Os angolanos ainda estão distantes de poderem ouvir e ver dirigentes verdadeiramente comprometidos com os princípios da humildade, conciliação e ética republicana, principalmente, quando muitos emergem ao cadeirão máximo das organizações, sem escrutínio das bases políticas ou de cidadania.
Por William Tonet
A maioria dos angolanos vive, desde 1975, com uma tribo dirigente cuja “constituição mental” de viés ditatorial, está longe de, em pleno século XXI, navegar em oceanos democráticos.
A lógica da batata na lei da batota, continua a ser a fraude de cada dia, do regime e, neste ano (2022) eleitoral, a sofisticação vai aumentar, exponencialmente.
Os vícios da trama remontam aos 10 de Novembro de 1975, com a não elaboração de uma Constituição republicana, mas uma Lei Constitucional partidocrata, aprovada, exclusivamente, pelo comité central e presidente do MPLA.
Nem tiveram, respeito pela maioria dos cidadãos, inteligência e humildade para, ao menos, Agostinho Neto, já na qualidade de Presidente da República Popular de Angola, assinar e promulgar, o texto constitucional.
Foi dentro deste contexto, que o novo ente jurídico internacional, emergiu no contexto das nações, transformando a partidocracia, no mais importante órgão de soberania.
Barbaridade constitucional, que vigorou, sem freios e contra freis, de 1975 a 1991!
Em 1991, fruto do fim do conflito militar, justificado pela necessidade do fim do partido único e introdução da democracia, os beligerantes: MPLA e UNITA, encetaram negociações de paz, culminando com os Acordos de Alto Kuango (assinatura do fim das hostilidades militares, no Luena-Moxico), entre as FALA (General Arlindo Chenda Pena Ben Ben) e as FAPLA (Coronel Higino Carneiro), aos 19 de Maio de 1991.
Posteriormente, aos 31 de Maio de 1991, José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, rubricariam os Acordos de Bicesse, originando a primeira alteração da Lei Constitucional do MPLA, através da aprovação (exclusivamente, por membros do MPLA) da Lei 12/91, para a adopção do pluralismo.
O mesmo erro cometido em 1975, que inviabilizou as eleições livres e justas, consignadas nos Acordos de Alvor, não sendo repristinadas, em 1991, trilharam os mesmos carreiros espinhosos. Deveria ter sido constituído um Poder Constituinte, capaz de eleger uma Assembleia Constituinte, integrada por todos actores partidários e da sociedade civil, para estripar da Lei Constitucional do MPLA, a natureza monopartidária e a norma que sub-repticiamente legitima(va) a fraude e a batota eleitoral.
O MPLA, tem tido a maestria (maliciosa) de sozinho, proceder às reformas, sendo fiel ao seu objecto totalitário, consolidando, também, através da Lei 23/92 de 16 de Setembro, que viu, violada as cláusulas pétreas (art.º 159.º), pela Constituição de 2010, feita a medida do presidente do MPLA, ampliadas com a revisão pontual da Constituição de 22.06.21, para conferir poderes imperiais a João Lourenço, aprovadas com base na maioria parlamentar.
Estas engenharias, aliadas à alteração da lei eleitoral, são a chave das máquinas de processamento informático eleitoral e da CNE, com o condão de manter, mesmo perdendo, através do voto popular, o MPLA no poder.
Ontem (1991), a ingenuidade da UNITA e euforia de Jonas Savimbi, fez-lhes, por confiar no adversário, provar o amargo veneno. Hoje (2022), Adalberto da Costa Júnior, a UNITA, a restante oposição e a sociedade civil, seguir-lhe-ão as peugadas, pois o cenário não será (é) diferente, em Agosto, sem uma severa e permanente contestação social, para a desinfestação das instituições eleitorais e judiciais, garantes de lisura e transparência eleitoral, mais a mais se a comunidade internacional, principalmente, os Estados Unidos, a Rússia e a União Europeia, não forem mobilizados como agentes de pressão democrática.
O momento exige realismo, não euforia de vitória, da parte das forças democráticas e dos cidadãos por mudança, quando o regime partidocrata, controla a totalidade dos órgãos eleitoral, judicial, militar, policial e da Segurança de Estado, que lhe garantem, na previsível derrota eleitoral, a manutenção do poder, ante a consolidação diária dos golpes de Estado constitucionais.
O monopólio da comunicação social, a ausência do contraditório, a diabolização dos adversários, a não legalização de partidos políticos verdadeiros, a prisão e condenação arbitrária de manifestantes, o controlo de largos públicos e o uso das finanças públicas, para a sua bilionária campanha eleitoral, são a prova acabada.
Num trilho, onde as instituições do Estado, foram tomadas, através de elucubrações jurídicas, por um homem e um partido político, o cenário é cruel. Muito cruel, em Setembro de 2022, pois será, na continuidade da omissão e acções pragmáticas de mobilização da comunidade internacional, proclamada a RDA (República Ditatorial de Angola).
Na incapacidade de Adalberto, Chivukuvuku, Moco, Ntoni Nzinga, Dom Imbamba, Ngola Kabangu conseguirem mobilizar os EUA e União Europeia, que peçam ajuda ao presidente da Ucrânia, Volodomir Zelenski, para ser este a interceder, em nome de Angola, junto destas instituições, que se abrem que nem kitetas, a todos os seus pedidos. Não custa tentar!
O leitor estará a perguntar, as razões desta retrospectiva. Simples. Deve-se aos últimos acontecimentos, ocorridos na reunião do Conselho da República, onde a maioria dos conselheiros, ficou estarrecida, ante a arrogância, a contundência verbal e o desrespeito do Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, ao tomar posições monocráticas, na lógica dos ditadores. “Ele coisificou-nos (conselheiros), demonstrando, não estar preocupado com a lisura, organização, transparência do processo eleitoral. Ele mostrou desprezo pela tendência do voto popular, ao demonstrar-nos, falta de humildade, num momento que a situação do país está sob um barril de pólvora. O Presidente deixou claro, a todos nós, que ainda que os resultados lhe sejam desfavoráveis, não abandonará o palácio, pois, em última instância colocará as tropas na rua, para se manter no poder”, disse um conselheiro da República, que, por razões óbvias, solicitou o anonimato. Vamos aos factos:
MORTE DA DEMOCRACIA E CONSOLIDAÇÃO DO FASCISMO
A ingenuidade de muitos políticos, incluindo do próprio MPLA, levou-os a acreditar, inicialmente, que um lobo, não comendo, por três dias, galinhas, se torna vegetariano, podendo por via disso, ser nomeado chefe único do galinheiro.
No dia 03 de Junho de 2022, os membros do Conselho da República, convocados para discutir a data das eleições legislativas, foram surpreendidos, por um discurso musculado, onde o Presidente da República, já tinha tudo delineado e datado, descurando qualquer contribuição.
Sem disfarçar e afastando a tribuna da humildade, basilar na mente de qualquer presidente democrático, prescindiu de perguntar aos conselheiros, qual seria a melhor data, para a realização do pleito, porque já o tinha feito: “decidi marcar as eleições para o dia 24 de Agosto”. Bárbaro!
Estupefactos e intrigados, entreolharam-se para saber da mais-valia da presença, no Palácio, se tudo estava decidido, levando a que Fernando Pacheco, questiona-se o chefe, mais ou menos nos seguintes termos: “pensava que tivéssemos vindo a esta reunião para debater e sugerir uma data, mas afinal, o Presidente já tem tudo delineado”.
Num tom severo e a quente, serpenteando a sala, a resposta ríspida, não demorou: “mesmo que um ou dois conselheiros propusesse, uma data, eu não tendo (teria) de adoptar, pois este órgão é consultivo não deliberativo”.
Dura, desproporcional e anti-democrática…
Mas os mísseis verbais, disparados pelo anfitrião, estavam longe de surpreender, o conclave, tendo sido a maior cratera a rejeição da igualdade de tratamento, dos diferentes actores políticos, na comunicação social.
“Igualdade? Porquê? Não pode haver tratamento igual, na comunicação social”, e isso não é crime, deslizou, para surpresa geral, a visão “mono” de João Lourenço.
Ismael Mateus, jornalista e conselheiro, não se conteve e hasteou, junto do mastro do presidente, a bandeira de tratamento proporcional, como cabouco fundante da democracia e garantia de credibilização do ambiente eleitoral. “Deve haver tratamento igual”!
Outros políticos lhe seguiram, destacando-se, Manuel Fernandes e Adalberto da Costa Júnior. Do MPLA, mutismo… Esperava-se mais da jornalista/conselheira, Suzana Mendes, mas esta preferiu passar ao largo do tema, incidindo a intervenção nas condições técnicas dos órgãos, no interior.
O tom conflituante e as indirectas, não deixaram de ter como destinatário principal, a UNITA e o seu líder, Adalberto da Costa Júnior, que aproveitando uma “deixa” entre um dos musculados parágrafos introduziu, em tom audível, na sala, que: “Angola não tem um Presidente da República, com esse tipo de linguagem”. Fernando da Piedade Nandó e Luísa Damião, estavam mais próximos, encolheram em seco, a verdade nua e crua. Reforçarão o veio de transmissão? O tempo dirá, mas o semblante, de todos, na sala, disse a fonte do F8, era de extrema preocupação.
O Presidente da República manda às urtigas a Constituição e a Lei Eleitoral, nos seguintes artigos:
Artigo 64
(Princípio da igualdade de tratamento)
As entidades públicas e as pessoas colectivas privadas devem prestar aos candidatos igual tratamento, por forma a que estes efectuem livremente e nas melhores condições a sua campanha eleitoral.
Artigo 65
(Liberdade de expressão e de informação)
Durante o período da campanha eleitoral, os órgãos de comunicação social que realizam e promovam programas, de sua iniciativa, relacionados com as eleições devem assegurar sempre os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento.
Artigo 74
(Deveres das publicações informativas)
As publicações periódicas, informativas, públicas e privadas devem assegurar igualdade de tratamento aos diversos concorrentes.
Será que estamos a reviver, Luís XIV que dizia: “O Estado sou eu!”
A situação de tensão e confrontação entre as principais lideranças: JLO e ACJ é visível em Angola, com mais incidência, desde o ano passado, quando a crise do desemprego, fome, miséria, discriminação política, assassinatos, prisões arbitrárias de manifestantes e adversários políticos, mesmo do MPLA, sobe em espiral. A diabolização e o assassinato de carácter, na comunicação social, sem direito a contraditório, do presidente da UNITA, têm tido efeito contrário, pois tornaram, Adalberto da Costa Júnior, não só mais conhecido, como líder de todas sondagens, inclusive, as encomendadas pelo MPLA.
O discurso e a condução da reunião do dia 03 de Julho de 2022, deixou estupefacto as elites políticas, do próprio MPLA, que perceberam ser desnecessário, logo insuportável, a apetência de agressão a tudo e todos da parte de João Lourenço, que atemoriza, também, os investidores estrangeiros.
“Isto nos preocupa. Estar a levar o partido e o país, para o fundo do poço, espezinhar sempre os outros, como se fosse Messias, começando pelos próprios camaradas do MPLA, com destaque para os ataques constantes e despropositados, ao camarada José Eduardo e família”, disse a fonte.
O transbordar da água do copo ocorreu quando João Lourenço, introduzindo uma podre cereja no topo do bolo, assumiu ser o responsável pela proibição da publicação da lista do registo eleitoral dos cidadãos.
“Como publicar, as listas de 14 milhões de nomes? Não vamos publicar. A lei não é imperativa, logo não dá para publicar”!
E, continuando a desafiar a lógica da norma jurídico-constitucional, ordena que o ministro do Estado e chefe da Casa Civil, Adão Nascimento explique, aos presentes, o n.º 3 do art.º15.º da Lei do Registo Eleitoral Oficioso, que, terminantemente, diante de todos, se recusa a cumprir.
Este, temeroso, engasgado, num frenético jogo de cintura, foi removendo a norma, despistando-a e numa elucubração jurídica digna de entrar para o anedotário mundial, para não desfazer o “chefe” e ludibriar os incautos, remeteu os conselheiros, para um lacónico: “o artigo deve ser visto no âmbito da hermenêutica jurídica”. Incrível!
A hermenêutica jurídica, para que conste, enquanto ramo da hermenêutica ocupa-se da interpretação das normas jurídicas, estabelecendo os métodos para a compreensão legal.
Outro murro no estômago foi o reconhecimento de estar por detrás da privatização dos largos públicos: 1.º de Maio e Heroínas, a favor do MPLA, de 01 de Maio à 30 de Setembro, para realizar actividades diárias, tendo João Lourenço com mais ou menos vírgulas, acintado: “qual é o problema do MPLA estar lá? Quando os activistas ocupavam ninguém falava. A governadora de Luanda, ao autorizar o MPLA, a ocupação, fez muito bem!”
Oko! Assim nunca desembarcaremos numa despoluída democracia…
Estão, finalmente, ilibados de responsabilidade bestial, Bento Bento, 1.º secretário do MPLA e Ana Paula de Carvalho, governadora de Luanda. Nada saiu dos seus neurónios. Tem paternidade superior!
Este foi o ambiente da última reunião do Conselho da República, que contraria a cordialidade do comunicado final.
Vivemos tempos difíceis. Sempre foi assim. Mas, agora, a ferocidade e primarismo das mudanças, consolidam as políticas da extrema-direita, que afundam a credibilidade do MPLA e da sua liderança, dependentes do neoliberalismo económico, promotor dos maiores índices de desemprego, fome e miséria, de que há memória. É diante deste quadro dantesco que ecoa, em cada esquina e carreiro, o grito de indignação do cidadão eleitor, por mudança, cansado dos 46 anos de promessas e, de ver, nos últimos cinco anos, a luta feroz entre camaradas do mesmo partido: o João contra o José, que não se conseguindo reconciliar, mostram a crónica incapacidade de reconciliarem o país.