HOSPITAIS SEM CAPACIDADE DE RESPOSTA

Pacientes e familiares queixaram-se hoje da morosidade no atendimento e das condições de acomodação dos hospitais públicos de Luanda, onde o número de doentes nas urgências duplicou no primeiro dia de greve dos médicos “por tempo indeterminado”.

A necessidade da melhoria dos serviços ambulatórios foi apontada como uma das dificuldades de quem acorre aos serviços de urgência das unidades hospitalares da capital angolana, sobretudo quando estes registam uma procura considerável, como constatou a Lusa numa ronda pelos principais hospitais de Luanda.

Com os médicos em greve a partir das primeiras horas desta segunda-feira, a paralisação desses profissionais também tem reflexo dos pacientes, estando apenas garantidos serviços mínimos com 25% da equipa médica disponível, assim como os cuidados intensivos.

“Cheguei aqui às 08:30 locais e até agora (perto das 12:00) não fui atendido, tenho aqui o filho internado, deram uma ficha para fazer uma radiografia e até agora estou aqui à espera, estão apenas a mandar esperar”, disse Sebastião Salvador, pai de um menor internado no Hospital Geral dos Cajueiros, município do Cazenga.

A unidade hospitalar, localizada num dos municípios mais populosos da capital, regista hoje uma procura superior de pacientes, sobretudo no banco de urgência, cuja resposta é dada por uma equipa em serviço.

Perto de 30 médicos compõem o corpo clínico no Hospital Geral dos Cajueiros, “insuficientes para responder à procura”, mesmo se nesta altura a unidade opera com mais de metade dos médicos.

Segundo a médica estomatologista Ruth Cruz, a enchente na unidade hospitalar não é normal, mas, observou, há muitas doenças e os médicos estão “aqui para responder a essa demanda”.

“Diariamente podemos atender entre 50 e 70 pacientes cada médico, no serviço ambulatório, e durante as 24 horas podemos atingir os 350 pacientes/dia e essa enchente também é reflexo da greve dos médicos”, afirmou a médica angolana.

A falta de espaço para a acomodação de pacientes e respectivos familiares no banco de urgência foi uma das reclamações da paciente Madalena Pereira, que após fazer uma radiografia disse não encontrar um local cómodo para o repouso.

Melhores condições salariais e laborais são as reivindicações dos médicos angolanos que retomaram hoje a greve, por tempo indeterminado, três meses após a primeira paralisação.

A greve dos profissionais da saúde, em Luanda, é também sentida no Hospital Américo Boavida, unidade do nível terciário, como assegurou, no local, o coordenador do núcleo sindical daquele hospital público, Mateus Valentim.

“A greve é, sim, um facto, o pessoal está motivado, estamos hoje no primeiro dia e estamos exactamente a tratar de questões administrativas e operacionais da greve, embora o objectivo seja agravar a medida da greve, mas estão garantidos os serviços mínimos”, salientou.

O especialista em medicina interna lamentou igualmente as condições de acomodação dos pacientes, sobretudo dos serviços ambulatórios, “muitos sentados no chão e em bancos de betão”, enquanto aguardam pelo atendimento.

“De facto, a urgência é grande e vemos que também faltou alguma informação, porque muitos utentes acorreram à nossa unidade sem conhecimento da greve e, então, começaram a manifestar o seu desagrado quando se depararam com a greve”, apontou.

O cenário de indignação, enchente e morosidade no atendimento no Hospital Américo Boavida, como consequência da greve, foi descrito igualmente por Lutango Bernardo Kilola, que disse que o seu irmão está há mais de 24 horas sem ser atendido.

“Estou aqui desde as 12:00 de ontem (domingo), o meu irmão partiu o dedo e até agora não foi atendido, e acho que isso acontece devido à greve dos médicos (…) é por falta de pagamento, é meio estranho eles terem problemas de salários”, afirmou.

“Há muitos pacientes, inclusive nos corredores do hospital, está muito cheio, o Governo tem de zelar por isso, porque é mesmo muito complicado. A enchente começa na urgência e há pessoas graves que até podem perder a vida numa brincadeira”, lamentou.

Os motivos da greve estão afixados de forma explícita em algumas unidades de saúde.

“Pela melhoria do sistema de saúde, pela melhoria da assistência primária, pela melhoria salarial, pela humanização, pela transparência, fazemos greve”, lê-se num cartaz afixado no portão principal da Maternidade Ngangula, distrito urbano da Ingombota.

O cartaz assinala ainda: “Médico angolano, trabalho com amor, não por amor, contas não se pagam com amor”, aludindo à necessidade de melhor remuneração dos profissionais do sector, que na Ngangula asseguram os serviços mínimos.

Do ponto de vistas dos angolanos que não podem recorrer a tratamentos médicos nos “racistas” países ocidentais (como fazem os altos dirigentes do MPLA) da União Europeia ou dos EUA, o tipo de medicina que é feito actualmente no país não tem qualidade absolutamente nenhuma, não tem material de biossegurança, nem laboratórios.

“Nós fazemos uma péssima medicina. Há doentes que em Angola morrem e que deviam ter sido salvos, se eventualmente as condições tivessem sido criadas. Como não estão criadas, os doentes morrem, principalmente na periferia. O que nós não queremos é que isso continue a acontecer, por isso é que partimos para a greve”, disse em tempos Adriano Manuel, presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA).

“Nós precisamos de ter uma melhoria das condições de trabalho. Temos hospitais que não têm nenhum laboratório, nem um raio-X, não têm o básico para se praticar medicina de qualidade. Temos hospitais que não têm nem medicamentos, absolutamente nada. Somos obrigados a mandar os nossos doentes comprarem medicamentos nas farmácias, muitos doentes vêm a convulsionar e não temos medicamento para travar a convulsão”, explicou Adriano Manuel.

Adriano Manuel criticou ainda a falta de melhoria do sistema de saúde primário, o que leva a enchentes nos hospitais terciários, que se poderiam evitar com investimentos na medicina preventiva, e não curativa.

“O facto é de que na base não se resolver absolutamente nada e estamos a querer resolver o problema no sistema de saúde curativo. O grande problema de Angola é o sistema de saúde primário, a prevenção, o Governo quase ou nada investe na prevenção e não investindo vamos encontrar doentes que poderiam muito bem ser abordados na periferia vêm aos hospitais terciários onde ficam acumulados e morrem porque devido à exiguidade de recursos humanos”, disse Adriano Manuel.

Folha 8 com Lusa
Foto: Lusa

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