O regime partidocrata está a ruir. Em Angola! Está em frangalhos, por “motu proprio”. Bummmm! O som estridente, repetido, impõe que me desvie da espinha dorsal de um texto, que deveria reflectir o nosso quotidiano político, para atravessar a fronteira e desembarcar no meio de um conflito.
Por William Tonet
E, no fundo do horizonte, ali, aqui, na Ucrânia, depois do papel de reconhecimento das províncias separatistas, em Repúblicas Populares de Luhansk e Donetsk, no 21.02.22, por Moscovo e Bielorrússia, ouvem-se, desde 24 de Fevereiro, os canhões da morte a avançarem…
O destino é indefinido. Kiev pode não ser o fim da linha.
O Ocidente desdobra-se em sanções, Putin em avançar, avançar…
Chernobyl (central, que sofreu um acidente nuclear catastrófico ocorrido entre 25 e 26 de Abril de 1986 no reactor n.º 4, perto da cidade de Pripiat, no norte da Ucrânia, próximo da fronteira com a Bielorrússia), porta, ainda caixões enterrados com radioactividade, cuja perigosidade aconselha os maiores cuidados (não pode faltar energia e água), mas, infelizmente, caiu no 24.02.22, a favor dos tanques russos. Estes tinham receio de que abertos pelos ucranianos, poderiam causar a morte de centenas ou milhares de soldados, que avançavam em direcção às suas fronteiras interiores.
Com inferioridade numérica e bélica, “desconseguiram” resistir!
A máquina de guerra, antiga ou nova, da ex-União Soviética, agora no colete da Rússia, estremecem os pilares de um Estado vizinho, independente e soberano, da Europa e dos Estados Unidos, rememorando o fracasso das organizações internacionais, o cinismo do ocidente e a progressão da OTAN/NATO, militarizando ex-países federados de Moscovo.
Ao ordenar a invasão, Putin mostra não ter sido incinerado o sovietismo, justificando a acção, com alegadas humilhações, por parte do Ocidente (Europa/EUA), desde a queda do muro de Berlim, quando a União Soviética extinguiu o Pacto de Varsóvia (criada em 1955), com o fim do expansionismo comunista (em 1990), mas os Estados Unidos não fizeram o mesmo com a OTAN/NATO (criada em 1949), pelo contrário, reforçaram-na estendendo os seus tentáculos.
Agora, a Europa está de novo em guerra, depois da queda do muro de Berlim, quando o mundo assistiu à euforia de alegria, da noite de 09 até à madrugada de 10 de Novembro de 1989, com o cair, um a um, singulares de muitos plurais de blocos de um muro, que havia sido construído (28 anos antes), para separar dois irmãos, na Alemanha.
As potências URSS e EUA, acordaram não mais haver uma guerra, genocídio, totalitarismo, em solo europeu, reafirmando, de novo, o velho refrão do valor da carta da ONU de convivência pacífica, respeito ao direito internacional e democracia. O mundo rejubilou…
Infelizmente, o direito internacional, nos últimos tempos, deixou de ser um conjunto de normas que os Estados e organizações internacionais reconhecem como vinculativas nas suas relações bilaterais e multilaterais, para ser a visão ocidental de normas aplicadas contra Estados colocados na condição de párias e ou adversários, desvalorizando este importante ramo do direito. De igual modo, os russos parecendo ter aprendido a lição, agora devolvem o troco, justificando determinadas acções militares.
Tanto assim é que, na esquina, onde o vento faz a curva, a OTAN/NATO, três anos depois (1989-1992), sem mandato do Conselho de Segurança da ONU, testa a sua máquina militar, invadindo e atacando a Bósnia Herzegovina, numa guerra que durou três anos (1992-1995).
Os EUA, a ONU e a União Europeia calaram-se, ante esta grosseira violação do direito internacional e da carta das Nações Unidas e, como o resto do planeta, manteve-se impávido e em silêncio, a situação estimulou a OTAN/NATO a uma segunda grande intervenção, militar na Jugoslávia, em 1999, levando à sua extinção e à proclamação de cinco regiões separatistas em Estados: a Bósnia Herzegovina, Croácia, Macedónia, República Federal da Sérvia e Montenegro e a Eslovénia.
A Rússia via depois, impávida e serena desde essa data, até 2004, o ingresso dos ex-aliados no Pacto do Atlântico Norte (OTAN ou NATO), cercando as suas fronteiras, sem que alguma organização internacional condenasse tais acções expansionistas do mundo dito civilizado, livre e democrático.
Depois disso, também sem mandato e violando, uma vez mais, o direito internacional e subalternizando a ONU, cada vez mais uma organização sem relevância, os Estados Unidos invadiu, destruiu e foi cúmplice no assassinato dos presidentes do Iraque, alegando ter Saddam Hussein armas químicas de destruição massiva (falso), a Líbia e Kaddafi de fomentarem o terrorismo, a Síria de dar guarida ao Estado Islâmico e o Afeganistão, os fundamentalistas islâmicos.
A ONU, em função do poder económico dos Estados Unidos e a Europa pela sua dependência militar, não mugiram nem tugiram, enquanto a Rússia assistia de soslaio, preparando a desforra…
E, quando menos se esperava, Putin vendo-se na possibilidade de perder a única base naval que tem no Mar Mediterrâneo, em Tartus, litoral sírio, decide testar o resultado da aposta e desenvolvimento da nova indústria militar, onde investiu biliões em detrimento de outras áreas económicas e sociais.
Assim, em Setembro de 2015, dá o grito de “rassia”, desafiando a lógica da superioridade militar ocidental, intervindo na Síria ao lado do ditador, Bashar al Assad.
Nessa intervenção, a força aérea russa mostrou grande evolução desferindo fortes golpes aos efectivos do Estado Islâmico afastando-os da capital, chegando também a atingir tropas ocidentais e alguns grupos sunitas, aliados dos americanos, que viriam a ser quase completamente desbaratados.
A confrontação da Rússia versus Estados Unidos/Ocidente, num mesmo teatro de operações militares, pós queda do Muro de Berlim, gerou o que denomino a GGPC (Grande Guerra Psicológica do Cinismo), entre as potências militares, por ausência de autoridade moral de qualquer dos lados, poder acusar o outro da prática de genocídios, destruições de cidades, violações de direitos humanos, crimes e desgraça (depois de 1945), fora dos seus territórios.
O cenário repete-se agora, face à banalização da OTAN/NATO e EUA as pretensões russas de um acordo escrito, para não mais serem reforçados os seus ex-aliados do Leste com armamento e mísseis, que os apontam ao seu território. Depois impedir que a Ucrânia não irá aderir a esta organização continental.
O Ocidente respondeu sem tacto, sem altruísmo, com desdém, minimizando e tentando encurralar Putin, com ameaças de severas sanções económicas e linguagem pouco polida, para a diplomacia que se impunha, descurando a sua tendência ditatorial.
Sem folga na corda que tem sobre o pescoço, sem interlocutores à altura, com traquejo diplomático em fase de crise, Putin com a ofensiva militar, errado ou não, tenta, chamar à razoabilidade do ocidente, para o reabrir das portas do diálogo.
A união de todos, países da União Europeia, Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, pode não resultar, nem ajudar a impedir a propagação da morte e destruição, na Ucrânia.
Se a lógica de Vladmir Putin, em parte não é razoável ao ter invadido um Estado soberano e democrático, a verdade é de, ao não se exaltar a humildade, a humilhação do líder russo, um totalitário, causará perdas de vidas humanas e destruições, que não se justificam e os culpados são os dois lados, quando as sanções económicas, não serão a solução. É preciso não haver a lógica de vencidos e vencedores, quando se quer a vitória da PAZ!
É verdade que no extremar de posições, os Estados Unidos e Joe Biden ameaçam invadir, informaticamente, a Rússia, através de hackers, para descontrolar toda a economia e indústria militar.
Mas esta, pode ser uma guerra, também, apetecida por Putin, que investiu muito neste sector, onde conta, com a prestimosa colaboração do espião informático americano, Edward Snowden, que em 2013 (à época, com 29 anos), fez a maior fuga de documentos secretos da CIA, tornando-se o homem mais procurado do mundo, refugiado, precisamente, em Moscovo. Ele era analista da NSA (National Security Agency – Agência Nacional de Segurança) e os documentos vazados revelaram o grau de espionagem americana a cidadãos comuns, presidentes, líderes e empresários estrangeiros, numa violação da privacidade, sem precedentes.
A Alemanha, que parecia, inicialmente, poder comprometer a unidade europeia, devido à construção do gasoduto de gás russo, para duplicar a exportação para os alemães decidiu suspender o Nord Stream 2, mas poucos acreditam na sua eficácia. Os EUA temem que com este gasoduto a Europa se torne mais dependente do gás russo e Moscovo possa usar isso para penalizar a Ucrânia, Polónia, Alemanha, França, Letónia, Lituânia, Geórgia e outros países ocidentais.
A França teme, para além disso, que a Rússia continue a avançar, nas suas ex-colónias, como o Mali, Guiné Conackri e outros, que trocaram a sua colaboração militar, assinada em 2013, pela da Rússia, que passa a apoiar as novas autoridades na luta contra o terrorismo jhiadista, ao abrigo de um acordo militar assinado com os russos, para o envio de 2.400 soldados, o mesmo que Paris tinha no terreno, constituindo, em período eleitoral, a grande preocupação de Macron, que no dia 17.02.22 anunciou a retirada do seu contingente, da antiga colónia.
As relações entre Bamako e Paris azedaram, quando os militares no poder acusaram a França de atitudes neocolonialistas, por criticarem o adiamento das eleições, expulsando o embaixador. Acto contínuo, para assegurar a guarda presidencial maliana, foi contratado o grupo de segurança militar russo, Wagner (considerados mercenários), próximos de Putin com bases em 21 países africanos.
Esta situação é a responsável pela deslocação de Macron, por mais de duas vezes, a Moscovo, precisamente, para discutir a presença militar russa, nas suas ex-colónias, como o Mali, Guiné Conacry, mais do que a invasão à Ucrânia, por ver a redução de mineiros e outras matérias-primas a mudar de rumo.
A Itália, já manifestou preocupação e reservas quanto às sanções económicas pedindo que estas não se direccionem ao sector energético tal como a Alemanha sugere, devido à dependência, não só do gás para o inverno e economia, como vários minerais, o trigo, controla 25% da produção mundial, além de milho, que a Rússia é o maior exportador.
Outrossim, o presidente russo preparou-se, para o embate militar e das sanções económicas, que terão um efeito dominó, também, na própria Europa. A Rússia criou uma riqueza financeira avaliada em mais de 600.000.000,00 (seiscentos milhões em várias moedas internacionais) e com correspondente barras de ouro, com uma dívida interna, que representa 15% do Produto Interno Bruto, o que dá ao país uma folga considerável.
A ONU e o seu secretário-geral, no dia 24.02.22, mostraram, como das vezes anteriores, o racismo e discriminação incubada, que grassa pela organização, contra a África, principalmente, pois quando no continente morrem, só num dia, mais de mil pessoas, devido às guerra, assassinatos pelos ditadores, fome, seca ou outra causa, nunca António Guterres veio, em menos de 24 horas, tal como já o haviam feito na Bósnia e Kosovo, oferecer aos ucranianos, infelizmente, envolvidos numa guerra, com menos de 200 mortes, mais de 17 milhões de dólares, dinheiro que muitos Estados africanos são, também, contribuintes, mas não beneficiam, quando em crise, com esta velocidade cruzeiro. E é aqui que surge a pergunta que não se cala: é por serem só europeus? Vamos ver os iogurtes, água mineral, cobertores, tendas novas, cozinhas modernas e nunca o milho e fardos que mandam para os africanos.
Seria hora de África através da União Africana, houvesse líderes comprometidos com a cidadania pátria, de boicotar e denunciar este comportamento discriminador das Nações Unidas e ocidente, que colocam o africano como cidadãos de terceira categoria, tal qual faziam os colonialistas.
Angola, por exemplo, que vê milhares de cidadãos morrer no Sul do País, devido à seca deveria abrir as hostilidades em nome da dignidade e respeito aos seus cidadãos e aos demais africanos, por esta abjecta forma de ver o mundo.
Vladimir Putin tem culpas no cartório mas o ocidente não sai impune, pois tem praticado igualmente muitas acções reprováveis, contando com a cumplicidade de toda sua máquina comunicacional, que apenas vê o mundo por um ângulo. Que seja feito tudo para o não prolongar desta guerra, que não é dos ucranianos, mas das vaidades umbilicais de líderes com poder bélico, mas sem poder mental.