“Sombria” é como o Índice Global da Fome 2022 classifica a situação da fome no mundo, agravada pelas últimas crises e pelas actualmente em curso: impacto da pandemia da Covid-19, guerra na Ucrânia e alterações climáticas. A África subsaariana é a segunda região com os níveis de fome mais graves. É mesmo maldição… ou incompetência dos governantes.
“Como mostra o Índice Global da Fome (IGF) de 2022, a situação global da fome é sombria. A sobreposição das crises que o mundo enfrenta está a revelar as falhas dos sistemas alimentares, dos globais aos locais, e a realçar a vulnerabilidade das populações de todo o mundo em relação à fome”, lê-se no seu mais recente relatório, hoje divulgado.
No documento, o IGF denuncia que “a percentagem de pessoas sem acesso regular a calorias suficientes está a aumentar”, em relação aos “cerca de 828 milhões de pessoas subalimentadas em 2021, o que representa uma inversão de mais de uma década de progresso no combate à fome”, devido a “uma onda de crises”.
O estudo prevê que “a situação é susceptível de piorar perante a actual onda de crises globais sobrepostas – conflito, alterações climáticas e repercussões económicas da pandemia de Covid-19 – todas elas poderosas potenciadoras de fome”.
“A guerra na Ucrânia veio aumentar ainda mais os preços globais dos alimentos, de combustíveis e fertilizantes e tem o potencial de agravar ainda mais a fome em 2023 e nos anos seguintes”, sustentam os especialistas responsáveis pela elaboração do índice, considerando que “estas crises vêm juntar-se a factores subjacentes, tais como pobreza, desigualdade, governação inadequada, fracas infra-estruturas e baixa produtividade agrícola, que contribuem para a fome e vulnerabilidade crónicas”.
“A nível mundial e em muitos países e regiões, os actuais sistemas alimentares são inadequados para enfrentar estes desafios e acabar com a fome”, vaticinam.
Segundo os especialistas, “sem uma mudança significativa”, existe um potencial de agravamento da situação já em 2023, não se prevendo que o mundo no seu conjunto consiga atingir um nível baixo de fome até 2030, como previsto nas metas definidas na chamada Agenda 2030 (traçada pela ONU e composta por 17 grandes objectivos de desenvolvimento sustentável).
O IGF apresenta uma escala de gravidade da fome que inclui os níveis “baixo, moderado, grave, alarmante e extremamente alarmante”.
De acordo com o estudo, “a fome elevada persiste em demasiadas regiões”, os níveis de população que se encontram subnutridos estão a aumentar e não se prevê qualquer melhoria até 2030.
O sul da Ásia é a região que apresenta os valores mais elevados e a África subsaariana a segunda região com os níveis de fome mais graves, com a subalimentação e a taxa de mortalidade infantil “mais altas do que qualquer outra região do mundo”, nos termos do relatório, que considera que também em regiões como a África oriental, a Ásia ocidental e o norte de África “os valores são preocupantes”.
O sul asiático é também a região com maior taxa de atraso no crescimento infantil (raquitismo) e, “de longe, a maior taxa de emaciação infantil do que qualquer outra região do mundo”.
Emaciação infantil significa percentagem de crianças com menos de cinco anos com baixo peso para a sua altura, o que é reflexo de subnutrição aguda, explica o IGF no relatório, apontando este como um dos quatro indicadores em que se baseia como instrumento “para medir e acompanhar de forma abrangente a fome a nível global, regional e nacional ao longo dos últimos anos e décadas”.
Os outros três indicadores que utiliza na sua fórmula para captar “a natureza multidimensional da fome” são a subalimentação, o atraso no crescimento infantil (que reflecte subnutrição crónica) e a taxa de mortalidade infantil de crianças com menos de cinco anos.
Os especialistas apontam para que cinco países do mundo estejam num nível alarmante – quatro deles africanos e o Iémen, um país em guerra civil desde 2014, que provocou, segundo a ONU, “a pior crise humanitária do mundo” e que, em Outubro de 2020, a edição anual do IGF incluía já entre os países com níveis de fome alarmantes.
Além disso, o IGF coloca quatro países num nível provisoriamente alarmante — mais três países africanos e a Síria, também palco de uma guerra civil desde 2011 – e 35 países num nível grave de fome (a maioria dos quais também africanos, além de Timor-Leste, Haiti, Índia e Paquistão, Papua-Nova Guiné, Coreia do Norte e Afeganistão, onde os talibãs retomaram o poder há pouco mais de um ano e que enfrenta uma grave crise económica).
As possíveis soluções apontadas no relatório passam pela transformação dos sistemas alimentares, bem como pela importância do papel que os Governos locais desempenham nestas regiões.
“Num sistema alimentar global que ficou aquém do fim sustentável da fome, é importante olhar para a governação dos sistemas alimentares a nível local, onde os cidadãos estão a encontrar formas inovadoras de responsabilizar os decisores pela resolução do problema da insegurança alimentar e nutricional”, refere uma das especialistas, Danielle Resnick, num ensaio incluído no relatório do IGF deste ano.
“Embora a transformação dos sistemas alimentares requeira, em última análise, intervenções a múltiplos níveis, justifica-se uma maior concentração na governação local dos sistemas alimentares”, porque “as práticas de gestão dos recursos naturais, os métodos agrícolas e pecuários e as preferências alimentares assentam frequentemente nas tradições culturais locais, experiências históricas, e condições agro-ecológicas”, defende Danielle Resnick.
Para o relatório do Índice Global de Fome de 2022, foram avaliados dados de 136 países. De entre estes, havia dados suficientes para calcular a pontuação de IGF de 2022 e classificar 121 países (a título de comparação, foram classificados 116 países no relatório de 2021), refere ainda o documento.
O MAU EXEMPLO DA ANGOLA DO MPLA
No dia 18 de Março de 2022, o ministro da Agricultura e Pescas angolano, António de Assis, afirmou que agricultores do interior do país disputam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limita o desenvolvimento do sector. Nem enxadas nem catanas. Coisas da crise… O melhor mesmo é pescar com enxadas e semear com anzóis.
Para António de Assis, a falta de fabrico interno de meios de produção agrícola, nomeadamente catanas, enxadas, carros de mão, agulhas e de fertilizantes e pesticidas condiciona o fomento da produção agrícola, levando os agricultores a disputarem estes meios. No entanto, não faltam Kalashnikov…
Segundo o governante, a falta de conhecimento e de mercado constam também entre os factores que inviabilizam o crescimento da agricultura em Angola, defendendo que as acções das autoridades devem convergir com o sector que dirige.
“A nível de Catabola [província do Bié] encontrar sementes e pesticidas é difícil, nas principais regiões onde se produz não há enxadas e no Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, contou António de Assis.
O país “não produz enxadas, precisamos fazer diplomacia económica para atrair investimentos e produzir localmente enxadas, catanas, carros de mão, machados, regadores, facas, agulhas para coser os sacos e outros meios de produção”, frisou.
“Há alguns passos positivos nesse sentido, mas ainda insuficientes para as necessidades do país”, salientou.
O ministro falava durante a segunda edição do Café CIPRA (Centro de Imprensa da Presidência da República de Angola), que abordou o “Fomento da Produção Nacional e a Sustentabilidade da Reserva Estratégica Alimentar (REA)”.
A ausência de um “mercado sólido, que é todo o conjunto que congrega leis, normas, procedimentos, centrais logísticas, estradas e o ambiente em si onde a produção é levada” também emperram o desenvolvimento da agricultura, segundo o ministro angolano. “Há esforços nesse sentido, hoje é possível verificar acções nesse domínio, mas precisamos de mais”, realçou.
Em relação ao que considerou de “défice acentuado de conhecimento” para a agricultura, António de Assis apontou que, no interior de Angola, a sementeira do milho e da mandioca “não obedece às normas técnico-científicas” do sector.
Com uma “sementeira correcta do milho”, exemplificou, a produção cresce a 100%: “A plantação da mandioca nos campos agrícolas é incorrecta, digo isso do ponto de vista técnico-científico e o mesmo se aplica à plantação da banana”.
“Angola tem de ser um país virado para a agricultura e todo o momento precisamos de analisar o sector para definir parâmetros de actuação conjunta, todos os sectores ministeriais devem estar ligados à agricultura por ser um sector transversal”, disse.
Apesar dos actuais constrangimentos”, observou António de Assis, “nos últimos dois anos foram dados passos significativos no domínio da agricultura e pescas e mesmo durante a pandemia o país não teve falta de alimentos”. Nada foi dito sobre se os agricultores, contrariando as ordens superiores do MPLA, já plantam (como faziam os anteriores colonozadores) as couves com a raiz para… baixo.
“E pelo país há bastante produção local, há produtos agrícolas com alguma frequência e qualidade a nível do país. No país, há um despertar pela necessidade de se produzir, sobretudo devido às dificuldades do passado e a consciência de se consumir produtos locais”, apontou.
O vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Sherif Khaled, disse no dia 10 de Novembro de 2019 que a alta taxa de desemprego é uma das principais razões para Angola apostar na diversificação económica, devendo privilegiar a agricultura e pescas. Há décadas que se diz sempre a mesma coisa. Tantas quantas o MPLA está no Poder.
Angola, acrescentou, deve “desenvolver a agricultura de forma significativa para ter uma maneira de combater os preços baixos do petróleo, para que o sector petrolífero não seja o principal condutor da economia”, um processo que, reconheceu, será longo.
“Angola tem potencial para tudo, tem uma força de trabalho relativamente bem educada, tem potencial para diversificar, especialmente na agricultura e nas pescas, mas agora, olhando para o crescimento do PIB [Produto Interno Bruto], o grande problema é garantir que o Governo continua a apostar na estratégia que tem seguido para promover a estabilidade económica, como tem feito até agora”, afirmou o vice-presidente do BAD com o pelouro da Integração e Desenvolvimento Regional.
Senhores do Governo, não temam a verdade
Enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.
Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.
Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.
Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.
Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tombwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.
Folha 8 com Lusa