O activista Adolfo Campos foi vítima de um governo assassino que está há 47 anos no poder. A sua vida estava por um fio e seria talvez aos olhos do Povo angolano como o “afro-americano George Floyd”, que morreu de asfixia, essencialmente, devido à pressão exercida pelo polícia Derek Chauvin no pescoço e nas costas, causando assim a sua morte. Floyd bem dizia “não consigo respirar”. “Estão a me algemar, estão a me matar, estão a me afogar”, disse Adolfo Campos perante a brutalidade policial.
Por Elias Muhongo
A marcha pela libertação e justiça dos “presos políticos”, realizada no passado dia 28 de Janeiro, foi brutalmente reprimida pela Polícia Nacional (do MPLA) , alegando ausência de autorização do Governo da Província de Luanda.
Os activistas e organizadores da marcha foram agredidos e detidos. “Eu fui vítima da brutalidade policial na manifestação realizada no sábado. É anormal este quadro de ignorância, estupidez, hipocrisia, assassinato e de vergonhosa governação de João Lourenço”, diz Adolfo Campos, acrescentando: “Sinceramente, não estão suficientemente sábios e capazes de combater os males que assolam o país. O povo angolano está a viver uma falsa administração e governação, não é normal ouvir porcarias vindo de um agente da Polícia Nacional, ter desconhecido a lei. A Polícia Nacional de Angola desconhece do Artigo 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação). No seu ponto 1 é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei e o ponto e as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”.
Adolfo Campos acrescenta que,” vivemos num país onde o abuso de poder, a negligência, falta de pedagogia, falta de preparação técnica para lidar com o público e actuar com profissionalismo em momentos de tensão ainda está no fundo do túnel. O nosso país continua a registar, mais uma vez, violências que deveriam envergonhar o Presidente da República pela brutalidade policial na manifestação do dia 28, ao espancar e prender manifestantes mostra, realmente, que Angola tem o sistema de Justiça mais incapaz e ou incompetente”.
“Depois de sermos detidos, queriam nos levar à província do Bengo, devido a uma chamada telefónica que o agente estava a receber mostrando-nos que a ordem superior ainda continua a funcionar. De repente mudaram de rota em direcção ao Calomboloca e posto na cidade de Catete pediram-nos para descer da viatura o que recusamos fazer. Foi feita mais uma ligação e a ordem superior ordenou para irmos para Calomboloca e, depois de minutos, receberam mais uma ligação e pararam no meio da mata entre Catete e Calomboloca, mandaram-nos descer com muita arrogância. Recusamos a descer novamente das viaturas e, no meio de tanta tortura psicológica, eu decidi pedir para telefonarem ao segundo Comandante de Luanda, Mateus André, informei-o que era desumano que estava a fazer e recusamos descer das viaturas. Perante a recusa, o comandante ordenou para nos deixar na vila de Viana, e levaram-nos até ao mercado do 30, A sede e a fome eram enormes”, recorda Adolfo Campos, visivelmente emocionado.
Adolfo Campos relembra que “é uma triste cena que dá entender que o país continua a viver num sistema de assassinatos e sem direitos. A Polícia Nacional de Angola desconhece do Artigo 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação). No seu ponto 1 é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei e o ponto e as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei”.
Segundo um jornalista presente na manifestação, que preferiu manter o anonimato “é de chorar saber que muitos fundos têm saído no cofre do Estado para palestras, workshops, formações, dos agentes da Polícia Nacional. Mas, infelizmente, desconhecem do artigo 44.º (Liberdade de imprensa)”.
Recorda o jornalista: “No ponto 1 é garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.
2. O Estado assegura o pluralismo de expressão e garante a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação.
3. O Estado assegura a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão.
4. A lei estabelece as formas de exercício da liberdade de imprensa. E do Artigo 45.º (Direito de antena, de resposta e de réplica política). No seu ponto 1 que diz que “nos períodos de eleições gerais e autárquicas e de referendo, os concorrentes têm direito a tempos de antena nas estações de radiodifusão e de televisão públicas, de acordo com o âmbito da eleição ou do referendo, nos termos da Constituição e da lei”. No segundo ponto: “Os partidos políticos representados na Assembleia Nacional têm direito de resposta e de réplica política às declarações do Executivo, nos termos regulados por lei”.
O referido jornalista fez questão de “agradecer a vossa (Folha 8) coragem, pois acompanham tudo. O que faltava lá foi só mesmo a polícia lançar granadas de gás lacrimogénio contra os activistas e os jornalistas presentes”.
Os activistas lamentam e dizem que “o que vivemos são situações que afectam negativamente o Ministério do Interior, deixando-o numa situação fragilizada aos olhos dos cidadãos. A marcha não tinha ainda começado, estávamos apenas a organizar-nos quando um grupo de agentes da Polícia Nacional ostensivamente armado, sob o Comando da Chefe das Operações do Município de Luanda, bloqueou a marcha. Havia agentes da polícia em todos os cantos do largo das Heroínas de Luanda, e locais onde se pretendia realizar a manifestação. Efectivos da Polícia Nacional e outros agentes à paisana impediam os cidadãos de permanecer nos espaços públicos, inclusive até os jornalistas que estavam no local para reportar a marcha. Apenas os jornalistas da TV8 que começaram com os seus deveres quando o activista Adolfo Campos chegou ao local”, recordam outros participantes.
“A acção da polícia não tem respaldo legal e configura clara violação dos direitos fundamentais dos cidadãos plasmados na Constituição da República de Angola (CRA). Ao ser questionado pelo Jornal Folha 8, se deveriam apresentar uma queixa-crime, responderam “Não vamos apresentar queixa contra polícia angolana pela brutalidade porque são as mesmas entidades. Às vezes, fico perturbado quando reparo nos vídeos a circular pelas redes sociais onde apareço eu. É triste saber que por pouco não estaria aqui a fazer esta entrevista, porque estamos a viver com um governa assassino há 47 anos. Mesmo gritando que estão a me algemar, estão a me matar, estão a me afogar aí, gritava e chorava, os agentes da polícia a mando pela ordem superior não me largavam”, conta Adolfo Campos.
As semelhanças com George Floyd são muitas. O homem que fez sair às ruas milhares de pessoas protestarem contra violência policial nos EUA: “Black Lives Matter” (as vidas dos negros importam) e “I can’t breathe” (não consigo respirar, numa alusão às últimas palavras de George Floyd).
A vida de Adolfo Campos e dos seus companheiros estava por um fio. Se o “George Floyd” morreu com o aperto de um agente, o Adolfo resistiu à pressão exercida por vários agentes da Polícia Nacional. De recordar que a marcha pela libertação e justiça dos “presos políticos” que estão há um ano atrás das grades, Gilson da Silva Moreira “Tanaece Neutro” e Luther Campos são acusados de vários crimes, entre os quais o de ultraje ao Estado. “Tanaece Neutro”, condenado a pena de prisão suspensa de um ano e três meses, aguarda o acórdão do Tribunal da Relação face ao recurso interposto pelo Ministério Público. Já o julgamento de Luther Campos foi adiado na sexta-feira (27.01) devido ao falecimento da juíza da quarta sessão do Tribunal de Luanda, onde o activista é julgado. A defesa afirma que “já não se justifica a prisão preventiva do arguido”. São considerados “presos políticos” os activistas Tanaece Neutro, Luther Campos, o líder da seita religiosa “A Luz do Mundo”, José Kalupeteca, e o líder do auto-denominado Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, José Domingos Mateus “Zecamutchima”.
O Jornal Folha 8 contactou o porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, superintendente-chefe Nestor Goubel, sem sucesso.