os seus contributos são, como é fácil de entender, importantíssimos para a solução do problema.
– É importante a ida de Ramos-Horta a Jacarta?
– Era importante que ele viesse, tal como era que todos viessem na tal perspectiva de que todos não seremos demais para ajudar a construir o nosso país. Temos de aproveitar a altura para, em conjunto, encontrarmos a melhor via. O encontro de Ramos-Horta comigo não é importante. Sê-lo-á com certeza com as autoridades indonésias. Isto na perspectiva de que devemos todos remar no mesmo sentido.
– E para Portugal que papel fica reservado?
– Um papel importante. Portugal é importante, como sempre o foi. Acreditamos que, mais uma vez, Portugal vai ajudar os timorenses a encontrar o caminho certo. Por isso, nunca é demais agradecer a ajuda de Portugal e dos portugueses. Esperamos que nesta hora difícil e crítica para a nossa Pátria, os portugueses continuem a ajudar-nos.
– Insiste em usar termos que denotam algumas incertezas ou dúvidas…
– É que, de facto, o momento é mesmo crítico. E não o é porque não estejamos já a ver o fim da luta. É crítico porque o processo é cada vez mais célere e tempo cada vez mais curto. Daí a importância que damos à ajuda dos portugueses que, novamente, nos vai ser dada. Aliás, importa recordar que foi a ajuda e a solidariedade do povo português que desde há 24 anos nos deu a força moral para resistir e hoje olharmos para a vitória com a firmeza e confiança.
– Solidariedade que nem sempre foi dada por outros povos?
– Não diria por outros povos. Diria por outros governos. Veja-se que a posição dos portugueses e do seu Governo contrasta com a do Governo australiano que continua a manifestar-se contra a independência de Timor-Leste. Com essa posição estão a passar-nos um atestado de menoridade, mas estou convencido de que os factos vão demonstrar que somos capazes.